Ministro da Economia, Paulo Guedes 31/03/2020 (Ueslei Marcelino/Reuters)
Ligia Tuon
Publicado em 21 de julho de 2020 às 12h43.
Última atualização em 21 de julho de 2020 às 13h58.
Embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, defenda que não há espaço para altas de impostos, alguns setores reclamam que o modelo de reforma tributária defendida tanto pelo governo quanto pelo Congresso trará um aumento da carga tributária.
Não deixa de ser verdade, mas em alguns casos. A proposta de reforma tributária promete manter a carga tributária como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), mas há uma redistribuição desse ônus entre os diferentes setores da economia.
O texto que já tramita no Congresso e que recebe nesta terça-feira, após um ano de promessas, a contribuição do Executivo, cria um imposto único que incide sobre bens e serviços, aos moldes dos praticados em países desenvolvidos.
No plano dos parlamentares, ele substituiria cinco tributos já existentes: os federais PIS, Cofins, IPI e os estaduais ICMS e ISS. Já o plano do governo federal, num primeiro momento, deve incluir apenas a unificação de PIS e Cofins.
O setor de serviços, por exemplo, reclama que terá, de cara, um aumento de 30% e há várias associações da área que fazem lobby ativo contra a proposta.
"Esses precisarão ser convencidos de que o efeito sobre o crescimento do PIB vai compensar [suas perdas", diz Pedro Nery, economista e consultor do Senado.
O economista explica que é natural que haja uma perda para alguns num primeiro momento, sobretudo para o setor de serviços, pouco tributado hoje em dia:
"(O fato de ser pouco tributado) é bom para o rico, que consome mais serviços (um exemplo extremo é o spa, o hotel). E os prestadores ricos também são subtributados (o advogado, o consultor financeiro)", diz.
Os autores do projeto sabem que nem todo mundo ficará feliz com as mudanças num primeiro momento, mas defendem que isso mudaria com o tempo, com a simplicação do sistema de impostos e com o fim das distorções alocativas do atual sistema:
"Com o impacto positivo da reforma sobre o crescimento, mesmo a maioria dos setores que têm aumento de preço relativo tende a ser beneficiada", diz Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e um dos mentores da proposta em análise pelos parlamentares.
Appy explica que o impacto sobre os diversos setores ocorre ao longo da transição. Na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, que tramitava na Câmara antes da união com o projeto do Senado, e para a qual o economista colaborou, essa transição seria de dez anos:
"O impacto positivo sobre o crescimento aparece com alguma defasagem, mas o efeito começa a aparecer de forma mais relevante após uns três ou quatro anos", diz.
A insatisfação pode ser ilustrada pela reclamação do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, em seu Twitter, no qual diz que a reforma é "simples aumento de carga tributária".
Cruz alega que a carga irá dobrar para a pessoa jurídica. Categorias de profissionais liberais, como advogados e médicos, hoje costumam receber através de suas empresas, e com isso são objeto de tributação mais baixa do que alguém que receba o mesmo valor como pessoa física.
A "reforma tributária" de Paulo Guedes é puro e simples aumento de carga tributária, para quebrar de vez a classe média! Indefensável. Uma proposta vergonhosa, contraditória com o discurso liberal e distante das necessidades urgentes por uma reforma tributária estruturante.
— Felipe Santa Cruz (@fsantacruz_rj) July 20, 2020
"Quem presta serviço para empresa (como advogado) vai ser beneficiado, pois vai pagar mais imposto, mas o tomador do serviço vai recuperar todo imposto pago na forma de crédito", diz Appy.
Para evitar a cumulatividade de cobrança ao longo das cadeias produtivas, a proposta encampada pelo economista prevê um sistema de créditos para compensar quem pagou um imposto mais de uma vez.