Crise: no entanto, empresários e o setor financeiro aplaudem algumas reformas e confiam em um crescimento de 3% em 2017 (Getty Images)
AFP
Publicado em 8 de dezembro de 2016 às 17h56.
O primeiro ano de gestão do presidente Mauricio Macri se encerra com 200 mil desempregados, inflação de 45% e uma economia argentina em recessão.
Diametralmente oposta ao protecionismo de seus antecessores kirchneristas, a grande mudança econômico-liberal promete decolar em 2017, mas o desânimo toma conta do cidadão comum.
Da chamada "revolução da alegria" prometida em campanha, Macri termina um ano de ajustes macroeconômicos que afetaram e dividem a classe trabalhadora, o comércio e a indústria.
Empresários e o setor financeiro aplaudem algumas reformas e confiam em um crescimento de 3% em 2017, conforme números divulgados pelo governo.
"Não acreditamos em soluções mágicas", disse Macri na quarta-feira (7), irritado com a inesperada união de deputados da oposição em um projeto de lei que reduz o imposto sobre o salário.
Macri sofreu, assim, sua pior derrota política desde que assumiu o cargo em 10 de dezembro passado. Agora, a esperança do governo é que o Senado ponha um freio ao projeto, evitando o custo de um veto.
Esse mais recente golpe acontece em meio a uma semana marcada por uma onda de protestos após o aniversário de um ano de uma desvalorização de 32%.
Para analistas políticos, foi um primeiro ano positivo pela magnitude das mudanças realizadas com minoria no Congresso e sem o apoio da base sindical.
Entre economistas, há alarme, porque em um ano o endividamento foi recorde.
"Um modelo que funciona assim indefectivelmente termina em uma situação de colapso", alertou o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna, artífice da troca da dívida argentina em 2005.
Com 43,1% de desaprovação, contra 25,9% de apoio, o presidente Macri dá nota 8 para seu governo.
"Eu avisei vocês: não sou David Copperfield", afirmou, referindo-se ao célebre ilusionista.
Boa parte dos 51% que votaram em Macri assumiram que o ajuste era "o preço" a pagar para um segundo semestre de prosperidade, como ele prometeu. O fato é que essa esperança teve de ser adiada para 2017.
A Igreja católica alertou que, nos primeiros meses de governo macrista, 1,4 milhão de argentinos passaram para situação de pobreza, chegando a 32,2%.
Manifestações de sindicatos e da sociedade civil não deram trégua, depois dos aumentos nas tarifas de gás, luz e água entre 200% e 2.000%, além das demissões de mais de 200 mil, segundo números oficiais.
Para o cientista político Rosendo Fraga, o "quadro geral" da política mostra que, mesmo com minoria no Congresso, o governo Macri "conseguiu aprovar os projetos-chave para a governabilidade".
"O acordo com os credores em março, a lavagem (anistia fiscal), a Reforma da Previdência no meio do ano e o Orçamento 2017", enumerou Fraga.
Esta semana, o chefe de gabinete da Casa Rosada, Marcos Peña, cérebro macrista, reconheceu que "foi um ano duro na área econômica", mas que "sentimos que há uma maioria que apoia o governo".
O déficit fiscal argentino beira 7%, segundo números do governo, que recorreu a recordes de endividamento em um ano para se financiar.
O excesso de endividamento levou a Argentina à crise de hiperinflação em 1989 e à maior hecatombe financeira de sua história, em 2001.
"Vemos com preocupação que, em 2016, o país emitiu US$ 53,527 bilhões até novembro. E se projeta uma emissão superior para 2017", disse à AFP o ex-diretor do Banco Central e diretor do novo Observatório da Dívida Externa da Universidade Metropolitana para a Educação e o Trabalho (Umet), Arnaldo Bocco.
Somente durante a gestão de Macri "a dívida total do Tesouro aumentou de 43,5% do PIB para 55%", de acordo com o informe do Observatório e, para 2017, beira 60% do PIB.
O governo arrancou aplausos do mundo financeiro, após pagar em março US$ 11 bilhões para encerrar o litígio que se arrastou por 14 anos entre Buenos Aires e os fundos "holdout" em Nova York, os chamados "fundos abutres".
Depois, liberou-se o dólar de um controle cambial em vigor desde 2011, abriram-se as importações e retiraram-se as retenções às exportações dos setores agrícola e de mineração.
"A Argentina volta ao mundo" se tornou um slogan do gabinete, com o presidente recebendo visitas de chefes de Estado e de governo de Estados Unidos, França, Macedônia, Finlândia, Japão e Canadá, por exemplo.
A detenção, desde janeiro, da líder social indígena Milagro Salas, em Jujuy (no norte do país), ainda é uma mácula em suas relações exteriores. A ONU determinou que a prisão de Milagro é arbitrária e, juntamente com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com a Anistia Internacional e com ativistas de direitos humanos, reivindica sua libertação.