Do lado do setor de tecnologia, a reforma também impõe desafios financeiros, especialmente para os prestadores de serviços de TI que atuam como pessoa jurídica (Matija Keber/Getty Images)
Repórter
Publicado em 4 de maio de 2025 às 08h00.
As empresas e prestadores de serviços de tecnologia vivem um momento de reestruturação intensa a sete meses de 2026, quando começa oficialmente a transição para o novo modelo tributário do país. A reforma tributária, cujo principal projeto de regulamentação foi sancionado em janeiro deste ano, vai exigir não apenas ajustes nos regimes fiscais, mas também mudanças nos sistemas internos, especialmente na cadeia de pagamentos e automações fiscais.
A unificação de cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em dois novos impostos, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) implica a convivência temporária de dois sistemas paralelos até 2032.
Isso significa que as empresas precisarão atualizar seus sistemas de ERPs (sistema de software de gestão empresarial) e plataformas de pagamento de acordo com as novas exigências fiscais.
Especialistas no tema alertam que os sistemas deverão estar aptos a lidar com diferentes regras, alíquotas e formas de apuração. A avaliação é de que a duplicidade operacional aumenta a necessidade de integração, controle e precisão, tornando ainda mais crítica a atualização dos sistemas e a capacitação das equipes responsáveis pela área fiscal, financeira e tecnológica.
"A falta de atualização dos sistemas pode resultar em riscos significativos, incluindo exposição fiscal, penalidades financeiras e comprometimento da reputação da empresa junto aos fornecedores. Além disso, ERP que não oferece uma solução de pagamento com as novas regras tributárias, impacta negativamente a produtividade, uma vez que processos manuais e suscetíveis a erros tornam-se mais frequentes", afirma Izaias Miguel, Co-CEO da V360, startup de tecnologia.
Com a proximidade das mudanças, a recomendação tanto de companhias da área, quanto do próprio Serviço federal de Processamento de Dados (Serpro), é que as empresas iniciem o quanto antes a revisão de seus processos internos e o treinamento das equipes.
O primeiro passo deve ser mapear as premissas dos sistemas de origem, como os ERPs, e garantir que estejam aptos a receber as atualizações legais, explica o CEO da V360.
"Esse movimento exige planejamento e alinhamento técnico entre áreas fiscais, financeiras e de tecnologia, para que, quando as novas versões dos sistemas forem liberadas, a empresa já tenha cumprido todos os pré-requisitos necessários para atualizar seus ambientes com segurança. Além disso, é fundamental que os times estejam preparados para lidar com os novos cenários, revisando seus fluxos e rotinas com base nas exigências da reforma", diz Miguel.
No início de abril, como mostrou a EXAME, o Serpro divulgou que o software da CBS já está pronto. "Isso significa que o mercado precisa já olhar os documentos técnicos, ver que já há layout fiscal novo definido, e começar a preparar seus sistemas", afirmou na ocasião Robson Dias Lima, gestor nacional da reforma tributária no órgão.
A fase de testes do novo sistema de arrecadação começará em junho, com um grupo de 500 empresas que terão acesso antecipado à plataforma.
Elas poderão simular a operação dos novos impostos, validar os ERPs e submeter documentos fiscais em ambiente restrito. O objetivo é que o feedback dessas companhias ajude a refinar a ferramenta até sua entrada definitiva em operação, em 2026.
A adaptação, no entanto, não se restringe apenas à lógica de cálculo dos tributos. A Receita Federal publicou no mês passado uma nova nota técnica que altera os leiautes da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) e da NFC-e, já prevendo os campos para CBS, IBS e o Imposto Seletivo (IS).
A versão atualizada entra em produção em outubro de 2025, e as validações passam a ser obrigatórias a partir de janeiro de 2026. Com isso, a modernização dos sistemas passa a ser também uma questão de conformidade com os novos padrões de documentos fiscais.
Outro ponto de atenção é a criação de um novo CNPJ alfanumérico, previsto para entrar em operação no final do primeiro semestre do próximo ano. Embora os números atuais continuem válidos, os sistemas precisarão ser adaptados para reconhecer e processar esse novo formato, impactando rotinas de cadastro e emissão de documentos.
Do lado do setor de tecnologia, a reforma também impõe desafios financeiros, especialmente para os prestadores de serviços de TI que atuam como pessoa jurídica.
Com a alíquota padrão estimada no teto 26,5% no novo modelo de IVA, – mas que pode chegar a 28,55%, segundo estimativas mais recentes do Ministério da Fazenda –, a carga tributária para esse grupo pode mais que dobrar em relação aos percentuais pagos hoje no Simples Nacional ou no Lucro Presumido.
"A decisão sobre o regime tributário mais vantajoso vai depender de quem é o cliente e se ele poderá se creditar do imposto pago", diz Charles Gularte, contador e Chief Services Officer (CSO) da Contabilizei – escritório de contabilidade com mais de 70 mil clientes.
O especialista observa que mesmo com a migração para regimes que permitem o uso de créditos, como o Lucro Presumido e o Simples Nacional Híbrido, podem ser desvantajosos para o prestador se não houver renegociação contratual.
Em alguns casos, a alíquota final pode chegar a 32% com a inclusão de IRPJ e CSLL. Enquanto que hoje, de acordo com simulação da Contabilizei, a carga é de 16,65% no Lucro Presumido.
"Sem um entendimento claro do impacto tributário na formação do preço, muitos profissionais podem acabar com margem reduzida ou até prejuízo", afirma Gularte.
A recomendação é que os profissionais PJ revisem desde já seus contratos e margens. Uma vez que a reforma pode alterar de forma significativa o equilíbrio financeiro de contratos vigentes e o momento ideal para renegociação pode ser perdido se a análise não for feita com antecedência.
Apesar dos impactos, a exportação de serviços de TI segue isenta. Nesse ponto, nada muda: empresas que vendem para o exterior continuarão com os mesmos procedimentos de emissão de notas e invoices.