Empresas do Simples Nacional devem ficar de olho nos novos tributos criados, na viabilidade do regime "híbrido", no crédito tributário e no split payment; confira e saiba como se preparar para a reforma tributária (Marcello Casal Jr /Agência Brasil)
Repórter
Publicado em 11 de abril de 2025 às 06h01.
A reforma tributária aprovada em 2023, e que vem sendo regulamentada, manteve o Simples Nacional nas mesmas bases atuais, com alíquotas reduzidas, guia única de arrecadação (DAS) e aplicação para empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões. No entanto, mesmo com a preservação do regime, micro e pequenas empresas devem se preparar para mudanças relevantes.
De acordo com Charles Gularte, contador e Chief Services Officer (CSO) da Contabilizei, – startup de contabilidade especializada em pequenos negócios –, a implementação do novo sistema tributário trará efeitos indiretos que impactam desde a forma de apuração até a competitividade dos negócios, exigindo planejamento e atenção desde já.
"O dia a dia vai mudar, essa é a certeza. Em algumas variáveis positivamente, mas em outras será preciso adaptação. E não dá para esperar e se adaptar lá na frente, porque estamos falando de preço, de custo de resultado", afirma o especialista.
O Simples Nacional beneficia cerca de 23,4 milhões estabelecimentos no país, segundo dados da Receita Federal de dezembro de 2024. Criado por lei em 2006, o regime unificou tributos, como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, ICMS, ISS, CPP e IPI, em uma única guia de recolhimento, sob uma alíquota específica e seis faixas de receitas anuais que variam de R$ 180 mil a R$ 4,8 milhões.
O modelo é conhecido por simplificar o atendimento de exigências fiscais e tributárias, reduzir burocracia e fomentar o crescimento dos chamados pequenos negócios. Com a reforma, a ideia foi preservar a simplicidade, mas, ainda assim, a implementação do novo sistema tributário trará impactos. Confira os cinco principais pontos de atenção para empresas do Simples Nacional e como se preparar com a chegada da reforma:
A principal alteração será a substituição dos cinco tributos atuais – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins – por dois novos impostos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Juntos, esses dois tributos formarão o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA dual), criado com base nas experiências da Índia e do Canadá para garantir autonomia e independência para administração dos tributos pelas esferas locais.
Hoje, o contribuinte recolhe em uma mesma guia, por meio de alíquota única, tributos federais (PIS e Cofins) com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), recolhido por estados e o Distrito Federal, e o Imposto Sobre Serviços (ISS), recolhido pelo município.
Com a reforma tributária, esses tributos serão extintos e substituídos pela CBS, de competência federal, e pelo IBS, compartilhado entre estados e municípios.
A transição para esse novo modelo será gradual, com início em 2026, e não impactará na carga tributária, como explica Douglas Mota, sócio da área tributária do Demarest Advogados.
"A reforma tributária garante que o IBS e a CBS estejam dentro dessas apurações favorecidas para micro e pequenas empresas, previstas na Lei Complementar (LC) 123/2006 [do Simples Nacional]", afirma o advogado.
As novas siglas, contudo, passarão a coexistir com o regime do Simples Nacional, o que pode demandar ajustes em sistemas e no entendimento das obrigações acessórias. Ainda assim, a tendência é de simplificação com a unificação dos impostos. "Isso não impacta apenas os pequenos negócios, mas todas as empresas. O Brasil gasta muito com prestação de contas, cálculo de imposto e cumprimento de legislações e obrigações acessórias, e a reforma e tende a ajudar todas as empresas", diz Gularte.
Uma possibilidade levantada pela reforma tributária é a de micro e pequenas empresas optarem entre manter o sistema atual ou adotar uma nova sistemática de tributação "por fora", baseada na lógica de débito e crédito, o que foi chamado pela reforma como "Simples Nacional Híbrido".
Por esse regime, os impostos CBS e IBS serão recolhidos separadamente, fora do DAS. Isso permitirá que as empresas se apropriem de créditos de impostos. Mas aumentará a carga tributária.
A mudança pode impactar principalmente empresas que vendem para outras empresas, como adverte Mateus Campos, coordenador da área tributária do escritório de advocacia Barreto Veiga Advogados (BVA), principalmente por conta de alterações na tomada de créditos tributários.
A reforma tributária traz como um de seus pilares a proposta da não cumulatividade, em que numa lógica de "débito e crédito" as empresas podem abater o imposto que foi pago no momento anterior à operação.
O Simples Nacional, apesar de preservado em seu formato atual, não dará créditos tributários aos seus contratantes.
Com as novas regras, as optantes pelo regime de micro e pequenas empresas só poderão repassar os créditos do IBS e CBS com base no valor efetivamente pago, e não mais em alíquotas de referência. "Hoje, empresas que contratam PJs do Simples Nacional podem se creditar de 9,25% em impostos, mesmo que o Simples não recolha esse valor integralmente. Mas isso acaba com a reforma", diz Gularte.
O novo sistema de impostos sobre o consumo prevê ainda a implementação gradual do split payment, mecanismo em que o valor do imposto é recolhido no momento da transação e enviado diretamente à Receita Federal, sem passar pelo caixa da empresa.
Na prática, a modalidade vai permitir que, ao realizar uma compra, o valor do tributo seja automaticamente deduzido e enviado diretamente aos cofres públicos, enquanto o valor líquido é creditado ao fornecedor.
A operação será feita por meios de pagamentos, como bancos ou instituições financeiras, que serão obrigados a aderir aos formatos, segregando e recolhendo ao Comitê Gestor do IBS e à Receita Federal os tributos IBS e CBS.
Ao longo da tramitação da regulamentação da reforma tributária, muitos setores contestaram a aplicação do split payment, apontando perdas em seu fluxo de caixa. O economista João Maria de Oliveira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia que, na verdade, elas podem "deixar de ganhar".
Quando um mercado vende um produto ao cliente, por exemplo, ele fica com o valor do tributo que a transação de compra gerou. Com esse recurso, o mercado pode comprar outro produto para vender novamente, em um eventual ciclo curto de transação, ou usar do recurso para outros interesses até o dia de pagar o imposto devido.
"Esse tributo vira caixa dele durante um período. E é óbvio que vão existir setores contrários, porque esse recurso, [hoje, sem a reforma tributária], é caixa por uma média de 20 e poucos dias", diz Oliveira.
À EXAME, Daniel Loria, ex-diretor de Programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, afirmou que o mecanismo e a simplificação dos impostos será benéfica para os empresários do Simples, por acabar com a substituição tributária.
Nesse regime, a responsabilidade pelo pagamento do imposto é transferida para um contribuinte diferente daquele que normalmente seria responsável por recolher o tributo. Isso significa que uma empresa, em vez de recolher o imposto no momento da venda ao consumidor final, já o paga antecipadamente, geralmente em alguma etapa anterior da cadeia de produção ou comercialização.
Como a EXAME mostrou, o split payment deve começar em 2027 e vai funcionar inicialmente apenas para transações feitas entre empresas, conhecidas como B2B.
Mesmo com o regime preservado, as mudanças no ambiente tributário como um todo podem afetar a posição das empresas do Simples Nacional no mercado. A possibilidade de clientes priorizarem fornecedores fora do regime, com maior geração de créditos, pode pressionar micro e pequenos negócios a reavaliar preços, margens e estrutura jurídica para manter a competitividade.
"Com esses dois regimes, de fato, se a empresa sujeita ao Simples [Nacional normal] não gera esses créditos, os contratantes, os tomadores desses serviços, tendem a querer um preço mais baixo. Até porque, para fins da ótica de uma empresa, o tributo é um custo e a busca é pela maior eficiência possível. Então, é esperado que isso impacte a competitividade de empresas sujeitas ao Simples", diz o advogado tributarista Mateus Campos do BVA.
Loria disse acreditar que para os pequenos negócios que estão no meio da cadeia produtiva – comprando de empresas e vendendo para outras empresas – a transição para o regime geral pode resultar na eliminação da carga tributária sobre impostos indiretos.
Isso ocorre porque, no novo sistema de impostos sobre o consumo, esses negócios passam a se creditar e se debitar integralmente, o que, na prática, zera a incidência de tributos indiretos. "Esse empresário não terá peso tributário sobre ele, porque ele se credita de tudo e se debita de tudo, e o adquirente dele também se credita de tudo", afirmou.
Há ainda uma preocupação com o impacto da nova alíquota do IVA sobre o lucro das empresas. Embora a carga do Simples Nacional tenha sido mantida igual, caso o pequeno negócio migre para o sistema híbrido haverá um aumento.
Simulações feita pela Contabilizei para as empresas de Tecnologia e Informação (TI) mostram, por exemplo, que os Profissionais Jurídicos (PJs) da área podem sair de uma carga de 11,72% no Simples Nacional para, no mínimo, 26,5%, ou 28,55%, como calcula o Ministério da Fazenda.
Mesmo profissões liberais, incluídas na lista de redução de 30% sobre a alíquota padrão do novo imposto, como advogados, podem sentir um aumento da carga tributária. A soma dos tributos sobre a categoria é de 9,22% no Simples Nacional e pode aumentar para pelo menos 18,55%.
"A reforma tributária tem vencedores e perdedores, digamos assim. Para a indústria e comércio de modo geral, ela é muito boa, porque tende a ter uma redução de carga e da burocracia. Mas para os prestadores de serviço, a grande maioria, pagará mais. Não dá pra dourarmos a pílula", diz o advogado especialista em direito tributário Lucas Barducco, sócio do escritório Machado Nunes Advogados.
A transição para o novo sistema está prevista para ocorrer de forma gradual entre 2026 e 2033, Mas especialistas recomendam que empresas do Simples comecem desde já a mapear seus processos, entender seus clientes e revisar estratégias fiscais para escolherem se vale a pena ou não seguirem no mesmo regime tributário.
A manutenção das regras atuais não significa que tudo continuará igual
"O mais importante é não esperar para se adaptar. É preciso revisar o fluxo de caixa, simular novos cenários tributários e entender como estruturar os preços. Quem se preparar desde já terá mais chances de manter a saúde financeira do negócio", afirma Charles Gularte da Contabilizei.