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Reestruturar para voar mais e melhor

Opinião | A redução firme de preços só será alcançada com a reestruturação operacional e financeira do setor, que garanta a expansão de seus serviços

 (David McNew/Getty Images)

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Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 28 de dezembro de 2023 às 17h48.

Última atualização em 28 de dezembro de 2023 às 19h01.

José Roberto Afonso*Geraldo Biasoto Junior**Murilo Ferreira Viana***

Nos últimos meses, tem-se observado uma crescente insatisfação em relação aos valores praticados nas passagens aéreas. O tema tem atraído a atenção inclusive do governo, que deseja impulsionar o fluxo de passageiros transportados, especialmente de famílias menos abastadas.

É válido ressaltar que, conforme as estimativas mais otimistas, menos de 10% da população brasileira usufrui diretamente do transporte aéreo de passageiros. Contudo, para além desse fato, é essencial aprofundarmos nossa compreensão sobre esse mercado, explorando a sua dinâmica, as razões pelas variações de preços das passagens e, principalmente, identificando estratégias viáveis para tornar as tarifas aéreas mais acessíveis em comparação aos valores praticados atualmente.

De fato, os preços das passagens subiram acima da inflação. Enquanto o IPCA acumulou alta de 26,6%, entre janeiro de 2020 e novembro de 2023, o IBGE aponta que as passagens aéreas subiram, em média, 62,7% no período.

Estariam as empresas do setor realizando lucros extraordinários à custa de elevados preços praticados aos consumidores? As condições estruturais do setor indicam que não.

Os combustíveis, mais especificamente querosene de aviação (QAV), representam cerca de 40% dos custos operacionais das companhias aéreas brasileiras. Enquanto o IPCA subiu 26,6%, o preço médio do QAV saltou cerca de 60%. Muito do efeito é global, puxado pelo preço internacional do petróleo, inclusive pelas guerras. De acordo com dados da Anac, em janeiro de 2020, o QAV era comercializado por R$2,38/litro. Em agosto de 2023, o último dado disponível, o QAV foi comercializado a preço médio de R$3,64. Para efeito de comparação, a média nominal de preço do QAV entre 2014 e final de 2019 foi próximo a R$1,80, demonstrando a grande estabilidade do preço do combustível ao longo do tempo até o período recente.

Setor aéreo: prejuízos elevados

É verdade que, a depender do patamar do comportamento da demanda e das tarifas médias praticadas, a receita operacional poderia ser muito mais do que suficiente para compensar incrementos substanciais nos custos de combustíveis, e ainda resultar em grandes lucros. A realidade, contudo, é que o setor de transporte aéreo de passageiros amarga elevados prejuízos ao longo dos últimos anos. Segundo o Anuário do Transporte Aéreo de 2022, divulgado pela Anac, o setor acumulou prejuízo de R$41,5 bilhões, entre 2018 e 2022, com números no lado negativo em todos os anos, não apenas nos de pandemia. Em 2023, os balanços divulgados pelas empresas indicam que os resultados continuam no negativo, embora em trajetória de melhora.

O setor foi um dos mais afetados pela pandemia. Apenas nos anos de 2020 e 2021, o prejuízo acumulado foi de R$35,6 bilhões. O setor aéreo se endividou e agora enfrenta os desafios de conviver com as elevadas taxas de juro. Antes da pandemia, a taxa Selic situava-se abaixo de 5% a.a., passando parte relevante do período pandêmico em 2%. A partir de março de 2021, o juro básico subiu vertiginosamente até o pico de 13,75%, em agosto de 2022. Se não bastasse a subida do juro interno, deterioraram-se as condições financeiras no mercado internacional, encarecendo o financiamento em moeda estrangeira.

O volume de passageiros em grande medida voltou ao patamar de 2019, período pré-pandemia. Enquanto isso, o incremento real das tarifas nos últimos tempos, embora tenha gerado insatisfação, é reflexo desses desafios estruturais submetido às empresas aéreas.

Não é possível o setor conviver com prejuízos acumulados por muitos anos. A solução na direção de tarifas mais módicas exigirá um mínimo de retorno da rentabilidade ao setor, sob risco de desinvestimento, e de piora das condições para os usuários.

Judicialização

Se não bastassem esses problemas, o setor tem convivido com a explosão de ações judiciais. Nada menos que 98,5% das ações cíveis contra empresas aéreas no mundo ocorrem no Brasil[1]. O Banco Mundial aponta dificuldades de o sistema judicial brasileiro separar reclamações legítimas de abusos praticados sob a salvaguarda da boa-fé[2]. É claro que a excessiva judicialização resulta em uma perniciosa insegurança jurídica e financeira para as companhias aéreas diante da proliferação de práticas abusivas de litigantes profissionais.

É determinante, também, o fato de que, ao contrário do ocorrido em outros países (que deram subsídios, empréstimos e até injeções de capital), o governo brasileiro pouco concedeu suporte ao setor no período pandêmico. Assim, é forçoso reconhecer que parte relevante da conta será paga pelos consumidores de serviços aéreos.

A redução firme de preços só será alcançada com a reestruturação operacional e financeira do setor, que garanta a expansão de seus serviços. O poder público tem papel crucial na adoção de medidas estruturantes. Dentre outras, é preciso restaurar a segurança jurídica e evitar uma derrama tributária (na complexa reforma dos impostos indiretos). A reestruturação do crédito, para ser alongado e com taxas reduzidas, passa por encontrar novas formas de garantia. No médio prazo, o tão desejado querosene verde é uma ótima oportunidade de produção no Brasil — desde que não se repita a equiparação com preços externos. Enfim, o país pode não apenas garantir a sobrevivência do setor, como também viabilizar sua expansão com maior qualidade e a preços mais módicos. Da crise nascem oportunidades. É preciso coragem, segurança jurídica e competência para superar os desafios.


[1] Ler OCDE. Brazil: Competition Assessment Reviews, 2022.

[2] Ler World Bank. Brazil Infrastructure Assessment. Synthesis Report. Jun 2022.

*Professor do IDP. Doutor em Economia pela Unicamp. Pós-doutor em administração pública pela Universidade de Lisboa

**Professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp. É doutor em Economia.

***Economista, mestre e doutorando pelo Instituto de Economia da Unicamp.

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