Plataforma de petróleo: leilõa de Libra será o primeiro no novo modelo de partilha do petróleo instituído há cerca de três anos (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 16 de outubro de 2013 às 18h32.
Rio de Janeiro - O governo brasileiro encara o leilão da área de Libra, uma descoberta de petróleo anunciada como o maior campo marítimo já vendido, como o coroamento de um plano de energia projetado para acabar com a pobreza e ajudar o país a ascender ao mundo desenvolvido.
No entanto, apesar da empolgação, alguns alertam que o leilão --o primeiro no novo modelo de partilha do petróleo instituído há cerca de três anos e que amplia o controle do Estado sobre as áreas mais promissoras do país-- vai desencorajar investimentos e limitar os benefícios a longo prazo da produção de petróleo.
O leilão de Libra está marcado para a próxima segunda-feira, dia 21.
O gigantismo de Libra e o alto custo de extração de petróleo no pré-sal ameaçam sobrecarregar a Petrobras, estatal para a qual o governo deu a exclusividade para operar o campo.
Com a Petrobras já bastante endividada e precisando de dinheiro, Libra pode forçar a empresa a abandonar ou adiar a exploração de ativos promissores em outros lugares no Brasil, limitando as possibilidades de lucro nos próximos anos.
A tentativa do governo de maximizar a sua participação na produção de Libra também tem assustado algumas das maiores empresas de petróleo do mundo, todas participantes ativas em leilões anteriores, num momento em que as descobertas de recursos energéticos em outros lugares do mundo, além de outras dificuldades, diminuíram a euforia que no passado chegou a cercar o setor de petróleo do Brasil.
Somados todos esses fatores, e Libra não parece tanto ser uma mina de ouro.
"Estou convencido de que este será o primeiro e o último leilão de petróleo no novo modelo, com a estrutura que tem hoje", disse Christopher Garman, diretor de Mercados Emergentes do Eurasia Group, uma consultoria de risco político de Nova York.
"Se não, haverá consequências", disse Garman, em uma entrevista falando de seu escritório em Washington. "Há uma grande quantidade de óleo lá, mas esta provavelmente não é a melhor maneira para o governo vendê-lo." Com o Brasil registrando um crescimento econômico lento, uma inflação alta e com o novo óleo de xisto dos EUA levantando questões sobre a sustentabilidade dos elevados preços do petróleo a longo prazo, Libra está menos atraente do que dois ou três anos atrás, acrescentou ele.
A reserva que está à venda, no entanto, é potencialmente enorme. Libra possui de 8 bilhões a 12 bilhões de barris de petróleo recuperável, de acordo com as estimativas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e da empresa certificadora DeGolyer & MacNaughton (D&G), de Dallas, nos EUA.
Se as projeções forem mantidas, Libra poderá quase dobrar as reservas de petróleo do Brasil ou fornecer petróleo suficiente para atender à demanda do mundo por 19 semanas. No pico de produção, Libra pode bombear 2,5 milhões de barris por dia, mais do que a produção atual do Brasil ou quase tanto quanto grandes exportadores, como México e Venezuela.
Libra, a maior descoberta já feita no Brasil, é a mais recente de uma série de descobertas abaixo da camada de sal, no fundo do oceano, que começaram a partir de 2007 no litoral do Rio de Janeiro.
Tamanho é Tudo
A presidente Dilma Rousseff espera que Libra possa gerar ganhos de 368 bilhões de reais para o Fundo Social do campo de Libra ao longo de 35 anos, fazendo mais do que tornar o Brasil mais rico. Ao pagar para a melhoria de serviços como educação e saúde, diz ela, Libra também irá reduzir a grande distância entre ricos e pobres no Brasil.
Para os críticos, no entanto, o tamanho de Libra é o problema. Vai custar dezenas de bilhões de reais para desenvolver, sendo 15 bilhões de reais (em bônus para o governo) já no primeiro momento. Por lei, a Petrobras deve ser a operadora do campo e pagar pelo menos 30 por cento do custo total, não importa quem vença.
A Petrobras já enfrenta dificuldades para financiar seu plano de investimentos de 237 bilhões dólares em cinco anos, o maior programa de gastos corporativos do mundo. E reajustes nos preços dos combustíveis represados a pedido do governo, já fizeram a estatal perder 18 bilhões de dólares.
Para levantar dinheiro, a Petrobras está vendendo a maior parte de seus ativos no exterior e, com as dificuldades de liquidez, colocou em espera desde projetos em áreas inexploradas até refinarias.
Um desses ativos está no litoral do Nordeste, em Sergipe, onde a Petrobras e sua parceira indiana IBV Brasil encontraram mais de um bilhão de barris de petróleo, segundo informou a Reuters em setembro.
Mais perto da costa, mais fácil de desenvolver e com óleo de melhor qualidade do que Libra, a descoberta em Sergipe pode estimular o desenvolvimento de uma das regiões mais pobres do Brasil, disse Cleveland Jones, geólogo do Instituto Brasileiro de Petróleo, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
"A jogada mais atrativa no litoral do Brasil atualmente não é o pré-sal de Libra, e sim na costa de Sergipe", disse Jones.
"Por causa de Libra, Sergipe provavelmente terá que esperar, e isso não é bom para a Petrobras, para Sergipe ou para o Brasil." Enquanto isso, os campos mais antigos da Petrobras estão em declínio e novos campos estão atrasados, reduzindo receita e aumentando as dívidas.
A agência de classificação de risco Moody's rebaixou, no início de outubro, os ratings de dívida da Petrobras por preocupações com a alta alavancagem financeira e o fluxo de caixa negativo da empresa.
"A Petrobras não deveria precisar ser o operador exclusivo, com uma participação mínima", disse o senador Delcídio Amaral (PT-MS), da base do governo. "Libra deveria ir para o maior lance. Se os termos forem atraentes, deve haver muitos ofertantes."
Interesse Moderado
No entanto, esse é outro problema: a falta de interessados no leilão.
Apenas 11 empresas pagaram os 2,05 milhões de reais da taxa de inscrição para o leilão, um quarto dos "mais de 40" esperados pela diretora-geral da ANP, Magda Chambriard.
Gigantes como Exxon Mobil, BP, BG Group e Chevron preferiram ficar de fora.
Em vez disso, empresas estatais como a chinesa CNOOC dominaram a lista de inscritas. A espanhola Repsol e a portuguesa Galp entraram, mas por meio de subsidiárias no Brasil que já tiveram fatias vendidas para a chinesa Sinopec.
E enquanto gigantes como a francesa Total e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell pagaram para participar, há uma boa chance de que muitas das empresas que se inscreveram não vão fazer lances no leilão, disse Garman, do Eurasia Group.
"Ou elas duvidam do tamanho do jogo, ou acham que não conseguem fazer dinheiro", disse o geólogo especializado em petróleo Wagner Freire, consultor e ex-executivo sênior da Petrobras. "Os chineses podem fazer lances altos, mas seu interesse é mais estratégico do que comercial. Para a China, a única coisa pior do que petróleo caro é não ter petróleo." Enquanto isso, a confiança nas estimativas de petróleo no Brasil foi abalada pelo rápido colapso da OGX, do empresário Eike Batista.
O colapso começou após elevadas estimativas de reserva de petróleo e projeções de produção não se concretizarem. Algumas dessas projeções foram apoiadas por relatórios de recursos feitos pela D&G, a mesma agência de certificação que preparou as estimativas do governo sobre Libra. A estimativa da D&G para Libra é baseada na perfuração de um único poço.
As próprias regras do leilão também reduziram a confiança dos investidores, e surgiram num momento em que o governo tem dificuldade para leiloar outros ativos, como estradas e aeroportos.
Ao contrário dos leilões anteriores, Libra é um contrato no modelo de partilha de produção. O vencedor será o grupo que oferecer ao governo a maior fatia de "óleo lucro" para vender por conta própria. O óleo lucro é o petróleo produzido depois de pagos os investimentos iniciais realizados pelas empresas.
O lance mínimo é 41,65 por cento de participação. O governo brasileiro disse que espera ofertas de 75 por cento ou mais.
Uma nova empresa estatal de petróleo, chamada de Pré-Sal Petróleo, ou PPSA, foi criada para vender a parte do óleo que caberá ao governo, com poder de voto e de veto limitado dentro do consórcio vencedor, sobre como e quando a área de Libra será desenvolvida.