reforma tributária: os governos locais disputam projetos de investimento oferecendo reduções de tributos (Marcos Oliveira/Agência Senado/Flickr)
Agência de notícias
Publicado em 30 de junho de 2023 às 11h52.
Um dos entraves históricos à Reforma Tributária, ao longo de diversos governo e legislaturas no Congresso Nacional, sempre foi a resistência de governos estaduais e prefeituras, que temem perder arrecadação com as mudanças.
Os temores incluem a mudança do local de cobrança, a centralização da arrecadação, por causa da fusão de impostos, e a impossibilidade de oferecer benefícios fiscais para atrair atividades econômicas, que dá origem à chamada “guerra fiscal” – quando os governos locais disputam projetos de investimento oferecendo reduções de tributos.
Como é hoje: O ICMS cobrado nas operações dentro de um mesmo estado fica com a Receita estadual. Nas operações interestaduais, a arrecadação é dividida entre o estado produtor/exportador e o estado consumidor/importador, em diferentes regras de repartição.
Como vai ficar: A reforma propõe fazer toda a cobrança no destino, ou seja, sobre a venda ao consumidor. Nas operações interestaduais, a arrecadação fica com o local “consumidor”, mas o IVA pago nas matérias-primas utilizadas pode ser abatido, ou seja, parte do tributo sobre a cadeia de fornecedores fica com o local “produtor”.
Quem perde: Segundo economistas, em tese, saem perdendo os governos estaduais e as prefeituras de locais com pouca atividade econômica e pouco populosos, ou seja, com mercados consumidores pequenos. Grandes cidades que concentram sedes de bancos e empresas prestadoras de serviços de tecnologia da informação e da comunicação poderão perder parte dessa arrecadação, que será distribuída por vários governos.
Quem ganha: Locais que produzem muito e consomem muito, como São Paulo e Rio, não têm uma perspectiva clara de perda ou ganho. Locais pouco populosos, mas com turismo forte, como no litoral do Nordeste, continuarão arrecadando com o consumo dos turistas.
Como é hoje: Para atrair a instalação de fábricas, centros de distribuição e sedes de empresas, os governos locais oferecem às firmas reduções nos tributos. O gasto faz diferença para as empresas, que podem decidir colocar suas instalações em lugares em vantagens geográficas ou econômicas, apenas para economizar no pagamento de impostos.
Como vai ficar: A reforma prevê o fim desses benefícios fiscais. A unificação dos tributos no IVA subnacional impedirá que cada estado defina uma alíquota diferente, reduzindo a taxa quando e para quem quiser. A mudança da cobrança para o destino também impede os benefícios porque a atração de projetos se dá quando o governo do local “produtor” oferece redução da parcela do tributo que é cobrada na origem.
Como é hoje: Com os benefícios, locais com pequenos mercados consumidores atraíram empresas apenas por causa de redução de tributos, tornando-se “exportadores” para os demais locais do país. São perdedores em potencial.
Como vai ficar: Esses governos terão que atrair investimentos por causa de vantagens comparativas, como a proximidade de mercados consumidores ou de fornecedores, boa infraestrutura logística e mão de obra qualificada. Investimentos nesses itens terão que ser feitos com recursos orçamentários e não redução de tributos.
Pela proposta apresentada semana passada, a reforma prevê dois fundos. Os estados querem uma conta de R$ 100 bilhões por ano, até 2032, sendo a maior parte ou a totalidade desse dinheiro bancada com recursos federais, de acordo com representantes dos governadores nas negociações. O governo quer limitar o gasto anual com esses fundos.
Fundo de Desenvolvimento Regional: Poderia ser usado pelos governos locais para investirem em vantagens comparativas para atrair empresas, a ser custeado pela União. Ele começará com um valor de R$ 8 bilhões ao ano em 2029, quando começa a extinção gradual dos impostos estaduais e municipais e sua substituição pelo novo IBS, o IVA subnacional.
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais: Esse fundo seria temporário. Os valores também começam em R$ 8 bilhões, já em 2025. Aumentam para até R$ 32 bilhões, em 2028, e vão se reduzindo, gradativamente, até R$ 8 bilhões, em 2032. Poderia, no curto prazo, custear, nos locais com menor produção e menores mercados consumidores, a manutenção de benefícios fiscais enquanto não são completamente extintos, em 2032.
Autoridades dos governos locais, geralmente, argumentam que, se a arrecadação cair, não terão como custear a prestação dos serviços públicos. E dão como certa essa queda na arrecadação, quando perderem a possibilidade de usar benefícios fiscais para atrair atividades econômicas que, do contrário, não seriam instaladas em seu território.
O secretário de Estado da Fazenda do Amazonas, Alex Del Giglio, já disse a O GLOBO que o governo amazonense defende um fundo exclusivo para si, pois será o “maior perdedor” no novo desenho do sistema tributário. Tudo por causa da Zona Franca de Manaus, polo industrial que é uma área de exclusão tributária, ou seja, as fábricas que se instalam por lá ganham uma série de benefícios tributários, pagando menos impostos.
Economistas a favor da reforma costumam ponderar que distorções econômicas criadas pela guerra fiscal e por regimes especiais, como o da Zona Franca de Manaus, atrapalham a produtividade e o crescimento. Corrigidas, permitirão um maior crescimento econômico, que resultará em mais arrecadação de tributos, reforçando o caixa de todos os governos.
De acordo com João Maria de Oliveira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), num caso hipotético em que uma empresa estava para se instalar num local, por causa de vantagens comparativas positivas para seu negócio, mas opta por um estado vizinho, apenas com base na redução de tributos, mesmo o ganho do lugar cujo governo deu o benefício fiscal pode ficar apenas no curto prazo.
"Tem estudos dizendo que subsidio é bom para o estado A, mas o estado B perdeu, e perdeu mais do que os ganhos de A. Aí, o PIB do país como um todo perde. Usar o tributo para estimular essa alocação não é a melhor opção", afirmou Oliveira.
Para Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, com a reforma, uns governos locais ganharão mais do que outros, mas todos ganharão.
"Essa questão de perdas e ganhos parte do pressuposto de que é um jogo de soma zero. A noção de soma zero ignora que a reforma melhora o PIB de todo mundo. E ao melhorar o PIB de todos, a arrecadação com outros tributos também aumenta", afirmou Borges.
Segundo o economista, a diferente de magnitude entre os ganhos, em muitos casos, servirá para corrigir uma divisão concentradora da arrecadação dos tributos. Borges dá como exemplo a tributação do setor financeiro. Embora os bancos tenham operações em todo o país, a arrecadação do ISS, hoje municipal, fica com “meia dúzia” de cidades, onde ficam as sedes das principais instituições financeiras.
"Na prática, todo o tributo sobre a operação financeira feita no Brasil todo vai para meia dúzia de cidades, basicamente São Paulo e Barueri (SP). Isso é justo?", questionou Borges.
Em parte, a descentralização vem na esteira da mudança do local de cobrança para o destino, afinal, a produção é mais concentrada geograficamente do que o consumo. Por isso, Borges é contra os fundos de compensação aos estados. O economista lembra que a Constituição Federal instituiu três fundos de desenvolvimento regional, para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que poderiam ter seus recursos melhor aplicados.
"Há ampla evidência de que as benefícios fiscais até agora foram pouco efetivos em promover desenvolvimento regional. Dados mais recentes mostram que os estados deixam de arrecadar 2% do PIB em ICMS (com os incentivos). Muitas vezes, o custo é muito maior do que o benefício", afirmou Borges.