Repórter
Publicado em 24 de abril de 2025 às 10h51.
Última atualização em 24 de abril de 2025 às 11h26.
Aprovada após mais de três décadas de debate, a reforma tributária é a mais ampla reestruturação do sistema de impostos sobre o consumo desde a Constituição de 1988. A promessa é simplificar, desburocratizar e tornar mais justo o modelo de arrecadação de tributos no país. Mas o caminho entre a aprovação e a aplicação prática da reforma é longo, provoca incertezas entre empresas e consumidores — e continua em construção.
Embora a Emenda Constitucional 132 já esteja em vigor e o primeiro projeto de regulamentação foi sancionado no início de 2025, o novo sistema de impostos sobre o consumo ainda depende de uma série de normas para ser plenamente implementado.
A seguir, entenda por onde já passamos, onde estamos e quais são os próximos passos da reforma que deve mudar como empresas e consumidores lidam com tributos no Brasil até 2033.
A base legal da reforma foi consolidada com a promulgação da EC 132, em 20 de dezembro de 2023, em cerimônia no Congresso Nacional com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida encerrou oficialmente o debate legislativo iniciado em 2019 com a PEC 45, mas que remonta a propostas anteriores que já circulavam desde os anos 1990.
A proposta originalmente discutida previa um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único, como projetado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), entidade que idealizou a reforma. Mas a resistência de estados e municípios levou à adoção de um modelo dual.
"O IVA dual foi pensado como uma solução viável dentro do nosso pacto federativo. Ele garante autonomia para os entes subnacionais e ainda assim promove a simplificação", afirmou à EXAME Melina Rocha, consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e uma das idealizadoras da alternativa, formulada inicialmente no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2017.
O novo modelo prevê a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de caráter federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de caráter estadual e municipal. Ambos formarão o IVA dual brasileiro, com regras compartilhadas.
O principal objetivo da reforma tributária é simplificar o sistema de arrecadação no Brasil, considerado um dos mais complexos do mundo.
Segundo dados do Banco Mundial, uma empresa no Brasil gasta entre 1.483 e 1.501 horas por ano para preparar, declarar e pagar impostos, mais do que em qualquer outro país do mundo. A quantidade de horas equivalentes a quase dois meses de trabalho exclusivamente voltados ao pagamento de impostos.
A expectativa com a reforma é reduzir drasticamente esse tempo, aproximar o país das economias mais eficientes do ponto de vista tributário e aumentar a competitividade do setor produtivo.
Na aprovação do principal projeto de regulamentação da pauta – o Projeto de Lei Complementar (PLP 68/2024), em dezembro do ano passado, o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) projetou um crescimento econômico de 10% a 15% "nos próximos anos" com a reforma.
Mas além da mudança de formato sobre o IVA, o caminho para a aprovação do novo sistema de impostos sobre o consumo incluiu uma série de exceções, regimes diferenciados e alíquotas reduzidas.
Essas exceções pressionam a alíquota final. Um estudo do Ipea, assinado por João Maria de Oliveira, estimou em 28,4% a alíquota padrão.
Hoje, a estimativa mais recente do Ministério da Fazenda aponta para uma alíquota de IVA em 28,55%. O valor final, contudo, ainda não foi cravado e depende do processo, de acordo com o secretário-extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.
"Ao longo da transição teremos uma boa ideia da alíquota, temos agora estimativas, mas ela será a que vai manter a carga tributária", disse Appy no Macro em Pauta, da EXAME.
Em janeiro de 2025, a sanção do PLP 68 na Lei Complementar 214 deu início à fase de regulamentação. O texto institui oficialmente a CBS, o IBS e o novo Imposto Seletivo (IS), e estabelece regras iniciais para o funcionamento do sistema.
"Foi o projeto que definiu as regras tributárias para as empresas, então é o mais importante sob a ótica do setor privado", afirmou o chefe da reforma.
Ainda há, contudo, muito por fazer. No Senado, segue em tramitação o PLP 108, que trata da governança do Comitê Gestor do IBS. O relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), projeta a votação para a primeira quinzena de junho e uma segunda análise da Câmara dos Deputados ainda nesse primeiro semestre.
Também faltam ser enviados projetos sobre a Lei Orgânica do Imposto Seletivo, critérios de partilha de receitas, regras de contencioso e a regulamentação do split payment — mecanismo que pretende reduzir sonegação ao separar automaticamente, no momento do pagamento, o valor devido de tributos.
Em 2026, começa oficialmente a transição. Mas, na prática, o ano será um teste: as empresas deverão cumprir obrigações acessórias para simular o funcionamento do novo sistema, sem cobrança real de impostos. Neste período o IBS terá uma alíquota de 0,1% e a CBS de 0,9%, sendo que o valor recolhido de ambos os tributos poderá ser utilizado para compensar o pagamento do PIS/Cofins e de outros tributos federais.
A cobrança efetiva se inicia em 2027, com a cobrança cheia de CBS e a extinção do PIS e Cofins. O período de transição vai até 2032, quando os tributos atuais deixarão de existir e o novo sistema entrará plenamente em vigor no ano seguinte. A adoção gradual do modelo de split payment deve começar nas transações entre empresas, conhecidas como B2B.
"No sistema desse tamanho, nessa pujança, implementar tudo de uma vez seria um desafio. Às vezes, o tiro sairia pela culatra. A gente precisa ter algum tempo de aprendizagem", afirmou Cristiane Coelho, diretora jurídica da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) que participa do grupo de trabalho para implementação do split payment.
A proposta é que, nas operações B2B, o adquirente que tiver direito a crédito tributário já solicite o pagamento com o split para garantir esse crédito. Ainda não há um prazo para que o sistema esteja em funcionamento, nem a emenda constitucional 132, nem o PLP 68 fixaram uma data.
Mas a ideia é que o split payment fique "pronto o mais rápido possível", segundo a diretora jurídica da CNF que, apesar de não abrir o ano, afirmou que os prazos já começaram a ser definidos.
Como mostrou a EXAME, o Serviço federal de Processamento de Dados (Serpro), promete entregar o software para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para testes internos neste mês de abril. Em junho, um ambiente de produção restrita será liberado para 500 empresas testarem a integração e ERPs (sistema de software de gestão empresarial).
A expectativa é que a nova estrutura entre em operação em 1º de janeiro de 2026 e seja aprimorada a partir de feedbacks das empresas para utilização completa em 2027. Um portal específico da reforma será lançado para facilitar a comunicação com o mercado.
Em paralelo, com a lei complementar sancionada, as novas regras para empresas do Simples Nacional passam a valer já neste ano, com restrições para atuação no exterior, redefinição de receita bruta e limites para atuação em setores como locação de imóveis próprios.