Nota de cinco pesos argentinos (Diego Giudice/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 1 de setembro de 2018 às 08h00.
Última atualização em 1 de setembro de 2018 às 08h00.
“Não existe mais uma clara referência de preço após o tombo do peso."
Tommy Samson explica porque foi obrigado a frear negócios em meio à derrapada do mercado financeiro na Argentina. Sua empresa, sediada em Buenos Aires, importa equipamento cirúrgico, pagando em moeda estrangeira e vendendo a clientes locais em pesos.
A ponta final dessa operação está desmoronando porque a moeda argentina está em queda livre — o peso perdeu metade do valor neste ano e uns 20 por cento somente nesta semana. O câmbio ameaça espalhar confusão por toda a economia, que movimenta US$ 640 bilhões, interrompendo cadeias de fornecimento e deixando as famílias no aperto.
A situação também piora a perspectiva de reeleição de Mauricio Macri, no ano que vem. Embora seja o presidente argentino mais favorável ao mercado em mais de uma década, ele não consegue restaurar a confiança dos investidores.
Seu governo vem tentando. Na quinta-feira, o banco central elevou a taxa de juros para 60 por cento, a mais alta do mundo. Na véspera, Macri chocou a população –- e os investidores – ao solicitar adiantamento da liberação de recursos pelo Fundo Monetário Internacional.
O acordo de empréstimo de US$ 50 bilhões à Argentina, em junho, foi o maior da história do FMI. O país também estava sob um programa do FMI quando decretou moratória, em 2001. O evento foi o catalisador de mais de uma década de gastos públicos acelerados pelo governo populista de esquerda e de isolamento dos mercados financeiros internacionais, o que se reverteu com a eleição de Macri, em 2015.
Maria de los Angeles Rezk votou nele – “mas não faria de novo’.’
“Eu vejo um país que perdeu o rumo’’, disse a bancária de 46 anos após comprar dólares. Ela disse que esperaria para vendê-los mais tarde, porque espera que o peso continue se depreciando.
“Eles precisam encontrar uma forma de parar essa queda’’, ela disse. “O problema é que eles não sabem o que dizer.’’
O alerta já soava antes dessa última rodada de turbulência. O governo previa contração de 1 por cento na economia em 2018 — muito pior do que a expectativa de crescimento de 3 por cento apresentada no início do ano. A inflação permanece acima de 30 por cento e deve subir com a desvalorização cambial. Mesmo empresas que se abastecem localmente estão se desdobrando.
Pablo Ricatti produz pães para sanduíches e conta que comprou dois carregamentos de farinha há duas semanas “para me proteger de um aumento de preços’’. Seu fornecedor costumava aceitar pagamento em duas semanas, mas agora se recusa. “Preciso pagar imediatamente e vou fazer isso’’ porque os preços “estão subindo enquanto a gente tem esta conversa’’.
A resposta do governo à queda do peso também pode colaborar para esfriar a economia. O plano de Macri antes da crise era reduzir gradualmente o déficit público de 6,5 por cento do PIB no ano passado para 3,8 por cento em 2019.
Agora a expectativa é que os cortes sejam mais drásticos. O ministro do Tesouro, Nicolás Dujovne, disse a jornalistas na noite de quinta-feira que o governo divulgará na segunda-feira uma meta “substancialmente menor” para o déficit em 2019, abaixo de 1,3 por cento do PIB. Ele então irá a Washington para conversar com diretores do FMI.