Economia

Reforma tributária muda regras sobre créditos e traz novos desafios para pequenos empresários

Para especialistas, reforma tributária pode reduzir competitividade de MEIs e empresas do Simples Nacional. Apesar disso, pequenas empresas mostram desconhecimento sobre mudanças

Empresas do Simples Nacional e MEIs sofrerão uma mudança na forma como seus clientes podem aproveitar créditos ao contratá-las (Mario Tama/Getty Images)

Empresas do Simples Nacional e MEIs sofrerão uma mudança na forma como seus clientes podem aproveitar créditos ao contratá-las (Mario Tama/Getty Images)

Publicado em 19 de fevereiro de 2025 às 06h15.

Última atualização em 19 de fevereiro de 2025 às 11h40.

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A reforma tributária promete simplificar a cobrança de impostos no Brasil, mas traz novos desafios para microempreendedores individuais (MEIs) e empresas enquadradas no Simples Nacional. A nova sistemática de créditos tributários do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) pode reduzir a competitividade desses modelos ao limitar a possibilidade de aproveitamento de créditos por empresas que compram desses fornecedores, avaliam especialistas à EXAME.

O processo de simplificação decorre da unificação do PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual.

Para substituir esses cinco tributos foi criado o IBS – análogo ao ICMS e ISS de competências estadual e municipal – e a CBS, que ficará no lugar do IPI, PIS e Cofins, contribuições destinadas à União.

Especificamente em relação aos créditos fiscais, a previsão da reforma tributária é a não cumulatividade ampla. Segundo a nova lei sancionada em janeiro pelo governo federal, todos os itens que sejam adquiridos por um contribuinte, e que tiverem o recolhimento do IBS e da CBS, vão poder gerar crédito na cadeia subsequente, exceto aqueles de uso e consumo pessoal.

Isso significa que todo gasto vai gerar crédito de IBS ou CBS com restrição apenas ao consumidor final pessoa física. Esses créditos, por sua vez, serão homologados e ressarcidos pelo Fisco ou usados em compensação tributária, que será gerida pelo Conselho Federativo.

O processo elimina principalmente a necessidade de interpretações restritivas sobre o que é insumo, que garantia a condição de crédito no caso do PIS e Cofins e, por anos, provocou contenciosos jurídicos. Assim como altera a estruturação dos créditos desses dois tributos.

Atualmente, apenas empresas nos regimes de Lucro Real e Lucro Presumido podem se beneficiar do aproveitamento do PIS e da Cofins, o que não se aplica ao Simples Nacional, que calcula seus tributos com base na receita bruta.

No caso das empresas enquadradas como Lucro Real, cujas receitas superam os R$ 78 milhões por ano, elas são vinculadas ao regime não cumulativo dos tributos federais. Enquanto que sobre as empresas do Lucro Presumido é aplicado o regime cumulativo do PIS e Cofins.

A reforma, contudo, acaba com essa diferenciação entre cumulativo ou não e, independentemente de qual seja o regime, todas as empresas poderão apurar créditos do IBS e do CBS.

Pequenas e médias empresas têm direito ao crédito?

As empresas do Simples Nacional e MEIs, no entanto, sofrerão uma mudança na forma como seus clientes podem aproveitar créditos ao contratá-las.

"Hoje, quando uma empresa contrata um prestador de serviço MEI ou enquadrado em uma EPP [Empresa de Pequeno Porte] que está sujeita ao Simples Nacional, ela pode tomar crédito integral. Com a reforma, essa possibilidade passa a ser limitada ao valor do tributo efetivamente recolhido pela prestadora", afirma Mateus Campos, coordenador da área tributária do escritório de advocacia Barreto Veiga Advogados (BVA).

Esse tipo de contratação garante um crédito tributário de aproximadamente 9,25%. Mas no novo sistema, como detalha o especialista, o tomador poderá recuperar um percentual menor, o que pode impactar a competitividade das empresas do Simples.

"Pelo Simples Nacional, as alíquotas são inferiores em relação à renda. Vamos supor que um serviço prestado por uma empresa sujeita ao Simples Nacional tenha um valor de R$ 1 mil, um exemplo, e o correspondente ao PIS e Cofins seria algo na casa de 6%. Então isso geraria para a contratante, para a tomadora desse serviço agora, um crédito de R$ 60. E não mais o crédito da aplicação dos 9,25%", diz o especialista.

"Traduzindo em miúdos, a pejotização vai continuar gerando créditos, mas em um percentual menor", acrescenta. Desde 2019, o número de MEIs registrou alta de 86%, somando 15,8 milhões de inscritos na categoria, segundo dados da Receita Federal de julho do ano passado.

Na análise de Luís Wulff, CEO da consultoria tributária Tax Group, essa nova dinâmica pode afetar diretamente os preços praticados por essas empresas, uma vez que as companhias contratantes podem exigir descontos para compensar a perda de crédito.

"Tenho comentado muito que o Simples Nacional seguirá muito bom para quem vende para CPF. Mas vai se tornar um desespero para o empreendedor que vende para CNPJ. Porque a empresa que está na outra ponta comprando, que é do Lucro Presumido ou do Lucro Real, vai pedir ou que o Simples Nacional recolha o crédito por fora para receber o seu crédito ou vai pedir desconto no produto", afirma.

O artigo 41 da Lei Complementar da reforma prevê um modelo "híbrido" para o Simples Nacional, em que as empresas podem optar por recolher os impostos CBS e IBS separadamente, fora do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS). A medida permite que os contratantes usem créditos de impostos, mas aumenta a carga tributária.

A decisão de migrar para esse modelo, de acordo com o Wulff, dependerá do entendimento da margem de lucro da empresa do ponto de vista de imposto de renda, para checar se não é mais viável sair do Simples. "Se ela adotar o regime geral, para que serve estar no Simples?", questiona.

A implementação da nova sistemática de créditos também está ligada à criação de um sistema centralizado de emissão de notas fiscais, permitindo um modelo mais eficiente de compensação de créditos.

"O sistema atual é extremamente burocrático, exigindo uma série de declarações e obrigações acessórias. A ideia da reforma é simplificar esse processo e otimizar a administração tributária", afirma o coordenador da área tributária do BVA.

Para os especialistas, as empresas devem verificar os tributos que serão extintos e revisá-los ao longo de suas operações nos últimos cinco anos. "Verificar se entre 2020 e 2025 elas não perderam nada que poderiam ter creditado em relação aos termos da legislação", afirma Luis Wulff.

"Nossa orientação técnica para o contribuinte, os empreendedores e os empresários é a de coloquem no planejamento estratégico do ano de 2025 [as mudanças da reforma tributária] e já executem o planejamento de produto, de serviço e do fluxo de caixa do antes e depois. Essa é a dica de ouro que as multinacionais já estão fazendo, mas que as pequenas e médias empresas não".

Apesar da urgência, esses negócios têm se mostrado alheios às mudanças. O tributarista aponta que, entre as 7,5 mil empresas atendidas pela Tax Group, 97% ainda não tomaram nenhuma medida em relação à reforma tributária.

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