Dinheiro: Empresas que tiveram incentivos fiscais nos últimos cinco anos podem ser obrigadas a devolver os valores não pagos (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2014 às 17h41.
São Paulo - A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) colocar em pauta uma proposta de Súmula Vinculante que visa acabar com a guerra fiscal entre os estados poderá resultar em uma dívida bilionária para as empresas.
Se aprovado da forma como está, o texto, que torna inconstitucional todos os benefícios fiscais de ICMS concedidos sem a aprovação unânime do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), abre espaço para uma cobrança retroativa dos descontos.
Segundo uma fonte com conhecimento no assunto, considerando todos os setores produtivos do País esse débito pode chegar a algo em torno R$ 700 bilhões.
Especialistas na área tributária consultados pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, explicam que, como a proposta de Súmula nº 69 não define se a decisão terá efeito apenas prospectivo ou ainda retroativo, as companhias que utilizaram tais benefícios nos últimos cinco anos podem ser obrigadas a devolver os valores não pagos.
Se aceita, a proposta irá declarar inconstitucional toda isenção, incentivo, redução de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício relativo ao ICMS concedido à revelia do acordo no Confaz.
"A Súmula em si não é uma grande novidade, a grande discussão agora é exatamente essa: qual serão os efeitos para contribuintes e para os Estados?", avalia Renato Souza Coelho, sócio da Stocche Forbes Padis Filizzola Clapis Advogados. Apresentada em 2012 pelo ministro Gilmar Mendes, a proposta recebeu em setembro manifestação da Comissão de Jurisprudência do STF, o que sugere que o assunto será incluído em pauta.
A súmula vinculante é um mecanismo que obriga juízes de todos os tribunais a seguirem o entendimento adotado pelo STF sobre determinado tema. Com a decisão do Supremo, a súmula vinculante adquire força de lei e cria um vínculo jurídico, não podendo mais, portanto, ser contrariada.
"A possível edição da Súmula com certeza é um fator preocupante para as empresas. O risco da cobrança retroativa existe e não pode ser descartado", afirma o sócio da área Tributária do Siqueira Castro Advogados, Maucir Fregonesi Junior.
"Em teoria, a cobrança retroativa pode acontecer, mas isso geraria um caos e abalaria fortemente a segurança jurídica das empresas, além de não resolver o problema da guerra fiscal entre os Estados", diz a sócia de Prática Tributária do escritório Mattos Filho, Renata Correia Cubas.
Segundo a advogada, é difícil imaginar um setor que não fosse afetado pela decisão: "exportadores e importadores de bens, serviços de comunicação, transportes... Todos os setores que são contribuintes do ICMS seriam potencialmente impactados".
Na avaliação do gerente executivo Jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Cássio Borges, o impacto de tal decisão certamente geraria uma grande dificuldade no caixa das companhias, o que exigiria uma readequação dos balanços financeiros. "A questão realmente desperta receio no empresariado, porque, da forma como está, o texto gera um impacto automático", afirma.
Para os especialistas, no entanto, a possibilidade de que uma eventual cobrança retroativa recaia sobre as companhias é mais teórica do que prática. Os advogados lembram que o Supremo já se manifestou reiteradamente em casos pontuais pela inconstitucionalidade da concessão de benefícios fiscais concedidos unilateralmente e, nessas ocasiões, não houve qualquer tipo de pagamento retroativo. Além disso, durante o julgamento da Súmula, o STF deve discutir a modulação dos efeitos, o que na prática significa decidir se os benefícios já concedidos serão ou não perdoados.
Apesar da cobrança retroativa ser, por enquanto, apenas uma hipótese, Borges, da CNI, alerta também para um risco de realocação de investimentos. Segundo ele, mesmo que os benefícios passados sejam convalidados, a decisão pela inconstitucionalidade dos descontos de ICMS pode fazer com que diversas empresas revejam os investimentos realizados em determinados Estados, que, sem a isenção, não são considerados atrativos. "A partir do momento em que o benefício é inexistente, pode ocorrer um deslocamento para os grandes centros econômicos", explica.
O sócio de impostos da KPMG no Brasil, Marcus Vinicius Gonçalves, também ressalta que, mesmo se não houver cobrança dos retroativos, o impacto do fim dos benefícios de ICMS é preocupante porque prejudica o planejamento estratégico dos setores afetados. Segundo ele, as empresas instalaram, no passado, fábricas que se baseiam no incentivo fiscal para serem operacionais e o fim das desonerações pode inviabilizar diversas unidades.
Na opinião dele, esta será uma decisão mais política do que econômica. "Tecnicamente, a decisão pelo pagamento dos benefícios recebidos no passado é a que tem mais argumentos fortes", diz Gonçalves. "Mas eu acredito que essa decisão vai ser política. E, nesse aspecto, tem muitas forças trabalhando para que não haja cobrança das empresas."
Legislativo
Apesar de do ponto de vista processual a proposta do ministro Gilmar Mendes estar pronta para ser colocada em pauta, nos bastidores o Supremo aguarda o avanço da negociação sobre o tema no Legislativo. Simultaneamente à proposta de Súmula Vinculante, existe no Congresso o projeto de Lei Complementar nº 130 que prevê a convalidação dos benefícios já concedidos, além da eliminação da necessidade de aprovação por unanimidade no Confaz.
Segundo os especialistas, a solução pelo Legislativo é a mais adequada. O Congresso, no entanto, pouco avançou nos dois últimos anos na votação de uma proposta que garanta uma anistia aos incentivos fiscais já concedidos unilateralmente pelos Estados. O atual projeto precisa primeiro ser aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e o consenso é de que isso ocorrerá apenas após as eleições. Depois disso, a proposta, que deve sofrer modificações, ainda terá de passar pelo plenário do Senado e pela Câmara dos Deputados. (Colaboraram Beatriz Bulla e Ricardo Brito)