Economia

Qual é, afinal, o papel do BNDES?

Ao longo dos anos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, assumiu diversos papéis na tentativa de ajudar o crescimento do país. Em 1952, quando foi criado no segundo governo de Getúlio Vargas, tinha o objetivo de ajudar a promover a industrialização. Mais tarde, foi fundamental no plano de metas “50 anos […]

MARIA SILVIA: a executiva ficou menos de um ano no cargo e vinha sendo pressionada dentro e fora do banco  / Ueslei Marcelino/ Reuters

MARIA SILVIA: a executiva ficou menos de um ano no cargo e vinha sendo pressionada dentro e fora do banco / Ueslei Marcelino/ Reuters

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 10 de junho de 2016 às 19h17.

Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h06.

Ao longo dos anos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, assumiu diversos papéis na tentativa de ajudar o crescimento do país. Em 1952, quando foi criado no segundo governo de Getúlio Vargas, tinha o objetivo de ajudar a promover a industrialização. Mais tarde, foi fundamental no plano de metas “50 anos em 5”, de Juscelino Kubitschek e no processo de modernização da indústria pelo qual o país passou na década de 1960. Em 1970 e 1980, ajudou na expansão da infraestrutura brasileira durante os governos militares e em 1990 atuou como importante garantidor nos processos de privatização e abertura econômica. A partir de 2007, passou a fazer parte do plano do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de criar “campeões nacionais”. Deu no que deu.

Não há dúvida de que o BNDES precisa de um novo rumo. Mas qual? É uma questão que nos remete a outra, mais profunda e potencialmente transformadora: qual é, afinal, o papel de um banco de fomento? Para a maioria dos economistas consultados por EXAME Hoje, a resposta é: “depende”. Depende do momento econômico do país e do cenário mundial.

Em um país em crise, em um momento em que o crédito de instituições privadas se contrai, a ação do BNDES deveria ser anticíclica, ajudando na saída do atoleiro. Foi assim que o banco agiu quanto teve papel importante para recuperação da crise de 2008. Por outro lado, em condições normais de temperatura e pressão, o ideal seria que bancos privados assumissem as rédeas da concessão de crédito.

Hora de mudar

Para mudar o passado recente de operações com fins políticos e racionalizar a estrutura de crédito, o primeiro passo para o BNDES é diminuir de tamanho. O banco, nos tempos de valorização do real, chegou a conceder mais de três vezes mais empréstimos do que o Banco Mundial, chegando a quase 100 bilhões de dólares em 2010, enquanto a instituição internacional desembolsou “apenas” 29 bilhões. “Ele precisa voltar para o tamanho que tinha pré-crise, com um desembolso anual de no máximo 100 bilhões de reais por ano”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper e autor do livro Reinventando o Capitalismo de Estado.

Menor, o banco poderia focar em setores que ajudem no desenvolvimento do país – eis, afinal, seu principal propósito. De acordo com a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute, de Washington, em um momento de crise, como o que o Brasil passa, o BNDES deveria voltar a facilitar investimentos em infraestrutura e logística para ajudar a diminuir os custos de produção.

Outro foco importante seria o investimento em pequenas e médias empresas de alto potencial. “Essas são as tendências desses bancos em outros países em desenvolvimento, como a China e a Colômbia”, diz Monica. Além disso, atender a demandas específicas do Brasil em áreas onde o crédito privado não seria viável, como para obras de saneamento básico mostraria o porquê do Social em seu nome.

Essa mudança teria que vir acompanhada do fim das escolhas políticas na hora de financiar empresas, priorizando critérios técnicos e o impacto dos projetos escolhidos. Durante os últimos anos, foram comuns financiamentos com juros subsidiados em que o dinheiro não era usado totalmente para os projetos escolhidos, o que acabava desvirtuando o papel do banco. O Conselho de Administração, por exemplo, ainda é tomado por indicações políticas.

Uma das questões levantadas pelo mercado é a possibilidade de o governo usar o BNDES para salvar grandes grupos empresariais que estão sentindo o peso das crises econômica e de corrupção. Só nos primeiros cinco meses de 2016, 755 empresas pediram recuperação judicial – 159 delas de grande porte – um número 95% maior do que no mesmo período de 2015. Seria uma forma de manter a atividade no país e preservar empregos.

O dinheiro do BNDES, por exemplo, poderia ser usado para ajudar empreiteiras como a Odebrecht, que emprega mais de 70.000 pessoas só no Brasil, em uma situação que para alguns é análoga ao que os Estados Unidos fizeram ao ajudar bancos que quebraram depois da crise de 2008. “O papel do banco não é esse. Se a Odebrecht quebrar, vida que segue. Ela pegou bilhões em financiamento e fez mau uso disso”, diz Monica de Bolle. Para ela e outros economistas, o caso dos bancos americanos era diferente porque se tratava do sistema financeiro, que tem efeito em cascata na economia. Além do mais, quem socorreu os bancos foi o Tesouro americano, e não um banco estatal.

Menos é mais

Até agora, as indicações dadas pela nova presidente do BNDES, Maria Silvia Marques, em seus primeiros discursos à frente do banco é de que o BNDES deverá focar sua atuação no financiamento das privatizações necessárias nos próximos anos tanto no âmbito nacional como no estadual, área na qual já trabalhou em sua outra passagem pelo banco, no início da década de 1990. Procurado, o BNDES não deu entrevista a EXAME Hoje.

Endividados, os estados terão que se desfazer de algumas de suas empresas públicas, passo que seria a maneira mais viável de remontar o caixa durante a crise. Silvia e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já sinalizaram que pretendem deslocar o eixo de investimentos para a área de infraestrutura.

Tudo indica que o BNDES deve mudar o perfil de investimentos e diminuir de tamanho nos próximos meses. Parte por vontade e parte pela necessidade de ajudar no controle da dívida pública da União, devolvendo 100 bilhões de reais ao Tesouro dos empréstimos que recebeu nos últimos anos, que somaram mais de 500 bilhões. A medida, no entanto, é questionada por economistas e o Tribunal de Contas da União abriu um processo para analisar o caso. Como o empréstimo deveria ser pago só daqui 20 anos, a antecipação, segundo analistas econômicos, pode ser uma reedição das pedaladas realizadas por Dilma Rousseff. Não tem data definida para a apreciação do caso.

Por outro lado, ainda que tímida, já existe uma pressão política para que não haja mudanças nos empréstimos vindos do banco. “Os empresários estão preocupados com um BNDES menor. Eles dizem que precisam dos subsídios. No Brasil, os empresários não querem pagar o pato dos impostos, mas querem os subsídios financiados pelo dinheiro público. É incompatível”, diz Lazzarini.

Volta ao passado?

Voltaríamos, neste caso, ao descontrole visto após a crise de 2008. É uma ciclotimia bem brasileira. Fazemos política anticíclica só na hora de aumentar os gastos em momentos de aperto, mas não na hora de economizar na bonança. O maior problema do BNDES na última década foi manter os créditos subsidiados mesmo após o final da crise de 2008.

Ao financiar com crédito barato empresas que poderiam buscar recursos no mercado, o BNDES dificultou a entrada das instituições privadas no setor. Entre seus maiores clientes nos últimos anos estão a Petrobras, a Eletrobrás, a JBS e a Vale. Os aportes do Tesouro no banco também ajudam a manter elevadas as taxas de juro e causaram distorções no mercado, na política monetária, potencializando a inflação, e não tiveram reflexo na produtividade do país.

Em 2007, por exemplo, o desembolso do BNDES foi de 65 bilhões de reais. No auge da crise, em 2009, foi mais que o dobro, chegando a 136 bilhões de reais. O aporte de recursos do tesouro, que era de 7% em 2007, passou a ser de 37% em 2009. Até aqui, tudo bem para uma política de redução de danos durante a crise. Já em 2013, quando o país já não sentia mais o impacto dos problemas internacionais, os desembolsos continuaram crescendo e chegaram a 190 bilhões, o recorde na história do banco, com mais da metade do dinheiro saindo do Tesouro nacional. Parece que, visto o fracasso dos últimos anos, finalmente chegou a hora de o BNDES atuar com a política certa na hora certa.

 (Gian Kojikovski) 

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