Rajoy fixou como seu 'objetivo fundamental' acabar com o desemprego e recuperar o crescimento econômico (Dani Pozo/AFP)
Da Redação
Publicado em 11 de janeiro de 2012 às 14h02.
Madri - O presidente do governo da Espanha, Mariano Rajoy, apresentará antes de um mês um plano para reestruturar o sistema financeiro do país guiado pelos critérios de saneamento e transparência.
Em uma entrevista à Agência Efe, a primeira que concede como chefe do Executivo, Rajoy afirmou que não vai criar um 'banco podre'.
O governante destacou a 'maioria sólida' que o levou ao poder e que lhe dá a necessária estabilidade política para que a Espanha recupere a confiança dos mercados, e fixou como seu 'objetivo fundamental' acabar com o desemprego e recuperar o crescimento econômico.
Confira a entrevista:.
Agência Efe: O Partido Popular (PP, do qual faz parte Rajoy) disse antes das eleições que não aumentaria os impostos. Não teme que os cidadãos deixem de crer em sua palavra?
Mariano Rajoy: Efetivamente, eu disse na campanha eleitoral que não era nossa intenção subir os impostos. E o disse após a realização das eleições e, concretamente, um mês depois, no debate de posse; o disse nas Cortes. E lá adverti que se a previsão do déficit público era de 6%, que era o que nos tinha sido comunicado, não iríamos subir os impostos.
E, além disso, não sou partidário de subir os impostos. Esta é uma medida somente para dois anos, para os anos de 2012 e 2013, e tivemos que tomar esta medida porque vimos - eu o soube no dia 27 de dezembro - o fato de que no ano passado tinhamos gasto 20 bilhões de euros a mais que o previsto.
Nessa situação, era urgente agir e, portanto, decidimos tomar medidas em duas direções. Por um lado, fazer um corte forte da despesa, de 9 bilhões de euros. Cortamos praticamente o total das verbas do orçamento exceto o atendimento às pessoas que estão no desemprego e sobre a verba de previdência, que a subimos para o ano que vem; e decidimos também uma alta do imposto de renda, logicamente mais elevada para aquelas pessoas que têm mais recursos.
Bem, isso era fundamental para a credibilidade de nosso país e era fundamental para poder nos financiar fora, porque no ano passado gastamos 90 bilhões de euros a mais do que arrecadamos.
E, portanto, para mim era uma decisão dura, dolorosa, não queríamos tomá-la, mas era absolutamente imprescindível para deter a espiral na qual podíamos cair.
Pode nos detalhar qual foi o déficit das administrações (central, autônoma e local) em 2011?
Rajoy: Aproximadamente. O déficit da Administração Central Central do Estado, do governo da Espanha, está ligeiramente acima de 5%. O do conjunto das comunidades autônomas, aproximadamente 2,7%. E depois a Seguridade Social e as Prefeituras têm números muito menores.
A Administração Central do Estado custou 3 bilhões de euros a mais do que o previsto. A Seguridade Social, 5 bilhões; estava previsto um superávit de 4,4 bilhões de euros. Houve um déficit de 600 milhões, portanto falamos de uma perda de 5 bilhões. As prefeituras, 1,5 bilhão; e as Comunidades Autônomas, cerca de 15 bilhões. Esta é a situação atual.
O que apresentam o senhor e seu governo aos mercados e a líderes como Obama, Merkel ou Sarkozy que não apresentavam com suas medidas o governo de José Luis Rodríguez Zapatero?
Rajoy: Meu governo eu acho que apresenta uma história, em primeiro lugar. Nós, digo meu partido, o PP, chegamos ao governo pela primeira vez em 1996. E havia um déficit público na Espanha muito elevado, não tanto como agora, mas muito elevado, quase de 7%. Tínhamos que entrar no euro e para isso tínhamos que reduzir o déficit público para 3%.
A sociedade espanhola fez então um grande esforço e conseguimos entrar no euro, e quando abandonamos o governo deixamos as contas públicas em equilíbrio: não gastávamos mais do que arracadávamos, que esse é o objetivo ao qual é preciso tender, e que vale para um governo, para uma família, para uma empresa e para qualquer um. Portanto, apresentamos nossa história.
Apresentamos convicção. Nós reduzimos o déficit público não porque a Europa o manda, mas porque entramos no euro e firmamos um pacto na Europa de que não se pode gastar o que não se tem. Eu acredito profundamente nisso.
E depois creio que apresentamos aos mercados - e aos demais países, a todos os que têm que financiar nossa dívida - uma maioria sólida, que os espanhóis apoiaram, que é para 4 anos, e a estabilidade política é muito importante para que o povo recupere a confiança econômica em nosso país.
A vice-presidente do governo, Soraya Sáenz de Santamaría, disse que estamos 'no início do início' quanto a medidas econômicas. Que outras medidas esperam os espanhóis?
Rajoy: A primeira, temos que continuar reduzindo o déficit público. Essa é uma prioridade capital se quisermos que nos deem dinheiro forte, porque se não, corremos o sério risco de não o recebermos, ou de termos que pagar quantias astronômicas.
Além disso vamos reunir em breve, este mês, no Conselho de Política Fiscal, as comunidades autônomas. Também nos reuniremos com as corporações locais para dizer a elas que todos têm que apertar o cinto, como já o fizeram na Espanha as famílias e as empresas.
Vamos apresentar, no prazo máximo de um mês a partir desta terça-feira, uma lei de estabilidade orçamentária que fixe o teto de despesas e de endividamento que não poderá ultrapassar nem o Estado nem as comunidades autônomas. Portanto, essas vão ser as primeiras medidas para diminuir o déficit público, recuperar nossa credibilidade e poder melhorar nossa economia.
Em segundo lugar, neste primeiro trimestre, apresentaremos uma reforma do mercado de trabalho espanhol, uma reforma estrutural muito importante, com o objetivo de criar empregos.
Em terceiro lugar, também neste primeiro trimestre, antes de 15 de fevereiro, vamos estabelecer um plano para a reestruturação do sistema financeiro. Um plano que vai obrigar o saneamento das entidades financeiras, sua transparência e um novo processo de fusões de entidades financeiras na Espanha para que as que existirem sejam de bom tamanho, solventes e, sobretudo, voltem a dar crédito às pequenas e médias empresas e às famílias, sem o qual não haverá recuperação.
Não haverá um banco podre na Espanha, e estabeleceremos um procedimento que não seja oneroso para o contribuinte.
E ainda no primeiro semestre deste ano, faremos uma norma para ajudar as pequenas e médias empresas, os empreendedores - que empregam 80% das pessoas que trabalham em nosso país -, para que as coisas lhes sejam mais fáceis. Aí sim vamos fazer algumas coisas do ponto de vista fiscal para ajudá-los a acharem emprego e gerarem bem-estar e riqueza.
Essas são as prioridades mais importantes. Há muitas outras, mas esses são os compromissos para os próximos três meses.
Está em perigo o Estado do bem-estar como o conhecemos até agora?
Rajoy: Não. E vou a dar minha opinião: eu acredito profundamente no Estado do bem-estar, acredito em um sistema previdenciário como o que temos - há oito milhões de aposentados hoje em nosso país -, acredito em um sistema de saúde como o que temos na Espanha, universal, público e gratuito; acredito em um sistema educacional como o que temos, acredito que é preciso melhorá-lo. Mas creio que podemos estar orgulhosos de nosso sistema previdenciário, de nosso sistema público de saúde e de nosso sistema educacional.
O que ocorre é que para podermos manter isso, que custa muito dinheiro, é necessário que o Estado tenha receita. Ou seja, a saúde pública custa muito, e a educação, a previdência. É a primeira verba do orçamento com uma grande diferença. Para isso se necessita dinheiro, e para isso é preciso que haja crescimento econômico e emprego.
A chave é gerar emprego, porque se houver muita gente trabalhando, haverá muita gente pagando impostos. Essas pessoas que trabalham pagam a Seguridade Social, e por isso haverá mais dinheiro e, portanto, será possível manter e melhorar o sistema previdenciário.
Por isso a chave é criar empregos, e por isso, para manter o Estado do bem-estar e melhorá-lo, é fundamental outra política econômica com os pilares aos quais antes fiz referência. Primeiro, não gastando o que não se tem: o déficit. Segundo, fazendo reformas como a laboral e como a energética que também vamos pôr em andamento com a maior rapidez possível, como a reforma educativa, a reforma dos empreendedores ou a reestruturação do sistema financeiro.
Portanto, o Estado do bem-estar não está em risco, mas para mantê-lo e melhorá-lo temos que criar empregos e fazer uma política econômica distinta.
Quais serão suas prioridades nas relações com a América Latina?
Rajoy: A América Latina é uma prioridade capital, à qual não vou renunciar nunca. Por razões que todos conhecemos: temos o mesmo idioma, temos a mesma história, a mesma cultura, porque há muitos espanhóis que ao longo de sua vida e em sucessivos períodos de nossa história foram para lá.
Sou originário da Galícia, e todos temos parentes que vivem na América Latina. Eu, minha mulher também... Não conheço nenhum galego que não tenha tido alguém que não tenha estado na Venezuela, na Colômbia, na República Dominicana, no México, sem falar em Buenos Aires, que alguns qualificam como a quinta província galega.
A Espanha é, além disso, o segundo país que mais investe na região ibero-americana. E quero ter as melhores relações com a região ibero-americana. Acredito que podemos fazer muitas coisas juntos, em um mundo cada vez mais aberto, cada vez mais global, onde há países como a China, com 1,4 bilhão de habitantes, a Índia com 1 bilhão, os Estados Unidos com 25% da riqueza mundial... A Europa é muito importante, mas a Espanha com a região ibero-americana pode também fazer muitas coisas em conjunto em benefício de nossos cidadãos.