Sacos de cimento Votoran, da Votorantim Cimentos: tendência é que a multa bilionária e obrigação de venda de ativos acabe parando nos tribunais (Marcos Rosa/VEJA)
Da Redação
Publicado em 23 de janeiro de 2014 às 15h48.
São Paulo - O mercado brasileiro de cimento mergulhou numa onda de incertezas após o julgamento interrompido do órgão antitruste brasileiro, Cade, na quarta-feira. A tendência é que a multa bilionária e obrigação de venda de ativos acabe parando nos tribunais, numa disputa que pode levar anos para ser resolvida, disseram advogados e analistas do setor.
Apesar do pedido de vistas que adiou a decisão definitiva na quarta-feira, o voto do relator do caso sobre a existência de cartel no setor de cimento provavelmente não será revertido ou mesmo diluído, afirmaram fontes próximas da situação.
"Acho muito pouco provável, quase impossível, que a decisão mude (após o pedido de vistas), dadas as circunstâncias", disse um advogado próximo da situação que pediu para não ser identificado diante da sensibilidade do assunto.
No julgamento de quarta-feira, três de cinco conselheiros votantes no caso anteciparam os votos concordando com o relator Alessandro Octaviani. No voto, Octaviani defendeu a condenação do grupo de empresas formado por Votorantim Cimentos, Holcim HOLN.VX, Cimpor CPR.LS e InterCement (do grupo Camargo Corrêa), Itabira Agro Industrial e Companhia de Cimentos Itambé.
As penalidades incluem um total de multas de 3,1 bilhões de reais, venda de 22 a 35 por cento da capacidade instalada de produção das empresas, venda de participações minoritárias em outras companhias e proibição de aquisições.
Durante a leitura de seu voto, Octaviani disse que as empresas combinaram preços, dividiram mercados e clientes e criaram impeditivos para a entrada de novos concorrentes, inclusive trabalharam, juntamente com entidades setoriais, para mudar normas técnicas de modo a excluir competidores.
Ele afirmou que as práticas de cartel começaram há cerca de 20 anos e que provocou danos à economia de 28 bilhões de reais com o esquema.
O valor das multas e a obrigação de venda de ativos são itens do julgamento considerados inéditos em casos de cartel e podem forçar uma reformulação do mercado nacional de cimento, que tem vendas anuais de cerca de 70 milhões de toneladas, segundo dados do setor.
"Acho que o caminho que pretende trilhar o Cade é esse mesmo: de resgatar a confiança de que o setor é competitivo", disse o analista Pedro Galdi, da corretora SLW.
"O problema é: quem vai entrar? Se você forçar a indústria a vender pedaços, quem será o comprador? A Europa está quebrada. Podemos ter a CSN fazendo oferta por ativos, mas e se a Votorantim não quiser vender a preço de banana? O problema é preço e uma potencial falta de compradores", acrescentou.
IPO Ameaçado
Além de alterar a dinâmica do mercado, o julgamento também pode solapar os planos da Votorantim Cimentos de fazer uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) bilionária para fomentar seu crescimento. A empresa, que no início de 2012 tinha dívida de 12,3 bilhões de reais, retirou em agosto pedido de IPO, uma operação avaliada em 10,3 bilhões de reais.
"Quando o IPO da Votorantim Cimentos estava sendo organizado, nunca ouvi ninguém vendo o Cade como um problema potencial", disse uma fonte a par do assunto à Reuters. "Mas não tenho dúvida de que o assunto pode se tornar significativo para a Votorantim daqui para frente", acrescentou.
Em novembro, o IFR, serviço da Thomson Reuters, havia publicado que a Votorantim Cimentos estava se reunindo informalmente com investidores para avaliar a retomada do IPO este ano.
"A decisão cria uma nuvem de incerteza monumental e afeta o valor futuro da empresa drasticamente, pois o Cade mandou vender 35 por cento da capacidade de produção, além de mandar vender participação societária em várias empresas e proibir novas aquisições por 10 anos", disse o advogado.
Procurada, a Votorantim Cimentos afirmou que não comentará o assunto até a decisão final do Cade. A companhia controla cerca de 40 por cento do mercado brasileiro de cimentos.
Briga na Justiça
Com expectativas baixas de revisão do julgamento, as empresas envolvidas agora se voltam para obter liminares e evitar o pagamento em juízo das multas, já que uma nova tentativa de acordo das empresas com o Cade não é mais possível, disseram as fontes.
As cimenteiras planejam contestar "cada aspecto" da decisão do Cade nos tribunais, disse uma fonte a par do assunto. O executivo também sugeriu que o Cade parece estar "mirando alto", pois os reguladores sabem que a decisão final da autarquia poderá ser "significativamente menos dramática" depois de avaliada na esfera judicial.
Octaviani propôs multas de 1,5 bilhão de reais para a Votorantim, 538 milhões de reais para as cimenteiras InterCement e Cimpor (do grupo Camargo Corrêa), 508 milhões de reais para a Holcim, 411 milhões para a Itabira e 88 milhões para a Cimentos Itambé.
Procurados, o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic) e a Camargo Corrêa não comentaram o assunto. A Holcim afirmou que age de acordo com a legislação e pratica livre concorrência em todos os mercados em que atua, e que vai esperar a decisão final do Cade para "endereçar o tema de acordo com suas políticas internas e estratégias corporativas".