Philipp Schiemer, presidente da Mercedes: "O mais importante é que a situação fiscal do Brasil e dos estados seja resolvida" (Germano Luders/Exame)
André Jankavski
Publicado em 6 de novembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 6 de novembro de 2019 às 18h03.
São Paulo – O executivo alemão Philipp Schiemer, presidente da montadora Mercedes-Benz no Brasil, está de bom humor. Após uma crise que derrubou o mercado brasileiro de veículos quase que pela metade em três anos, a rotina nas plantas da Mercedes começa a relembrar um pouco dos velhos tempos. Em agosto, por exemplo, a fábrica localizada na cidade de São Bernardo do Campo está operando em dois turnos tanto na produção de caminhões quanto na de ônibus. Pode parecer um número usual, mas é uma novidade nos últimos três anos.
Para que esses números melhorem, no entanto, Schiemer defende que a agenda de reformas conduzidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, continue andando. Mais do que isso: que a política e a polarização parem de atrapalhar o avanço de pautas importantes, especialmente as reformas administrativa e tributária. Se não, a retomada será ainda mais demorada.
“O investidor estrangeiro perdeu a confiança no Brasil. Ele está querendo voltar, mas ainda está tímido. Nesse cenário, o atual ambiente político não ajuda em nada”, diz o executivo.
Para ele, que também é presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, o Estado brasileiro está quebrado e está claro que precisa ser menor. Além disso, reitera que a insegurança jurídica no Brasil permanece em um patamar que afugenta investidores.
“Quem vai investir pensando em dez anos se não tiver a certeza que o contrato será cumprido? Os contratos precisam valer alguma coisa por aqui”, diz ele. Confira, a seguir a sua entrevista.
O senhor acredita que as vendas de caminhões voltarão ao pico registrado nos anos pré-crise?
É uma ótima questão e também difícil de responder. O mercado de caminhões é um exemplo. Existem várias formas de estimar o tamanho do mercado de caminhões. Uma delas é comparar o número de habitantes com o de caminhões. Nesse caso, o Brasil deveria ter vendas de 200.000 caminhões por ano. A outra fórmula seria pegar a idade média da frota e estima o tempo que deveria ser. Hoje, temos uma frota de 2 milhões de unidades com uma idade de dez anos. Na Europa, esse número é de sete anos. Com isso, se chega, de novo, a um mercado de 200.000 caminhões. Então, por esses cálculos, se o Brasil tiver um ambiente de estabilidade econômico e com crescimento sustentável, acredito que seja um número factível.
Com um ambiente favorável, em quanto tempo chegaríamos a esse montante?
Essa é a grande pergunta. Nunca tivemos um ambiente favorável para chegarmos a esses números. Porém, eu acredito que uma quantidade de 130.000 caminhões deveria ser fácil de alcançar.
Nos últimos três anos, contando com 2019, vamos ter um crescimento médio de 1%. Está longe de ser o suficiente, mas esse número traz uma perspectiva um pouco mais positiva para o setor privado?
O Brasil está passando por uma fase muito difícil. É complicado consertar os erros que aconteceram até 2015. E leva tempo. Para arrumar tudo são necessárias reformas e elas são sempre doloridas. A reforma da Previdência, só após quatro anos de discussão, chegou ao fim. O governo da ex-presidente Dilma Rousseff já havia começado a discussão sobre isso.
Quais outras reformas o senhor coloca como prioritárias?
Para mim, o mais importante é que a situação fiscal do Brasil e dos estados seja resolvida. Temos uma máquina inflada e o Brasil não consegue gastar o mínimo em saúde, educação, infraestrutura e segurança. São funções básicas do Estado. Nesse sentido, uma reforma administrativa ajudaria a sinalizar que o Estado conseguirá investir nesses quatro pontos no futuro. A reforma tributária é outro assunto: se o Brasil quer abrir o mercado, como está fazendo com o acordo entre Mercosul e União Europeia, é preciso ser competitivo. Um dos entraves é o sistema - não só pelo tamanho, mas pela complexidade que existe. Não é uma coisa ou outra, são as duas.
A economia, mesmo que de maneira lenta, está caminhando. Os ruídos políticos, no entanto, continuam. Isso atrapalha?
O Brasil sempre foi visto como um mercado importante para a indústria automotiva e também para a indústria alemã. Mesmo assim, hoje, eles olham o Brasil com muito cuidado. Os anos anteriores, com os escândalos de corrupção, foram terríveis. O investidor estrangeiro perdeu a confiança no Brasil. Ele está querendo voltar, mas ainda está tímido. Nesse sentido, o ambiente político não ajuda. Melhor seria ter um ambiente mais benigno e amigável. Infelizmente, temos uma polarização muito forte por aqui. Porém, nós esperamos que no futuro isso se encontre mais ao meio. É bom ressaltar que é um problema global e não acontece só por aqui.
Então, o que precisa ser feito para essa confiança voltar de vez?
É importante dizer que o dinheiro é pragmático. Primeiro, é necessário haver uma estabilidade que seja econômica e jurídica - os contratos têm que valer alguma coisa. Mas uma coisa que está cada vez mais evidente é que é necessário um ambiente de mais sustentabilidade. Temos que olhar para as próximas gerações. Tudo isso precisa andar junto para os investimentos voltarem com força. O potencial aqui é grande, mas muita coisa precisa ser feita. Portanto, o investidor estrangeiro sempre vai olhar o país com interesse, mas ele vai avaliar muito bem esses fatores antes de colocar o dinheiro de volta no Brasil.
O cuidado ambiental entra nesse ambiente mais sustentável?
O cuidado com o meio ambiente, logicamente, faz parte. O saneamento básico é um exemplo. Falamos tanto da Amazônia, que é claro muito relevante, mas esquecemos do básico. Uma vez realizado algo como o marco do saneamento básico, atrairá muito investimento. Aí que muitas empresas no mundo olharão mais para o Brasil, pois enxergarão retorno de longo prazo. Quem vai investir pensando em dez anos se não tiver a certeza que o contrato será cumprido? A sustentabilidade é olhar o Brasil para os próximos 20 anos.
O Brasil está preparado, caso as reformas passem, para ser competitivo com o resto do mundo ou a indústria como um todo está atrasada?
É algo que não tem mais volta. O Brasil precisa se abrir e competir mundialmente, pois o mercado interno não é suficiente para manter essa indústria automotiva. É algo que também vale para os outros setores. Isso não acontecerá de hoje para amanhã. E, na minha opinião, muitas empresas já são competitivas. Por causa da crise, muita companhia se ajustou e se renovou. O problema acontece, principalmente, quando o produto sai da fábrica.
Porém, enxergamos alguns temores dos empresários serem mais arrojados. Não está na hora deles tomarem mais risco?
Não é animador observar o Brasil crescer apenas 1% ao ano. A partir do momento que começar a crescer 2% ou 3% ao ano, a situação muda completamente. Temos condições boas para isso. Os juros estão extremamente baixos e cairão ainda mais. As chances de o Brasil entrar em um ciclo positivo são bastante positivas. Agora, isso não vem sozinho. Depende do governo federal e dos estados. Quem hoje está com o maior problema são os estados. Observe a situação de estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Estão quebrados, mas estão se mexendo. Há estados que não querem mais esperar as reformas do governo federal, mas querem fazer a lição de casa.
Não temos mais a linha do BNDES e nem o IPI reduzido. O empresariado brasileiro está aprendendo a andar com as próprias pernas?
O Brasil sempre foi uma economia fechada e a influência do Estado sempre foi muito forte. Por isso, sem dúvida, a indústria dependia muito do Estado. Agora, como o governo está quebrado, não adianta voltar com esses planos. As empresas precisam se mexer sozinhas. Nós, por exemplo, queremos a mínima influência do Estado. Nós queremos fazer negócios. Estamos no caminho para isso, mas ainda falta um trecho a percorrer. Pela experiência que fizemos no passado, preferimos andar sozinhos.
A Mercedes já começa a olhar o mercado de aluguel e também o de carros compartilhados com mais atenção?
Estamos atuando em todos os mercados. Porém, vamos com cautela. Voltando ao mercado de caminhões, o transportador ainda atua em um modelo de negócio em que 'o veículo usado é uma peça fundamental. Muitas pessoas ainda querem ter a posse do produto. Na Mercedes, por exemplo, nós estamos oferecendo o aluguel de caminhões, em que nós somos os donos, mas a aceitação é relativamente baixa. Mesmo assim, estamos nos preparando para que, se um dia esse movimento se alterar, conseguiremos atender. De novo, tudo isso acontecerá com a estabilidade. Se tivermos um ambiente estável, a pessoa entrará no aluguel de maneira mais natural. Isso porque a compra ainda traz uma estabilidade: a pessoa sabe que, se algo acontecer, ela ainda terá a posse do bem.