Ilan Goldfajn: "Mundo está incerto desde a crise de 2008" (Andre Coelho/Bloomberg/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 29 de novembro de 2019 às 11h53.
Última atualização em 29 de novembro de 2019 às 12h37.
São Paulo - Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central durante o governo de Michel Temer, acredita que o novo patamar de juros "veio para ficar" e que mesmo com flutuações futuras, a taxa de dois dígitos "provavelmente não volta".
O diagnóstico foi feito no "Seminário Política Monetária e Juros Neutros: conjuntura favorável ou mudança estrutural?", realizado pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) nesta sexta-feira (29).
Ilan destacou que a queda dos juros no país é um fenômeno que vem se construindo ao longo das últimas décadas, com alguns repiques temporários. A grande novidade é a mudança do patamar.
A taxa Selic é atualmente a menor da sua história, em 5%, e a previsão do mercado é que deve ser feito um novo corte de meio ponto porcentual na última reunião do Copom neste ano, nos dias 10 e 11 de dezembro. Em outubro de 2016, quando começou o ciclo de queda, a taxa de juros era quase três vezes maior, em 14,25%.
A primeira razão central para essa queda histórica, na visão de Ilan, é um cenário global de pouco desejo de investir, exacerbado pelo conflito comercial, e maior busca por ativos seguros:
"O mundo incerto desde a crise de 2008 está levando a uma queda nos juros no mundo, e isso condiciona todos os países que estão de uma certa forma ligados globalmente", diz. Ele também vê razões estruturais e tecnológicas, como a maior facilidade de comparação de preços, o que chama de "efeito Amazon".
A outra razão para a queda dos juros, neste caso interna, seria a "mudança no mix de política econômica". Ao longo das últimas décadas, o Brasil foi encontrando formas de financiar a expansão dos seus gastos, primeiro via inflação, depois via aumento de carga tributária, e depois via crescimento da dívida, e todas encontraram um limite.
"Durante anos foi fiscal no acelerador e monetária no freio", disse Ilan, uma situação que se inverteu a partir da recessão brutal em 2015 e 2016 e o início de um ajuste fiscal estrutural.
Ele também citou fatores como a mudança na taxa de juros de referência do BNDES e o recuo da parcela de crédito direcionado e subsidiado, o que também aumenta a potência da política monetária.
Ilan disse que apenas "duas ou três decisões são de fato importantes" em uma gestão de BC, e que no seu caso, uma delas teria sido a decisão ainda em 2016 de não mudar a meta de inflação para o ano seguinte.
"Por que abandonar a meta se você tem chance de cumprir?", questionou. "Os mesmos que tinham pedido para aumentar a meta criticaram quando depois conseguiu ficar abaixo".
O debate na FGV mostrou que há certa divergência entre economistas sobre até que ponto será possível manter os juros em um patamar tão baixo ao longo do tempo.
O motivo é que o país está atualmente com um grande hiato entre a sua atividade econômica real e potencial, o que segura pressões inflacionárias, mas que não vai durar para sempre.
"O fenômeno estrutural foi exacerbado no curto prazo por um fenômeno conjuntural chamado Dilma Rousseff”, disse Marcelo Portugal, economista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em referência aos erros de política econômica que causaram a crise.
No entanto, ele é otimista sobre a mudança no patamar, e destacou previsões de que o fechamento do hiato do produto só será fechado em 2022, dando bastante tempo para adaptação.
“Estamos sem duvida em um nível mais baixo de taxa neutra, essa é uma tendência que vem de um década e meia e temos motivos para comemorar, porque houve evolução em varias áreas", disse Roberto Perelli, economista-sênior do FMI (Fundo Monetário Internacional).
"Mas temos vários ventos de popa, vários fatores que nos ajudaram e que não sabemos por quanto tempo vai durar”, completou destacando que sua opinião é pessoal e não reflete necessariamente a visão do FMI.