Economia

Por que o Brasil cresceu muito menos do que o esperado em 2018

Dados do PIB decepcionaram; "2018 foi um ano atípico com uma coleção inédita de choques dentro e fora do país", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB

São Bernardo do Campo: queda de 71% no número de lançamentos no ano passado / Leandro Fonseca (Leandro Fonseca/Exame)

São Bernardo do Campo: queda de 71% no número de lançamentos no ano passado / Leandro Fonseca (Leandro Fonseca/Exame)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 12h51.

Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 15h45.

São Paulo - Em janeiro de 2018, a previsão dos economistas, compilada no Boletim Focus do Banco Central, era que o Brasil fecharia o ano com um crescimento de 2,7%.

Seria uma aceleração importante em relação ao 1,1% registrados em 2017, ainda que sem força para compensar a queda acumulada de 7% na recessão de 2015 e 2016.

Nesta quinta-feira (28), o IBGE divulgou os dados de crescimento do ano: 1,1%, a exata mesma taxa do ano anterior.

O PIB per capita do brasileiro segue praticamente estagnado mesmo após a retomada e a atividade está no mesmo nível do primeiro semestre de 2012, ainda 5,1% abaixo do pico do início de 2014.

O resultado mais fraco foi sendo antecipado ao longo do ano após uma série de decepções.

"2018 foi um ano atípico com uma coleção inédita de choques por todos os lados, dentro e fora do país", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Veja alguns dos fatores que pesaram:

Cenário internacional

O ano começou com dados surpreendentemente bons de emprego e salários nos Estados Unidos, gerando uma expectativa de alta da inflação americana e portanto, mais altas dos juros ao longo de 2018.

Com juros mais altos nos EUA, fica mais vantajoso para o investidor enviar o seu dinheiro para lá, o que aperta as condições financeiras e pressiona as moedas dos países emergentes.

A situação foi especialmente ruim na Argentina, que em crise cambial recorreu ao FMI e fez um forte ajuste. O país é o terceiro maior comprador de produtos brasileiros e suas dificuldades bateram em  setores que vinham bem por aqui, como o automobilístico.

"A recessão na Argentina foi muito forte no final do ano e pegou em cheio a indústria de transformação, que foi negativa no último trimestre", diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do IBRE/FGV.

Além disso, a China segue em desaceleração e a Europa sofre com incertezas na Alemanha, Itália e com o Brexit. Nos EUA, o mercado balançou e fez o Fed interromper a escalada dos juros por enquanto.

O fantasma da guerra comercial de Trump também acompanhou a economia mundial ao longo do ano e está longe de ser resolvida apesar dos últimos sinais auspiciosos de um acordo entre EUA e China.

Greve dos caminhoneiros

No Brasil, o principal choque veio em maio com a greve dos caminhoneiros, que travou grandes cidades no país por 10 dias e gerou desabastecimento e interrupção de produção e exportações.

A solução para o impasse via tabelamento do frete gerou custo fiscal para o governo e a queda do presidente da Petrobras, além de mais instabilidade política. O segundo trimestre teve crescimento nulo.

Nem todos os efeitos eram recuperáveis e há estimativas de perdas na casa dos R$ 50 bilhões. Sérgio Vale calcula que a greve tirou sozinha 1,2 ponto percentual do crescimento do ano.

"O consumo das famílias teve um choque e desde então a recuperação veio muito instável", diz Silvia.

Eleições

2018 também foi um ano eleitoral, que já costumam ser mais imprevisíveis. A situação piorou quando ficou claro que se caminhava para um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.

Bolsonaro, apesar de prometer uma agenda liberal, tinha um histórico nacionalista e posições radicais, enquanto Haddad era associado aos erros de política econômica do PT que desembocaram na recessão.

Os indicadores de confiança cresceram muito desde a eleição do Bolsonaro mas ainda não surtiram efeito concreto na atividade. Os primeiros dados do primeiro trimestre do ano não indicam aceleração.

Fraquezas estruturais

A boa notícia é que o país parece ter atingido um patamar estruturalmente baixo de inflação e juros, que passaram estáveis pelo ano difícil. A má notícia é que isso não se traduziu em crescimento mais rápido.

"A política monetária não está contribuindo o tanto que se imaginava. As famílias diminuíram muito o seu grau de alavancagem, então tem espaço para crescer aí. Mas as empresas ainda estão mais alavancadas do que no período anterior", diz Artur Passos, economista do Itaú Unibanco.

Não há qualquer previsão de melhora rápida do desemprego, hoje em 12%. Na medida que surgem vagas, mais pessoas voltam ao mercado para procurar emprego, pressionando novamente a taxa.

O que pode acontecer antes é uma melhora da formalização e alta da massa salarial. O consumo das famílias responde por 60% do PIB e vem sendo o principal impulso do crescimento.

Já o investimento conseguiu em 2018 o seu primeiro resultado positivo após 4 anos, mas está longe de recuperar o tombo acumulado de 30% com a recessão.

Quase metade do investimento é construção civil e o setor ainda patina por depender de otimismo e crédito de longo prazo, além de redução dos estoques acumulados.

Reforma da Previdência

Uma das questões de fundo é que o país vive um estado de incerteza constante sobre a sua capacidade de controlar a dívida, e o teto de gastos não se sustenta sem uma reforma da Previdência.

A proposta apresentada pelo governo Bolsonaro foi considerada ambiciosa e bem desenhada, mas há dúvidas sobre a capacidade de articulação política para aprová-la. O processo de tramitação de uma emenda constitucional é longo e promete turbulências até pelo menos setembro.

Atualmente, as previsões do mercado são de aceleração do crescimento para o patamar entre 2% e 2,5% neste ano e algo mais próximo de 3% no ano que vem, mas isso depende de uma reforma robusta.

"O fracasso em entregar medidas críveis e tangíveis para reduzir o déficit fiscal (fluxo) e com isso estabilizar a dinâmica da dívida (estoque) pode prejudicar a confiança e minar a recuperação econômica prevista", escreve Alberto Ramos, chefe de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs.

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