Como a maior parte dos custos está na folha de pagamento – e salários não geram créditos –, a alíquota cheia do IVA recairá sobre quase todo o faturamento, o que é contestado pelo setor de serviços (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Repórter
Publicado em 23 de março de 2025 às 08h01.
A reforma tributária tem causado preocupações no setor de serviços. Entidades representativas avaliam que a nova estrutura de impostos pode resultar em uma carga tributária maior, especialmente para negócios intensivos em mão de obra, e impactar na sobrevivência das empresas.
O principal problema apontado é o modelo de cobrança do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Diferentemente da indústria, que pode descontar créditos tributários ao longo da cadeia produtiva, empresas de serviços têm poucos insumos dedutíveis. Como a maioria dos custos está na folha de pagamento – e salários não geram créditos –, a alíquota cheia do IVA recairá sobre quase todo o faturamento.
"Em um escritório de advocacia ou uma consultoria, por exemplo, quase todo o faturamento é o valor adicionado. A alíquota de 28% recairá sobre praticamente toda a receita da empresa. É diferente de uma empresa industrial, que o valor adicional vem ao longo de uma cadeia, em que se começa comprando lá atrás o minério que vira metal, metal que vira peça, peça para montar o carro, que chegará no consumidor", afirma Fernando de Freitas, assessor econômico da Confederação Nacional de Serviços (CNS).
"A montadora vai pagar o valor que ela adicionou na montagem. O restante ela descontará tudo e só pagará o imposto sobre o valor que adiciona na montagem, porque conseguirá descontar tudo que comprou antes".
A mudança faz parte de um novo sistema que reformula os impostos que incidem hoje sobre o consumo e a venda de mercadorias e serviços, – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS –, para unificá-los em dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que, por sua vez, vão compor o IVA com uma alíquota unificada.
Hoje, de acordo com dados do CNS, a maioria das empresas do setor de serviços, estipulada em 5 milhões, está no regime do Simples Nacional, que passará a ter dois regimes no novo sistema de impostos.
Um deles é o Simples da forma como é hoje, que foi mantido com a mesma carga tributária atual.
Já a nova modalidade criada é uma espécie de Simples Nacional Híbrido, em que o contribuinte poderá pagar por fora do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) o IBS e o CBS para que o tomador de serviço possa creditar-se do valor destacado na nota fiscal.
A apropriação de créditos, porém, não é prevista para as empresas que estão no Simples Nacional comum, que devem ficar atentas à mudança para não perder competitividade, segundo o advogado especialista em direito tributário Lucas Barducco, sócio do escritório Machado Nunes Advogados.
A mudança será ainda maior, afirma o especialista, no caso das empresas do Lucro Real ou Presumido. Nesse último regime, os prestadores de serviços recolhem os impostos federais de PIS e a Cofins pela sistemática cumulativa, ou seja, sem crédito tributário. Mas, com o novo sistema de impostos, esses prestadores do Presumido vão passar a pagar IBS e CBS pela sistemática não cumulativa, como regra, e terão que apurar os créditos.
Mesmo no Lucro Real existem setores de serviços que pagam pela sistemática cumulativa – sem o crédito – como hospitais, laboratórios de medicina diagnóstica, telecom, concessão de rodovias, que terão que se adaptar à apuração de créditos.
O tributarista observa que a reforma transfere carga entre setores, aumentando os impostos pagos por alguns segmentos e reduzindo para outros. Com isso, no setor de serviços, "a tendência é que pague mais do que paga hoje", diz ele. "Existe esse desequilíbrio, porque o setor de serviços realmente não tem insumos. O insumo do setor de serviços é a folha de pagamento, que não dá direito a crédito".
A Pesquisa Mensal de Atividades em Serviços, publicada no dia 17 de março pela CNS com base em dados do IBGE, aponta que o setor de serviços reuniu 76,4% do pessoal ocupado e 70% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O setor calcula que, em média, a carga tributária paga hoje é de 16% a 17%. Enquanto a nova alíquota do IVA é estimada em cerca de 26,5% a 28,5%.
Diante do novo cenário, empresas do setor de serviços já consideram formas de reduzir o impacto da reforma. O efeito mais esperado, segundo Luigi Nese, presidente da CNS, é o repasse do aumento da carga tributária sobre os preços cobrados dos consumidores.
"O impacto para nós será terrível porque estamos no fim da linha praticamente na economia. No fim, a gente não pode compensar nada daquilo que tem ao longo da produtividade que os outros setores têm, como o comércio, a indústria e o agronegócio", compara.
Barducco pondera que a indústria, por exemplo, paga uma carga tributária alta e enfrenta grande complexidade no sistema atual e por isso a reforma é vista o setor como um avanço ao reduzir burocracia e insegurança. No entanto, o setor de serviços tende a ser mais impactado.
"Cada setor está olhando o seu lado. Eu acredito que, pelo lado dos serviços, faltam algumas adequações para que esse aumento não seja brutal e repassado para o consumidor", afirma.
Mesmo os casos em que a reforma garantiu para os serviços de educação, saúde e transporte coletivo uma redução de 60% da alíquota, – e de 30% para prestadores de serviços de profissionais autônomos de 18 categorias, incluindo médicos, advogados e economistas –, podem enfrentar aumento de carga se a alíquota for 28,55%, observa o advogado.
"A conta que foi feita para que essa redução em 60% resultasse em neutralidade para o setor tinha com base uma alíquota padrão combinada de 25% de IBS e CBS. Esse número foi subindo conforme foram criando exceções", diz Barducco.
Hélzio Mascarenhas, presidente do Observatório Político do Setor de Serviços e secretário-executivo da Frente Parlamentar Mista do Setor de Serviços, considera difícil prever um aumento dos preços pela diversidade de setores que compõem os serviços. "Só saberemos quando isso começar a acontecer", diz.
O representante dá como certo, contudo, que as empresas terão um custo com a "convivência não harmônica" entre o novo e o velho regime entre 2026 e 2032.
Para atenuar o impacto na carga tributária, a Confederação Nacional de Serviços defende a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 63/2023, em análise na Câmara dos Deputados, que trata da desoneração da folha de pagamento. A medida, no entanto, divide opiniões no setor.
Mascarenhas, por exemplo, avalia como mais efetiva a instituição do crédito presumido de CBS ao setor de serviços para redução da base de cálculo do imposto.
A medida consta em Projeto de Lei Complementar (PLP) 63/2025 apresentado nesta semana pelo senador Laércio Oliveira (PP-SE). "Queremos nos posicionar dentro do rol de atividades do ambiente de negócios", afirma Mascarenhas.