Crianças brincam com estilingues em lago nos subúrbios de Teresina, no Piauí (Dado Galdieri/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 12 de julho de 2016 às 13h26.
São Paulo - A renda per capita do brasileiro deve acumular uma queda de 9,4% no período entre 2014 e 2016, de acordo com cálculo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV).
É o segundo pior resultado desde o início do século passado. A última queda sustentada da renda havia sido em 1998 e 1999, de 3% acumulados.
"Assusta a magnitude dessa queda. Precisamos crescer ‘devagar e sempre', continuamente, e nossa dificuldade é que damos passos pra frente e pra trás. Ainda somos um país jovem e para ter um PIB per capita comparável ao de países ricos precisaria continuar no ritmo, mas essa década tem se mostrado um retrocesso", diz Silvia Matos, economista responsável pelo estudo.
A queda atual só perde para o período entre 1981 e 1983, quando o PIB per capita caiu 12,4%. Também houveram quedas fortes entre 1987 e 1992 e nos anos 30:
Veja na tabela (os números pré-1947 são das estimativas mais usadas):
Período | Queda acumulada do PIB per capita |
---|---|
1907-1908 | -7,5% |
1914-1916 | -7,6% |
1929-1931 | -7,9% |
1981-1983 | -12,4% |
1987-1992 | -7,7% |
1998-1999 | -3% |
2014-2016 | -9,4% |
A vantagem é que hoje o país conta com proteção social muito maior do que naquelas épocas, o que ameniza o impacto sobre os mais pobres:
"Não havia os beneficios sociais e programas de transferência de renda que vieram com a Constituição de 1988. Hoje nós temos uma rede muito mais ampla do que no passado", diz Silvia.
Mercado de trabalho e desigualdade
Essa rede é importante, mas não suficiente, já que o mercado de trabalho foi o maior responsável pelos ganhos fortes experimentados pelo brasileiro no boom anterior.
Uma análise do período entre 2001 e 2012 pelo Banco Mundial mostra que o crescimento econômico foi responsável por dois terços da queda da pobreza, e que a renda do trabalho, especialmente nos estratos mais baixos, foi a principal força.
Essa dinâmica acabou. De acordo com um relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil terá o pior resultado de emprego em 2016 entre 43 países.
A previsão é que nossa taxa de desemprego, que estava em 8,5% no final de 2015, salte para 11,3% no final de 2016.
Isso vem piorando a a distribuição de renda, segundo estudo de Rodolfo Hoffmann, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Com base na Pnad Contínua do IBGE, ele viu que a proporção de pessoas com renda de até R$ 600,00 aumentou de 22,5% para 26,3% e o índice de Gini, que mede a desigualdade, subiu 3,5% interrompendo a tendência de queda desde 1995.
Um outro estudo também com base na PNAD, feito pelo Bradesco, verificou que a crise empurrou 3,7 milhões de brasileiros de volta para fora da classe C só entre janeiro e novembro de 2015.
Não está descartado que a classe C volte a representar menos de metade da população brasileira, o que aconteceu em 2010.
Perspectivas
Silvia diz que como a população cresce cerca de 0,8% por ano, o PIB precisaria crescer pelo menos nessa taxa em 2017 apenas para interromper a queda na renda per capita. O último Boletim Focus prevê 1% para o ano que vem.
"Não quisemos fazer os ajustes necessários dos excessos depois da crise financeira, e quando se adia fica muito mais custoso. Foi muito crédito a custo elevado que virou endividamento e agora estamos pagando a conta", diz ela.
Mesmo que a recessão seja interrompida, poucos esperam uma recuperação vigorosa como aconteceu depois de várias quedas no passado. Dessa vez, houve muita destruição de capital e tanto famílias quanto governos estão muito alavancados.
"Havia no passado formas de acomodar esse aumento de gastos, mas todos os atalhos foram utilizados. Agora, a sociedade não quer nem mais impostos nem mais inflação, então tem que cortar despesas, o que é mais difícil, porque muitas são constitucionais", diz Silvia.
Sem aprovação do teto de gastos proposto pelo governo, o rombo fiscal pode dobrar em 4 anos, segundo estimativa do Senado. Mas como os 40% mais pobres tem apenas 10% do PIB, dá para mexer em muitas despesas sem prejudicá-los.
"Queremos um estado de bem estar social mas temos que focar em quem precisa. Hoje, temos pessoas de renda média e alta recebendo benefícios sociais", diz Silvia.