Economia

Uma alta do salário mínimo pode estimular a informalidade?

Banco Mundial coloca o piso salarial obrigatório como um dos vilões da informalidade no país

Informalidade: estudo defende que reajustes anuais do piso salarial influenciam num aumento de 39% do emprego informal no país (Ricardo Beliel/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

Informalidade: estudo defende que reajustes anuais do piso salarial influenciam num aumento de 39% do emprego informal no país (Ricardo Beliel/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 27 de outubro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 27 de outubro de 2019 às 08h00.

São Paulo - No ranking Doing Business publicado nessa semana — no qual o Brasil caiu 15 posições em relação ao ano anterior, ficando em 124º lugar — o Banco Mundial voltou a citar o salário mínimo crescente como um fator de informalidade no país.

O alerta tem como base um estudo de 2018 do economista Hugo Jales, que usa dados de 2001 a 2009 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), para afirmar que os reajustes anuais do piso salarial estão ligados a um aumento de 39% do emprego informal.

Pela teoria econômica clássica, oferta e demanda geram um salário de mercado, aquele que o empregador estaria disposto a pagar para um funcionário se não houvesse regras específicas, apenas trabalhadores procurando trabalho e empresas oferecendo vagas.

"A ideia de ter um salário mínimo é exatamente porque, moralmente, a sociedade julga que o salário de mercado é baixo demais para alguns setores. Por ser necessariamente acima do salário de equilíbrio de mercado, há dois possíveis efeitos: desemprego ou informalidade", diz Renan Pieri, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP), da FGV.

No ano passado, ao comentar relatório do Banco Mundial sobre o mercado de trabalho, o diretor da instituição no Brasil, Martin Raiser, disse que o piso cresceu de forma desconectada com o aumento da produtividade do trabalho no país.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Genial Investimentos, diz que o valor da produtividade do trabalhador no período do boom econômico crescia porque o preço dos produtos vendidos pelo Brasil (sobretudo commodities) subia, levando ao ingresso de maior quantidade de capital no país. Quando os preços perderam força, o cenário mudou.

"O Brasil teve uma recessão que levou a uma queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 9%. Ao mesmo tempo, o salário mínimo continuou crescendo. Ou seja, o valor do produto gerado pelo trabalhador caiu uma enormidade e, ao mesmo tempo, o salário mínimo foi em direção oposta", diz.

"Um empresário só contrata se o custo do trabalhador for menor do que o valor daquilo que ele produz. Do contrário, ele vai ter prejuízo", completa.

Trabalhadores na informalidade já chegam a mais de 40% da população ativa no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse número é o maior desde 2016, quando começou a série histórica.

O maior impeditivo para que esse número caia atualmente, na opinião de Camargo, é a falta de qualificação da mão-de-obra brasileira. A baixa qualidade do capital humano, por sua vez, está ligada à baixa qualidade da educação.

O país ocupa atualmente as últimas posições no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), entre 70 países. A avaliação do Banco Mundial é que o Brasil já gasta muito na área, mas gasta mal.

Reajuste real

O salário mínimo teve sua importância reconhecida na redução da pobreza no Brasil durante os anos 2000, mas a avaliação é que a política de reajustes reais se esgotou diante da crise fiscal. Como os benefícios sociais são vinculados, cada 1 real a mais no valor do mínimo representa R$ 300 milhões em gastos para a União.

A regra de reajustes reais no salário mínimo, calculados pelo INPC – que mede a inflação para a população mais pobre -, mais a variação do PIB de dois anos antes, foi criada pelo governo Lula, virou lei em 2012 no governo Dilma e expirou este ano.

Neste período, não houve alta real do mínimo em apenas dois anos: 2017 e 2018, pois foram os anos cujo cálculo tomou como referência os anos de recessão: 2015 e 2016.

No início de outubro, o Congresso Nacional aprovou o texto-base da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 com reajuste apenas pela inflação, indo de R$ 998 para R$ 1.039 a partir de janeiro do ano que vem.

O governo nega que essa seja uma nova política definitiva de reajustes para o país e diz que ainda vai divulgar um plano. Na opinião de Pieri, quanto menos essa saída for via legislação, melhor, pois o ideal é que sejam feitos acordos por setor através de sindicatos.

A reforma trabalhista acabou com o imposto sindical ao mesmo tempo em que atacou o monopólio dos sindicatos em seus respectivos setores.

A expectativa de Pieri é que, com uma retomada do crescimento econômico, esses sindicatos passem a prestar melhores serviços e representem melhor os trabalhadores, segundo ele.

"Essa barganha direta entre sindicatos e empresas é melhor do que simplesmente uma medida generalista de salário mínimo", diz.

Outros países

No relatório Doing Business, o Banco Mundial também cita outros autores que chegaram a conclusões parecidas sobre salário mínimo e mercado de trabalho com referência a outros países.

Na Indonésia, por exemplo, o ganho de bem-estar resultante da elevação do valor mínimo do salário foi insignificante, segundo estudo do economista japonês Hiroyuki Yamada. A análise conclui ainda que a introdução de um salário mínimo resultou em uma redução nas horas de trabalho e emprego, embora tenha sido notado um aumento da renda entre as famílias de baixa e média renda.

Sobre o Chile, estudos dos economistas Alvarez e Fuentes (2018) mostram que um aumento do piso salarial sob rígida regulamentação do mercado de trabalho é parcialmente responsável por uma desaceleração na produtividade da manufatura no final dos anos 90.

Já na Suécia, Bjuggren (2018) conclui que o aumento da flexibilidade do mercado de trabalho está associado a uma maior produtividade do trabalho. 

Na Índia, Amirapu e Gechter (2019) avaliam que a regulamentação trabalhista restritiva está associada a um aumento de 35% nos custos unitários de mão-de-obra das empresas. 

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