Colunista
Publicado em 13 de junho de 2023 às 13h44.
O novo relatório com as diretrizes da reforma Tributária pode tornar o sistema brasileiro mais justo e eficaz, corrigindo disparidades e modernizando o complexo modelo de impostos do país. Apresentado no início de junho pelo Grupo de Trabalho (GT) temático da Câmara dos Deputados, o texto se desenvolve ao redor de seis pontos-chave, os quais serão avaliados de forma separada neste artigo.
Fundamentalmente, a proposta apresenta evolução em relação aos textos (PECs 45 e 110) que estavam em discussão no Congresso desde 2019 do ponto de vista técnico e também político. Os pontos incluem a introdução de um imposto sobre valor agregado (IVA) dual e um imposto seletivo para itens prejudiciais; a manutenção da Zona Franca de Manaus por meio de uma combinação de crédito presumido e imposto seletivo; a criação de um “IPVA de iates” para taxar embarcações de luxo; a aplicação de alíquotas do IVA diferenciadas para setores de alto impacto social como educação, saúde e transporte público; a implementação de um modelo de devolução de impostos (“cashback”) para famílias de menor renda; e a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional.
A principal novidade da nova reforma é a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, dividido entre um tributo federal e outro estadual e municipal. Assim, serão substituídos os atuais IPI, PIS, Cofins, ICMS, e ISS. Tal estrutura espelha o modelo de IVA adotado em vários países europeus que também aplicam taxas variadas em função da natureza do bem ou serviço. Hoje, existe no Brasil uma multiplicidade de impostos com bases de cálculo diferentes, o que resulta em alíquotas efetivas variadas entre setores, produtos e outros parâmetros. A proposta de um imposto dual, um para os estados e outro para os municípios, ameniza a tensão entre os entes federativos, uma vez que distribui os recursos de maneira direta.
Assim como o IVA, outra inovação que o relatório apresenta é um modelo de devolução de impostos incidentes no consumo para famílias de baixa renda, o chamado “cashback”, que permitirá que essas famílias recebam de volta parte dos impostos que pagaram através de suas compras de bens e serviços. Ainda que o formato específico desse sistema não tenha sido detalhado, espera-se que seja uma medida de alívio para famílias que enfrentam dificuldades financeiras, contribuindo para a redução da desigualdade econômica. Esta política é considerada mais eficiente e progressiva do que a utilização de alíquotas diferenciadas ou isenções setoriais, como a que existe atualmente para a cesta básica.
O acordo estabelece um imposto seletivo para preservar os benefícios fiscais para empresas localizadas na capital do Amazonas até 2073, substituindo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os produtos eletrônicos ou veículos automotores que não forem fabricados na Zona Franca de Manaus estarão sujeitos a esse imposto seletivo, além do IVA, pagando uma alíquota adicional. Este arranjo tem como objetivo manter os empregos e minimizar a exploração ambiental na região.
A ZFM deveria ter um prazo menor para a sua extinção, principalmente considerando a ausência de evidências robustas acerca dos seus benefícios ambientais, além do prejuízo econômico e fiscal gerado. A proposta de manutenção até 2073 é vista com ceticismo, pois este prazo ultrapassa a sobrevida política da maioria dos atores envolvidos. No entanto, a aplicação do imposto seletivo como ferramenta de tributação é avaliada positivamente, sendo uma opção mais simples e eficiente do que o modelo atual, e sua aplicação em setores nocivos ao meio ambiente e à saúde é uma prática cada vez mais comum em países desenvolvidos.
A reforma também contempla a implementação de um imposto sobre a propriedade de veículos de luxo, muito semelhante ao já conhecido Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) existente para carros. Isso implicará em uma carga tributária para jatinhos e iates, refletindo o princípio de que aqueles com maior capacidade de pagamento devem contribuir proporcionalmente mais para a receita do Estado. Não há justificativa para que automóveis utilizados pela classe média e trabalhadora sejam alvos de impostos, enquanto os bens de consumo da população mais rica, como jatinhos e iates, sejam isentos.
As diferenças de alíquotas do IVA foram projetadas pensando nos setores que têm alto impacto social, como educação, saúde e transporte público. A ideia por trás dessa estratégia é proporcionar benefícios fiscais para esses setores, aliviando a carga tributária para empresas e organizações que fornecem serviços críticos para a população. Com isso, espera-se que os setores de educação, saúde e transporte público possam passar essas economias para os consumidores na forma de serviços mais acessíveis e de maior qualidade. A aplicação de alíquotas diferenciadas para setores de alta importância social, como educação, saúde e transporte público é comum em diversos países, sendo uma forma de aliviar os preços em setores de alta importância social ou de impacto a longo prazo. Contudo, a extensão dos setores que receberão esta diferenciação deve ser limitada e fixada ao longo do tempo, de preferência com caráter constitucional.
Por fim, o texto prevê a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional, que serviria como um mecanismo de compensação para as perdas de arrecadação de estados e municípios durante a transição entre sistemas de impostos. Isso significa que, durante o período de mudança, as autoridades locais e estaduais teriam acesso a recursos adicionais para ajudar a aliviar qualquer pressão financeira resultante da implementação do novo sistema tributário. Esse fundo também poderia ajudar a financiar projetos de desenvolvimento que são importantes para o crescimento econômico e social das regiões. Esta medida é considerada importante para amenizar as tensões entre os diferentes entes federativos, facilitando a transição para o novo sistema tributário e garantindo que os estados e municípios não sofram perdas de arrecadação significativas durante esse período.
A pretensão de uma reforma estrutural no sistema tributário brasileiro já se estende por mais de 50 anos. Para além da modernização do setor, a reforma contribui para a adoção do novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo federal, uma vez que aumenta as receitas por meio da tributação de dividendos e da redução de gastos tributários.
Como qualquer proposta ambiciosa, no entanto, a eficácia da reforma Tributária dependerá de sua implementação adequada, monitoramento rigoroso e ajustes contínuos para garantir que ela cumpra suas metas e promova um sistema tributário mais eficiente e justo para todos os brasileiros. O novo modelo tem a capacidade sim de acelerar significativamente o crescimento econômico e beneficiar toda a população, com mais empregos e mais renda. Hoje, postergar a reforma é impedir que os brasileiros tenham melhor qualidade de vida no curto prazo.