Economia

Reforma tributária beneficia indústria, mas exceções e Custo Brasil limitam impacto, avalia o setor

Especialistas na área são unânimes em afirmar que, no geral, impacto é positivo e dá fôlego para competitividade, mas demanda outras agendas; confira o que muda

A unanimidade geral é a simplificação e unificação dos tributos com a substituição dos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em uma cobrança única (Leandro Fonseca/Exame)

A unanimidade geral é a simplificação e unificação dos tributos com a substituição dos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em uma cobrança única (Leandro Fonseca/Exame)

Publicado em 21 de dezembro de 2024 às 09h22.

Última atualização em 21 de dezembro de 2024 às 09h23.

Oito meses antes da reforma tributária ser promulgada e quase um ano antes do início da tramitação dos projetos regulamentando-a, o secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, declarou que o novo sistema de impostos beneficiaria todos os setores da economia, mas principalmente a indústria. Agora, com a aprovação da principal proposta para colocá-lo em prática, representantes do setor e especialistas não discordam dos efeitos positivos, mas os minimizam às condições que tornaram sua aprovação possível.

Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), avalia, por exemplo, que "as excepcionalidade fizeram com que a potência da reforma tributária para a indústria fosse atenuada".

O texto final estabelece 11 tipos de regimes específicos de tributação para vários setores, dos combustíveis, ao sistema financeiro, loterias a plano de pets, por exemplo. Além de zerar impostos de uma série de produtos. O que elevou a alíquota de referência do Imposto de Valor Agregado (IVA) dual criado.

O governo ainda deve divulgar o cálculo final, mas a taxa média é estimada em pelo menos 28%. O Congresso estabeleceu uma trava de 26,5%, no entanto, a alíquota inicial chegou a ser cogitada em 22%, segundo Pimentel. "Um grande sonho para a indústria", diz.

"Não estou com isso fazendo uma crítica à reforma em si, estou dizendo que os impactos para a indústria seriam realmente mais relevantes [sem tantas exceções]. Porque a indústria é 11% do PIB e paga hoje quase 30% da carga tributária. É um desequilíbrio completo entre a representatividade do PIB da indústria e a sua contribuição aos impostos, então um dos princípios basilares seria trazer um maior equilíbrio", afirma o presidente da Abit.

"Esse equilíbrio viria se todos pagassem menos, mas pagassem parecidos. Na medida em que isso não aconteceu de fato, passamos a ter uma nova realidade em que os ganhos principais ficaram na preservação dos princípios basilares que orientaram essa proposta", completa.

Unificação de impostos e não cumulatividade

A unanimidade geral é a simplificação e unificação dos tributos com a substituição dos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins em uma cobrança única que será dividida entre os níveis federal – com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) –, e estadual e municipal, com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Isso porque a complexidade da legislação sempre prejudicou mais a indústria, que tem uma cadeia produtiva mais complexa que outros setores, como explica o diretor-executivo de Assuntos Jurídicos e de Financiamentos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

"A carga tributária está assegurada na reforma, e na pior das hipóteses ela será a mesma. Mas eu acredito que a grande vantagem, além da carga tributária no futuro poder ser menor, é a simplicidade. As empresas terão menos gastos na administração dos tributos e terão a não cumulatividade, que eliminará o imposto sobre imposto", pondera.

O que muda para a indústria

A Confederação Nacional das Indústria (CNI) ainda destaca a eliminação da possibilidade de adoção do regime de substituição tributária no IBS e na CBS. A medida foi prevista no Senado e, segundo a entidade, manteria muitas distorções e complexidades do atual sistema.

Assim como não incidência do Imposto Seletivo sobre as exportações de bens minerais. "Mesmo não sendo a medida ideal – que seria a não incidência do Imposto Seletivo sobre qualquer operação com bem mineral, doméstica ou de exportação –, pelo menos garante que o novo modelo de tributação do consumo irá respeitar um princípio tributário básico e praticado por todos os países: jamais tributar exportações", apontou.

Por outro lado, a CNI avalia que a Casa Legislativa fez melhorias nas regras de compensação dos incentivos fiscais de ICMS, dando "maior segurança às empresas que gozam desse tipo de incentivo".

As análises constam em nota divulgada após a votação do texto pelo Câmara, no dia 17, em que considerou a aprovação um "marco histórico", apesar de citar ressalvas sobre o "excesso" de alíquotas reduzidas e sugerir uma revisão futura dessas situações.

Impactos esperados com a reforma tributária

Apesar da avaliação de que a futura alíquota possa subtrair parte dos ganhos com a reforma tributária, os diferentes setores da indústria preveem aumento da eficiência, a não taxação de investimento, impulso para a competitividade e exportação e diminuição do impacto da guerra fiscal.

O split payment, que permite a segregação automática dos tributos devidos (IBS e CBS) durante as transações de compra e venda de bens e serviços, também deve trazer redução da sonegação. "Com ela reduzida, melhora-se o ambiente concorrencial", diz o presidente da Abit.

A expectativa também anima Luís Wulff, CEO do Tax Group, consultoria tributária, que vê a aprovação do novos sistema tributário como uma oportunidade para o setor industrial brasileiro reinventar-se e receber grandes investimento.

"Claro que todo investimento industrial parte do empreendedorismo. Então nós vamos ter que ter também uma carga educacional muito grande nas próximas gerações. para incentivar profissões que gerem empreendedorismo na área industrial, como as engenharias, como a área de mecânica, como a área de elétrica, eletrotécnico, etc", afirma.

Zona Franca de Manaus

O texto aprovado pela Câmara também assegurou uma série de vantagens para a Zona Franca de Manaus.

Entre elas, a isenção da CBS no comércio interno do polo industrial e a manutenção do crédito presumido do IBS, sem a limitação prevista pelos deputados de um terço. O Senado ainda incluiu incentivos fiscais para o refino de petróleo na região.

O texto final garantiu ainda a redução de 50% na tributação de importados para consumo interno na Zona Franca e nas áreas de livre comércio.

As vantagens foram justificadas como medidas para garantir a competitividade e a economia local. Mas a forma como foi mantida não é isenta de críticas, como defende Fernanda Rizzo, associada da área de Tributário do escritório Vieira Rezende Advogados.

"Manteve-se o IPI, que deveria ser extinto, e agora será aplicado apenas aos produtos para os quais haveria produção de similares na região protegida. Trata-se de um complicador que poderia ser evitado. Além disso, mais uma vez o que se vê é a adoção de uma política de proteção ao invés do fomento ao desenvolvimento e à vantagem competitiva, que se mostrariam mais eficientes no longo prazo", diz a advogada.

Com isso, alguns setores serão impactados com um relevante aumento da carga, destaca Rizzo.

"É o que se verifica com o setor de bicicletas, por exemplo, que prevê um aumento de dez a vinte por cento na tributação. Espera-se que haja alguma litigiosidade em relação às novas regras, e ajustes poderão ocorrer".

E como fica a competitividade da indústria?

A especialista em sistema tributário lembra ainda que, para alguns setores da indústria, o texto final da Câmara não teve resultado positivo. É o caso das empresas produtoras de bebidas açucaradas, como refrigerantes, chás e refrescos prontos, enquadrados no Imposto Seletivo, também conhecido como "imposto do pecado".

A partir de 2026, a indústria deve experimentar certo gasto adicional com todos os ajustes operacionais necessários para implementação das novas regras, ainda de acordo com Rizzo. "Até que o período de transição termine, o compliance tributário vai demandar mais investimentos, pois teremos dois regimes vigentes. Com o decorrer do tempo tudo isso deve ser equalizado", diz ela.

A avaliação geral, contudo, é que de as novas regras melhorem a percepção dos investidores sobre o chamado Custo Brasil.

Os especialistas e os setores industriais reconhecem que a reforma tributária tenha capacidade para restaurar a competitividade da indústria brasileira, mas ela ainda esbarra no Custo Brasil, que envolve outras agendas como a falta de infraestrutura e insegurança jurídica, como explica Pimentel.

O Custo Brasil é estimado em R$ 1,7 trilhão por ano. Esse é o valor adicional que as empresas brasileiras gastam para produzir em relação à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que só a reforma tributária não o enfrenta.

"A indústria sai muito favorecida pós-reforma tributária e vai depender do nosso cenário macroeconômico e do cenário do empreendedorismo brasileiro que possa propulsar mais as pesquisas, desenvolvimentos e a criação de tecnologias que possam revolucionar a nossa indústria", conclui o CEO da Tax Group.

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