"Pedaladas": expressão foi cunhada durante o governo Dilma (Spencer Platt/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 29 de setembro de 2020 às 18h32.
Última atualização em 29 de setembro de 2020 às 18h55.
Os precatórios entraram na ordem do dia nesta segunda-feira, após o governo anunciar o Renda Cidadã, programa de renda mínima que dará continuidade ao auxílio emergencial pago aos mais vulneráveis durante a pandemia. O valor das parcelas ainda não foi detalhado, mas a fonte de financiamento irritou o mercado e gerou queixas de economistas e especialistas orçamentários.
A ideia da equipe econômica é usar parte do montante que seria destinada ao pagamento de precatórios — que nada mais são do que dívidas judiciais do Poder Público —, e uma parcela de até 5% de recursos novos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Quando uma pessoa ou uma empresa processa a União e ganha a causa, passa a ser detentora de um título, que é como se fosse um reconhecimento da Justiça. O problema é que, pela regra sugerida ontem, o pagamento dos precatórios será limitado a 2% das receitas recorrentes líquidas federais.
"O que estamos vendo é o que chamamos de 'goteira' no teto de gastos, versão soft de uma mudança abrupta de regime fiscal", diz Gabriel Barros, economista do BTG. O teto de gastos virou lei em 2017 e impede que os gastos públicos de um ano sejam maiores do que no ano anterior mais a inflação do período.
O governo trabalha com cobertor curto para não desrespeitar o limite estabelecido pelo teto, já que cerca de 95% de suas despesas estão destinadas a obrigações fixas. Apesar de existirem "desde sempre", os precatórios são considerados gastos "eventuais" e entram nesses cerca de 5% restantes do Orçamento. A ideia do governo é prolongar essas obrigações judiciais, o que vem sendo considerado um drible ao teto. A equipe econômica quer também adiar as dívidas com o Fundeb, o que é visto como "pedaladas".
O termo "pedalada fiscal" foi criado durante o governo Dilma, em 2014, em razão do adiamento de repasses para bancos públicos para que a situação orçamentária fosse aliviada momentaneamente. É o que o mercado diz que está acontecendo agora.
"Não podemos esquecer que os precatórios vêm de ordens judiciais que, se o governo deixar de cumprir, vai unilateralmente deixar de pagar suas dívidas, o que criaria insegurança jurídica e seria péssimo para a nota de crédito do Brasil", diz Flávio Brando, ex-presidente da Comissão de Precatórios das OAB Nacional.