Deputado Jair Bolsonaro (Antonio Cruz/Agência Brasil/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 3 de dezembro de 2017 às 11h41.
Última atualização em 3 de dezembro de 2017 às 12h05.
São Paulo - Se dependesse só dele, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), virtual candidato à Presidência em 2018, levaria, provavelmente, a vida toda para tentar convencer os eleitores de que a sua propalada conversão ao liberalismo econômico é para valer. Ainda assim, ao final, talvez ele não conseguisse se dissociar totalmente do nacional-desenvolvimentismo, de viés estatizante, que marcou a sua trajetória política, cujos traços ainda estão presentes em suas declarações mais recentes sobre a economia.
Mas, na semana passada, a guinada liberal de Bolsonaro recebeu um impulso inesperado. De repente, deixou de ser apenas um discurso eleitoreiro para ganhar mais consistência. Ao revelar que estava "namorando" com o economista Paulo Guedes e que ele poderá ser seu ministro da Fazenda caso vença as eleições, Bolsonaro conseguiu criar um fato novo, que pode lhe render preciosos dividendos em sua tentativa de se apresentar como um "cristão novo" do liberalismo. Pode representar também um atalho importante para ele conquistar parte da classe média e da direita liberal, que resistem à sua candidatura.
É difícil dizer, hoje, se esse "noivado hétero", como afirmou Bolsonaro, ou o "encontro da ordem com o progresso", como declarou Paulo Guedes, vai virar casamento. Alguns analistas, como o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e hoje responsável pela fundação do Partido Novo, dizem que Guedes "conversa com todo mundo" e que os contatos com Bolsonaro darão em nada.
Outros questionam se, num eventual governo Bolsonaro, Guedes teria a autonomia necessária para implementar suas ideias liberais, embora quem o conheça bem afirme não acreditar que ele se sujeitaria a ir para a Fazenda sem ter carta branca para trabalhar. De acordo com o economista Rodrigo Constantino, um dos trombones da chamada "nova direita" que surgiu no País nos últimos anos, e seu pupilo no Banco Pactual (hoje BTG Pactual), do qual Guedes foi um dos fundadores, em 1983, ele "não aceitaria ser marionete de ninguém".
'Outsider'
Por ora, o que dá para afirmar com segurança é que Bolsonaro não poderia ter escolhido um nome melhor para tentar dar alguma credibilidade à sua conversão liberal. Presidente do Conselho de Administração da Bozano Investimentos, voltada para a compra de participações em empresas, Guedes, de 68 anos, é talvez o mais liberal dos economistas brasileiros, embora não goste de se definir como tal. Ph.D. em Economia pela Universidade de Chicago, o templo do liberalismo global, e um dos fundadores do Instituto Millenium, um centro de divulgação do pensamento liberal no País, ele poderá conferir um verniz à candidatura de Bolsonaro inimaginável alguns dias atrás. "O Paulo Guedes é um craque", diz o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura.
Antes de se aproximar de Bolsonaro, Guedes estimulou o apresentador Luciano Huck, com quem manteve contato permanente desde 2016, a entrar para a política, por acreditar que a desconfiança da população nos políticos tradicionais e os escândalos em série de corrupção envolvendo autoridades dos mais altos escalões da República deverão favorecer a eleição de um "outsider". Mas Huck, pressionado pela TV Globo, que exigia uma rápida definição entre a sequência de sua carreira artística e o seu ingresso na política, anunciou a decisão de não se candidatar à Presidência em 2018. Sua desistência, que vinha amadurecendo nas últimas semanas, talvez possa fortalecer a aproximação de Guedes e Bolsonaro.
Apesar de acreditar que a liberalização da economia é a melhor forma de promover o aumento da riqueza das nações e a prosperidade geral, Guedes não se considera discípulo de Milton Friedman, Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, que ocupam lugar de destaque na galeria dos grandes economistas libertários do século 20. Ele cultiva uma independência que o afasta das ideias convencionais dos liberais brasileiros e nunca se filiou a um partido político. "Eu não me confino em nenhuma caixa", afirma. "A liberdade intelectual é o valor que mais prezo."
Solidariedade
Em sua opinião, a divisão política tradicional entre esquerda e direita não faz mais sentido hoje no País. "O aperfeiçoamento das instituições de uma democracia emergente como a nossa é mais importante do que as obsoletas disputas ideológicas entre esquerda e direita, conservadores e progressistas, liberais e socialistas."
Guedes se diz adepto do que chama de "sociedade aberta", a expressão eternizada pelo filósofo Karl Popper (1902-1994), que procura mesclar a eficiência do mercado com a fraternidade e a solidariedade. "A grande sociedade aberta está além da direita e da esquerda. Quem ainda se preocupa com isso está vivendo na Revolução Francesa, no século 18."
Segundo ele, uma das grandes lacunas do pensamento liberal é não valorizar a solidariedade tanto quanto a liberdade. "O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular? A solidariedade", afirma. "Por que o Lula se elegeu duas vezes e depois foi o grande responsável pela eleição da Dilma duas vezes também? Porque entendeu que a solidariedade é fundamental. Se os liberais não entenderem que a solidariedade é tão importante quanto a liberdade, vão continuar a ser assassinados politicamente."
Essa visão não o impede de ser um crítico implacável dos governos social-democratas do PT, do PSDB e do PMDB, que controlam o País desde a redemocratização, em meados dos anos 1980. "Esses social-democratas...", costuma dizer, com ironia, ao falar dos erros que cometeram na economia. Guedes responsabiliza os economistas tucanos por não terem promovido o ajuste fiscal necessário após a implantação do Plano Real, obrigando o Banco Central (BC) a manter os juros na estratosfera, com resultados perversos para a dívida pública. "Foi aí que apareceu o grande desequilíbrio patrimonial brasileiro", diz. "Os economistas do PSDB erraram demais. O PT só 'agudizou' o problema."
Ao contrário de Bolsonaro, Guedes dispara seus petardos também contra os militares, especialmente contra o governo Geisel (1974-1979), quando, em sua avaliação, criou-se o fosso fiscal que resultou na hiperinflação nos anos 1980 e 1990. "Houve um endividamento externo excessivo, programas equivocados, muita ênfase na estrutura física e quase nada em saúde e educação, que é algo típico de uma sociedade politicamente fechada."
Defensor intransigente das reformas - a da Previdência, a trabalhista e a tributária - e da privatização total das estatais, Paulo Guedes alimenta o sonho de promover uma mudança radical na gestão econômica do País. Para ele, o "coração do problema brasileiro está no gasto público" e sem a realização de um profundo ajuste fiscal o Brasil não conseguirá entrar na trilha do crescimento sustentável. "O programa de uma campanha presidencial para as eleições de 2018 terá de enfrentar os temas que descredenciaram candidatos e partidos da 'velha política'. O enigma que devorou a classe política e degenerou a democracia emergente é que o governo gasta muito e gasta mal", afirma.
Base zero
Ainda hoje, quase 30 anos depois, ele ainda fala com entusiasmo do plano de governo que elaborou para o empresário Guilherme Afif Domingos, candidato à Presidência pelo Partido Liberal (PL), nas eleições de 1989. O plano previa, entre outras medidas, a privatização de todas as estatais em apenas seis meses, para liquidar a dívida interna, e a implantação do "orçamento de base zero", no qual cada despesa precisa ser explicitamente aprovada a cada ano, sem levar em conta o orçamento do ano anterior. O plano previa ainda a realização de uma reforma da Previdência semelhante à que foi feita por Milton Friedman no Chile, nos anos 1970, com a criação de contas individuais para os segurados, que permitiu ao país se tornar uma "máquina de crescimento".
Com sua trajetória invejável, uma inquietação intelectual capaz de produzir soluções inovadoras e o respeito de políticos, empresários e financistas, muita gente se pergunta o que teria levado Paulo Guedes a se aproximar de Bolsonaro. Talvez, por nunca ter ocupado um cargo público ou participado de qualquer governo, ele queira, mais uma vez, tentar colocar em prática seu plano econômico para o Brasil, como o produzido para Afif, que acabou engavetado, e Bolsonaro o tenha seduzido ao acenar com essa possibilidade. Mas a campanha está só começando e muita coisa ainda deve acontecer até as eleições. Só então será possível dizer se a dupla vai mesmo subir no altar.