Raphael Bostic, do Fed de Atlanta, fala com estudantes em fevereiro de 2020 (Elijah Nouvelage/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 19 de junho de 2020 às 19h24.
Última atualização em 19 de junho de 2020 às 23h18.
Raphael Bostic, o primeiro presidente negro de um Fed regional na história de 106 anos do banco central, raramente falou sobre racismo nos três anos à frente do Federal Reserve de Atlanta.
Mas os eventos recentes, incluindo o assassinato de George Floyd pela polícia no mês passado, mudaram sua postura.
“As pessoas querem ter essa conversa”, disse Bostic em entrevista.
Em uma crise econômica que afeta desproporcionalmente minorias e pobres, ele disse que os formuladores de políticas precisam se posicionar contra o racismo, agir para criar mais oportunidades e incentivar outras medidas quando suas próprias ferramentas estão em falta.
Bostic disse que analisa uma proposta para que o Fed aborde o desemprego entre negros, que ainda subia no mês passado mesmo quando a taxa geral começou a cair em relação ao pico da quarentena.
Ele também está preocupado com a sobrevivência de empresas controladas por negros após a pandemia, porque “entraram nisso com menos capital e, portanto, o nível de dificuldade que enfrentarão será maior.”
Em artigo publicado no site do Fed de Atlanta na semana passada, Bostic expressou apoio ao movimento Black Lives Matter e pediu ao banco central que fizesse mais pelos menos favorecidos.
“A desigualdade econômica adiciona combustível à opressão subjacente que agora guia os manifestantes”, escreveu.
O presidente do Fed, Jerome Powell, que elogiou a resposta de Bostic no depoimento do Senado na terça-feira, também citou a urgência de tornar os ganhos econômicos mais inclusivos e disse que algumas das ferramentas necessárias para essa tarefa são controladas pelo Congresso, não pelo Fed. Bostic indicou posicionamento semelhante na entrevista.
“Espero que nossos legisladores realmente enxerguem a utilidade e a importância de garantir que não vejamos danos duradouros em setores de nossa economia”, disse, observando que tem recebido muitas mensagens positivas — pelas redes sociais, e-mails, telefonemas — incentivando sua campanha pública para a inclusão.
“Espero que possamos manter o ritmo e realmente levar a América para um lugar diferente”, disse Bostic, de 54 anos.
Dinâmica do poder
Diplomas de Harvard e Stanford e décadas de conquistas profissionais — como secretário-assistente de Habitação e Desenvolvimento Urbano durante o governo Obama — não o protegeram do tipo de racismo sofrido no mês passado por um homem do Central Park: uma mulher branca chamou a polícia quando o observador de aves negro pediu que ela colocasse a coleira no cachorro.
“Isso é definitivamente algo que eu poderia encontrar amanhã, quando saio em busca de toutinegras ou pica-paus”, disse Bostic, um observador de aves que concedeu entrevista de Utah, para onde viajou com o objetivo de visitar parques nacionais.
Ele disse que já foi interrogado pela polícia por estar sentado em um carro com amigos e sempre se pergunta como é percebido quando entra em lojas e restaurantes.
“A dinâmica do poder da sociedade pode deixá-lo exposto em ambientes com os quais você não pensaria que deveria se preocupar”, disse. “Eu tenho de ser cuidadoso. É uma abordagem que todo negro, e particularmente homens negros, precisam ter. É apenas uma realidade da vida nos Estados Unidos hoje.”
Ele disse que sua nova postura pública também é motivada pelo fato de as minorias enfrentarem ainda mais dificuldades do que outros grupos após o recente fim da expansão de dez anos nos Estados Unidos.