Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e CGU; Paloma Casero, diretora do BM para o Brasil; Ana Carla Abrão, sócia do escritório Oliver Wyman; e Abrão Neto, da Amcham (Mário Miranda/Amcham/Divulgação)
Ligia Tuon
Publicado em 4 de novembro de 2019 às 16h58.
Última atualização em 4 de novembro de 2019 às 20h35.
São Paulo - Quem nunca ouviu que passar num concurso público é sinônimo de vida ganha? Por trás disso está a ideia de que seria praticamente impossível demitir um servidor. Ou pelo menos é o que diz o senso comum.
O tema esquentou com a iminência da reforma administrativa, que deve chegar ao Congresso nos próximos dias. Ela mira o funcionalismo público, cuja folha de pagamento é o segundo maior gasto da União, perdendo apenas para a Previdência.
Por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), o governo deve propor aumentar para dez anos o prazo para que o servidor tenha estabilidade. Hoje, embora muitos não saibam, esse tempo é de três anos.
"Parte dos problemas que tem sido apontados como alvo da reforma administrativa - como a questão da perda de estabilidade do servidor - já foi resolvida pela Emenda Constitucional 19, de 1998, que já dá o prazo de três anos para que o servidor ganhe estabilidade. O problema é que, na prática, não é feita uma avaliação de estágio probatório para decidir se esse funcionário sai ou fica", diz Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e da Controladoria-Geral da União, em evento promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham) em São Paulo nesta segunda-feira (04).
Simão conta que já foi membro de uma comissão de avaliação de estágio probatório de servidor: "O pessoal simplesmente não leva isso a sério. Então não adianta mudar a norma", diz.
"O que aconteceu quando eu tinha essa função não foi que um servidor perdeu a posição. Fui eu que deixei de ser convocado para novas avaliações, porque eu fiz um relatório dizendo que um determinado servidor não poderia ser efetivado. Instrumentos existem. Falta aplicar. Por isso é um falso dilema a questão da estabilidade", diz Simão.
Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman Brazil e ex-secretária da Fazenda de Goiás, concorda com Simão sobre a falsa polêmica da estabilidade: "Estabilidade existe no mundo todo e no Brasil, em particular, a partir da emenda 19, de 1998. Não há nenhum dispositivo constitucional que me impeça de demitir um servidor atualmente. Pelo contrário. O problema está no processo, porque ele não anda", diz.
Os dados apontam que a estrutura de pessoal do Brasil está ficando insustentável. Dados do Banco Mundial (BM) compilados em relatório de outubro destaca que o país gasta 10% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com funcionalismo.
"O número de servidores no Brasil não é particularmente alto, se compararmos com a realidade de outros países. O que é alto são os salários. E isso num contexto difícil fiscal pelo qual passa o país", diz Paloma Anos Casero, diretora do Banco Mundial para o Brasil.
Dois terços dos servidores da União estão entre os 10% com maior renda no país e 83% estão entre os 20% mais ricos, segundo o relatório. 44% dos servidores recebem mais de R$ 10 mil por mês; 22%, mais de R$ 15 mil; e 11%, mais de R$ 20 mil.
"Isso é muito grave. Não tem como. Temos que reduzir esse gasto", diz Casero, que nota ainda que os servidores brasileiros são regidos por um sistema engessado e que carece de planejamento estratégico, pois não permite que os melhores funcionários se destaquem pelo desempenho.
Há também, segundo ela, desigualdade entre diversas carreiras. "É preciso mudar o atual paradigma de gestão de pessoal por um modelo mai flexível, transparente, e que permita o desenvolvimento da carreira de bons funcionários. Esses dados mostram que há espaço para reformas no setor público, especialmente no federal".
O que falta, na visão de Abrão e Simão é uma reforma gerencial. "O funcionalismo vive um apagão de gestão, porque os servidores são contratados para serem técnicos e não gerentes. Não há formação gerencial, e essa é uma dimensão que precisa ser tratada", diz Simão.
Para Abrão, no entanto, antes da questão da gestão, há uma mais urgente que passa pela Constituição: as leis de carreiras. "Boa parte do processo que hoje nós temos implementado, que garantem promoções automáticas, gratificações desvinculadas de mérito, que blindam o servidor e criam uma reserva de mercado em atribuições que poderiam ser mais flexíveis do que são hoje vem das leis de carreiras. E essas a gente precisa reformar", diz.
"São mais de 300 carreiras com muitas delas com funções semelhantes. Isso favorece a fragmentação e limita a mobilidade lateral", diz Caseros.
Outro problema tem a ver com a premiações. Há 179 rubricas de gratificação no funcionalismo. Em outros países o normal é ter uma ou pouco mais de uma, segundo ela. Além disso, essas gratificações correspondem a 58% do salário dos servidores federais, na média: "Isso indica que essas gratificações não estão correspondendo a desempenho", diz Casero.
Esse cenário se torna ainda mais crítico quando olhamos para um futuro não tão distante: 40% desses servidores com rendimentos altos vão se aposentar até 2030. Muitos deles com salário integral.