Economia

Por que a expectativa para o PIB do ano sempre acaba frustrada no Brasil

Já virou tradição que as apostas dos economistas para o crescimento do país se mostrem otimistas demais ao longo do ano. O que está acontecendo?

Economistas "não estão com nada"? Pergunta foi levantada em evento do  Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE) (peshkov/Getty Images)

Economistas "não estão com nada"? Pergunta foi levantada em evento do  Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE) (peshkov/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 25 de maio de 2019 às 08h01.

Última atualização em 25 de maio de 2019 às 11h57.

São Paulo — A expectativa por uma melhora na economia do Brasil deixou economistas salivando em vão no início do ano. 

A mediana das projeções de crescimento para 2019 está caindo há 12 semanas consecutivas no Boletim Focus, compilado pelo Banco Central; começaram o ano em 2,7% e já estão em 1,24%.

No ano passado, as projeções começaram o ano no mesmo nível, mas a queda foi mais lenta e o pessimismo só ganhou força em junho, após a greve dos caminhoneiros. O país acabou crescendo 1,1%.

O cenário mais drástico de deterioração foi o de 2015, que começou com uma mediana de crescimento de 0,5% segundo os economistas ouvidos pelo BC. Naquele ano, a economia acabou despencando 3,5%, na pior recessão dos últimos 25 anos.

Mas o choque entre realidade e expectativa pode ser até maior agora do que foi em 2015, na percepção de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

"Há de fato uma imagem de recessão no ar que para muitos não havia ainda no começo de 2015. A surpresa agora talvez seja maior, por que havia uma expectativa bem mais forte sobre o Bolsonaro", diz.

Anos repetidos de expectativas em declínio permitem dizer que as previsões dos economistas "não estão com nada"? A pergunta foi levantada na última semana em um debate do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE).

Por que tão diferente?

Carlos Melo, economista do Insper, arrisca duas respostas para o mistério. Uma delas é que o mercado ficou mal acostumado com a maior previsibilidade econômica trazida pelo Plano Real, a partir da metade da década de 1990. "Estabeleceu-se que a estabilidade e a racionalidade econômica estava dada. E que a política seria uma variável sem importância", diz ele.

As falhas na articulação com o Congresso que ficaram evidentes no governo Bolsonaro, e o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, são exemplos mais do que claros de que essa lógica não funciona. Pelo menos não no Brasil.

"Vemos ano após ano a incapacidade da política de dar respostas e de fazer o que tem que ser feito. A política não entrega, a economia piora e isso se retroalimenta", diz Melo.

"Bolsonaro vinha na direção correta econômica e pareceu a todos que tinha condição total de realizar uma coalizão para fazer funcionar o sistema político", diz Samuel Pessôa, economista e pesquisador da FGV. "Com o apoio que teve nas eleições, ele tinha condição, no mínimo, de resolver a questão previdenciária, que é a maior fraqueza do país nesse momento."

A opinião de Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre, vai na mesma linha. "No governo Temer, o jogo já estava sendo jogado, a reforma da Previdência já estava sendo discutida. Bolsonaro, que não tinha contra si a questão da falta de legitimidade atribuída por muitos a Temer, só precisava continuar tocando o jogo e apresentou uma equipe com foco claro para isso", diz. 

O futuro prometia. Mas a quebra de expectativa veio no momento em que a política tradicional foi negada, na análise de Pessôa. "O problema é que temas como o da reforma previdenciária têm custo político para os deputados, que precisam ter claro os benefícios que poderão levar a suas bases eleitorais. E Bolsonaro não conseguiu fazer essa troca, o que nos colocou em um momento de parada decisória", diz ele. 

Vai, Pelé

Melo, do Insper, aponta outra teoria que pode explicar o abismo que muitas vezes há entre as expectativas dos economistas e o cenário que acaba se concretizando: a eterna busca por um "Pelé".

"O que se esperou com o Bolsonaro? Um príncipe, um salvador da pátria. E operar a economia brasileira não é fácil nem com os instrumentos certos", diz Melo. "Havia esse mesmo otimismo, por exemplo, quando Dilma deu um cavalo de pau e colocou o Levy no ministério da Economia no fim de 2014. Depois, a aposta virou Henrique Meirelles à frente da agenda econômica." 

O economista José Júlio Senna, especialista em política monetária do Ibre, diz que ficar procurando por um salvador da pátria - seja ele um presidente ou o próprio Banco Central - só desvia o foco das deformidades que realmente importam.

"Entendo o otimismo a respeito da reforma da previdência. Ela é imprescindível para a saúde financeira do país, mas não é suficiente para resolver o nosso problema", diz Senna. "No dia seguinte a uma eventual aprovação, o empresário seguirá enfrentando a mesma carga tributária, a mesma burocracia, a mesma infraestrutura precária, vai continuar tendo que contratar pessoas com formação educacional precária e por aí vai"

Senna diz também que economistas têm dificuldade de entender o que de fato atrasa o crescimento da economia.

"Houve uma época de consenso sobre o fato de capital externo ser algo bom para países emergentes em dificuldade financeira. Durou 20 anos, depois todo mundo viu que não era bem por aí", exemplifica. "Outra crença é de que investimentos maciços na educação vão resolver. Mas, de novo, não é isso sozinho que resolve, se não a gente acaba vendo por aí motoristas de táxi com doutorado em física, a exemplo do que aconteceu na Índia."

Enquanto os economistas debatem e os políticos brigam, o pessimismo se enraíza. A última vez que o crescimento veio mais alto do que o previsto no começo do ano foi em um longínquo 2010, quando as primeiras previsões convergiam para um avanço de 5,2% e a economia cresceu 7,5%. Que a recuperação venha em 2020, pois 2019 já parece estar perdido.

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