O empresário Ronaldo dos Santos, presidente da Associação Paulista de Supermercados (APAS) (APAS/Divulgação)
Ligia Tuon
Publicado em 11 de setembro de 2020 às 17h12.
Última atualização em 11 de setembro de 2020 às 20h27.
O preço do arroz é o assunto da vez. Item básico do prato do brasileiro, o grão teve uma valorização relâmpago em meio à pandemia, levando todos os olhos da gestão pública e de entidades de defesa do consumidor aos supermercados. Há manipulação de preços? Empresários estão se aproveitando para aumentar suas margens de lucro? Vai faltar nas prateleiras?
Não, não e não. Segundo Ronaldo dos Santos, presidente Associação Paulista de Supermercados (Apas), está claro que o cenário foi formado pela junção de três motivos: alta da demanda interna e externa, câmbio valorizado e valor da commodity.
"Faz tempo que o setor não vê uma alta elevada como essa do arroz. A saca do produto estava em 43 reais em janeiro e já chega a 100 reais atualmente", diz o empresário. Pelo Índice de Preços de Supermercados, o arroz valorizou 25,7%, de janeiro a agosto.
Esse salto fez com que o Ministério da Justiça desse cinco dias para que os estabelecimentos explicassem a alta. O mercado estranhou a medida, que chegou até a ser questionada pelo Ministério da Economia. Nesta sexta-feira, O governador de São Paulo, João Doria, anunciou que será feita no estado uma operação especial de monitoramento e combate à precificação excessiva.
Segundo Santos, no entanto, é normal que os estabelecimentos estejam no olho do furacão, já que são a parte mais sensível da cadeia, por ter relação direta com os consumidores.
Uma das medidas do governo para tentar amenizar o aumento, a pedido da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), foi zerar até o fim do ano a taxa de importação do arroz, que tem alíquota de 12% para produtos importados de países de fora do Mercosul e de 10% sobre o produto em casca.
"A mudança tem potencial para fazer cair de 10% a 12% o valor do item nas prateleiras, desde que as outras variáveis não se alterem, como o dólar e a demanda externa", diz.
Leia trechos da entrevista:
Governantes têm pressionado os supermercados para que não coloquem preços abusivos nos produtos básicos, em decorrência do recente salto no valor desses itens. Como o setor recebe isso?
É natural que uma elevação de preço como essa gere uma ação dessas por parte do poder público e dos órgãos de defesa do consumidor, para verificar se não tem aumento abusivo. A própria lei já coloca penalidade para isso.
O aumento da demanda interna por itens básicos pressionou os preços, mas há outros dois fatores principais que explicam essa variação. A alta das commodities no mercado internacional, que impacta o preço, porque o Brasil exporta e importa arroz todo ano, é um deles.
Além de o preço internacional do grão ter aumentado, o câmbio também influencia nos valores, já que o dólar tem valorizado mais em relação ao real. Juntos, esses três fatores pressionam o preço no mercado interno.
O senhor se lembra de uma alta tão significativa de itens básicos, como a que o arroz está tendo agora?
Faz tempo que o setor não vê uma alta elevada como essa do arroz. A saca do produto estava em 43 reais em janeiro e já chega a 100 reais atualmente. É uma elevação bem mais significativa do que teve a carne no final do ano passado. Lembrando que, na época, a arroba do boi foi de 150 reais para 230 reais.
Estou na presidência da Apas há dois anos, mas já era do setor. Desde 2008, o acumulado anual até agosto do preço do arroz não alcançava o patamar que está agora. De janeiro até agosto, a inflação no arroz está em 25,7%, segundo o Índice de Preços de Supermercados que publicamos mensalmente com a Fipe.
A cadeia produtiva dos grãos é longa. Por que o senhor acha que os supermercados acabaram tendo de explicar um aumento que começou lá atrás?
A cadeia produtiva é longa, mas quem faz a relação com o consumidor são os supermercados. Nós somos a cadeia que fornece produtos essenciais e o consumidor só tem essa percepção de aumento nos preços, naturalmente, no momento que os produtos chegam na loja, apesar de ter começado lá atrás. Por isso, a sensibilidade do setor a esse movimento é maior.
O setor privado está fazendo o papel dele. Continua fazendo abastecimento normalmente. São produtos essenciais. A recomendação da Apas a seus associados é que comprem o mínimo necessário para não faltar. Sobre o preço, se o varejo está pagando mais, vai ter de fazer um repasse.
Há pouco mais de dez dias, a Abras, que representa os supermercados a nível nacional, comunicou o Ministério da Agricultura sobre essa elevação e, naquela época, ainda havia taxa de importação em torno de 12% sobre o arroz. Eles atenderam ao pedido.
Qual será o impacto da suspensão de impostos sobre importação de arroz no preço do produto?
A suspensão da taxa não resolve o problema de preço, mas é um atenuante. De uma forma geral, o impacto da taxa não é relevante, mas tem potencial para fazer cair de 10% a 12% o valor do item nas prateleiras, desde que as outras variáveis não se alterem, como o dólar e a demanda externa.
Acha que os estabelecimentos repassariam essa queda no valor final?
Fizemos uma reunião hoje com a Secretaria de Defesa do Consumidor e com os produtores de arroz, soja leite. A precificação do produto é feita ao longo da cadeia.
Nossa cadeia é extremamente concorrida. Pelo varejo, só a Apas tem 4.000 lojas associadas, fora os estabelecimentos que não são associados. No nível nacional, a Abras tem 80.000 lojas. Por ser um produto muito sensível a preço, as próprias cadeias, que normalmente têm margem espremida, trabalham de forma muito justa e, por isso, quando há variações, obviamente, o preço é repassado, para mais ou para menos.
Há preocupação com abastecimento?
Com a retirada da taxa de importação, entendo que não deve haver problema, apesar de alguns associados terem reduzido a quantidade do produto nas prateleiras. Não queremos que alguém vá na loja e leve 10.000 pacotes.