(Kevin Lamarque/Reuters)
Da Redação
Publicado em 23 de junho de 2018 às 08h57.
Última atualização em 23 de junho de 2018 às 09h44.
O fim dos bancos
Jonathan McMillan
Companhia das Letras
272 páginas
——————–
“Banco é uma instituição que nos empresta dinheiro se apresentarmos provas suficientes de que não precisamos dele”, escreveu Apparício Torelly, mais conhecido como o Barão de Itararé, em uma de suas crônicas publicadas em meados do século passado. A verdade é que todo mundo tem um bom motivo para não gostar de bancos.
Esses motivos normalmente estão ligados à sensação de que as instituições bancárias ganham muito dinheiro de todos nós sem fazer “nada” além de pequenos serviços de agenciamento. É claro que não é bem assim. Mas há um movimento crescente, cada vez menos silencioso, de aversão aos bancos a ponto de, nos Estados Unidos, suscitar organizações e associações que pontificam um boicote a todas as instituições financeiras — e até mesmo aqui no Brasil há iniciativas semelhantes, ainda que muito restritas e silenciosas.
A resistência ganhou corpo a partir da crise de 2008, quando gigantes bancários foram colocados no centro do ciclone financeiro que assolou o planeta e drenaram recursos gigantescos, nunca vistos, dos governos, especialmente nos Estados Unidos. Lá, o Congresso aprovou um plano de recuperação de 700 bilhões de dólares – de acordo com a revista Time da época, o governo americano investiu um total de 10 trilhões de dólares para ajudar os bancos e sanar o colapso financeiro que estava ocorrendo.
Desde a crise de 2008, a ideia de acabar com os bancos vem adquirindo volume. No ano passado, a diretora geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, surpreendeu ao declarar, numa palestra, que a tecnologia, as moedas digitais, ou criptomoedas, estavam prestes a desafiar a existência dos bancos e que seria bom que aceitássemos logo essa ideia.
Mas como viver sem banco? Como pagar as contas, fazer transferências e guardar nosso rico dinheirinho?
O livro O fim dos bancos, publicado recentemente no Brasil, dá explicações inequívocas sobre o assunto e propõe, sem hesitação, aquilo que prega o título. O livro é assinado por Jonathan Mcmillan, um nome fictício, resultado de uma noitada de muita conversa, regada a cerveja num acolhedor pub inglês, entre dois autores, ambos muito experientes no mundo das finanças e sem nenhuma posição política — são técnicos cheios de elocubrações pós-modernas. Um deles trabalha nos centros financeiros de Nova York e Londres e precisa se manter anônimo, razão pela qual adotaram o pseudônimo. O outro é o economista suíço Jürg Müller, que pesquisa o impacto macroeconômico da atividade bancária.
A conversa entre os dois, reproduzida em entrevistas que Müller concedeu à época dos lançamento do livro, procurava soluções para a inquietante perspectiva de ocorrer uma nova crise financeira, preconizada por muitos financistas ao redor do mundo. Ele citou, por exemplo, o grande risco da economia chinesa, cuja dívida interna promete chegar a um montante em que poderá entrar em colapso de uma hora para outra.
Mas não é apenas a China que preocupa. Recentemente o Deutsche Bank emitiu um relatório no qual elenca onze riscos que podem gerar uma nova crise financeira, incluindo o fraco desempenho da economia japonesa, a saída do Reino Unido da União Europeia e a situação econômica da Itália. Müller e seu companheiro anônimo levaram em consideração todos esses argumentos e, conta ele, qualquer caminho que a conversa tomasse, chegavam à mesma conclusão: é preciso extinguir os bancos. Dizem os sábios que toda argumentação conduz a apenas uma entre duas soluções: o assunto morre, evapora-se, ou vira o livro. Os dois amigos optaram pela segunda alternativa.
Não foi uma reação emocional, motivada pelo ódio generalizado aos bancos. Mas uma constatação. Afinal, a grande drenagem financeira que os bancos exigiram por ocasião da crise não impediu que, ironicamente, eles arrecadassem lucros gigantescos desde então.
Para começo de conversa, o setor bancário tornou-se mais concentrado do que nunca. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de bancos caiu pela metade em 2009, ao passo que a participação dos quatro maiores bancos americanos subiu de 14% para mais de 40%. E eles são cada vez mais lucrativos. No ano passado, o lucro de apenas dez dos maiores bancos americanos bateu o recorde de 2007, obtendo um lucro de 30 bilhões de dólares nos últimos três meses do ano. No Brasil, o fenômeno é idêntico. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou recentemente também um recorde: em 2016, os cinco maiores bancos brasileiros tiveram juntos um lucro líquido de 69 bilhões de reais.
Os autores do livro são extremamente didáticos quando explicam a função dos bancos e os motivos pelos quais eles são nocivos à saúde financeira do planeta. Para espantar a preocupação de como pagar contas, fazer transferências e guardar o salário, eles explicam que essas são atividades bancárias que não precisam ser exercidas pelos bancos. Ao contrário: são serviços que podem ser executados pela tecnologia, o que efetivamente já acontece.
Mencionar a tecnologia financeira não é exatamente uma novidade — e nem uma solução. O conceito de “fintech”, uma amálgama de “finanças” e “tecnologia”, se disseminou nos últimos anos, e os próprios bancos criaram laboratórios de inovação, implantando soluções tecnológicas e empregando cada vez mais robôs para as decisões de investimento, em vez do clássico gerente bancário. Mas os autores advertem: “Não se deixe enganar pela recente euforia fintech. Ela esconde grandes perigos e imprevisíveis”. O que querem dizer é que na verdade as fintechs apenas deram soluções tecnológicas a funcionalidades bancárias, mas não promoveram transformações substancias no sistema financeiro.
Na verdade, essas questões não são as fundamentais quando se discute o papel dos bancos. Desde a Idade Média, quando foram criados, a função principal deles foi recolher depósitos de quem tinha moeda excedente e, com eles, fazer empréstimos. Ou seja, a verdadeira função dos bancos é criar moeda interna por meio de crédito. “Na era digital, as atividades bancárias não só fugiram ao controle como perderam a razão de ser. Embora já não sejam necessárias, elas continuarão a dominar o sistema financeiro. As novas possibilidades de gerenciar a moeda e o crédito não podem prevalecer enquanto as atividades bancárias descontroladas ainda forem possíveis. Com plenas garantias governamentais e sem regulação eficaz, elas continuarão lucrativas demais,sob uma perspectiva casuística e individual, apesar dos tremendos custos que impõem à sociedade. Por isso precisamos acabar com as atividades bancárias”, escrevem os autores.
No livro, são listados os três motivos principais que comprometem a existência dos bancos. O primeiro deles é o risco excessivo que assumem ao fazer suas operações de crédito, emprestando valores que não possuem, levando a criação de derivativos e se expondo a uma corrida bancária. Imagine se todos os depositantes de um grande banco corressem ao caixa para sacar seus depósitos. E, na verdade, o risco não é dos bancos, mas do governo, que sempre garante a liquidez dos depósitos, sob a máxima de que “são grandes demais para fecharem”.
O segundo motivo é que a atividade bancária se mistura e intoxica as políticas monetárias, criadas pelos bancos centrais para impedir crises sociais e econômicas, como inflação e desemprego. A conexão entre bancos e questões de caráter nacional nunca podem produzir resultados. O que leva ao terceiro motivo, que é a excessiva politização dos bancos centrais. Em outras palavras, estabelece-se vasos comunicantes entre os bancos e a atividade política do país e isso, de novo, não pode produzir bons resultados.
A parte final do livro é, talvez, a mais interessante pelo fato de fazer propostas concretas para exterminar os bancos. A principal delas é dividir as atividades bancárias em duas linhas de negócios separadas — a de emprestar e a de guardar — evitando assim a criação de moeda interna, não lastreada.
O contrato de depósito bancário voltaria a ser um contrato de guarda segura. Os depositantes de bancos restritos não receberiam juros, uma vez que seus depósitos não seriam mais usados para conceder empréstimos. Os bancos teriam que ter 100% de cobertura em dinheiro, ou seja, ter em caixa o equivalente dos depósitos recebidos. Essa exigência garantiria que sempre fossem capazes de atender aos pedidos de retirada dos depositantes. Se ocorresse, por exemplo, uma corrida aos bancos, eles teriam liquidez para honrar todos os depósitos feitos pelos clientes, dispensando, assim, a garantia do governo, o envolvimento com os bancos centrais e, principalmente, o empréstimo de valores que não possuem.
As propostas são provavelmente pouco realistas e o próprio Müller reconhece que a importância do livro está mais nas análises aprofundadas do papel dos bancos, da ameaça de uma nova crise financeira e das tendências futuras. Em outras palavras, falar é fácil, principalmente numa noitada regada à cerveja num acolhedor pub inglês.