Economia

Políticos veem Brasil como cópia mal feita dos EUA, diz Eduardo Giannetti

O cidadão médio norte-americano está entre os 5% mais ricos do mundo, explica o economista, mas se sente um fracassado. É isso que queremos ser?

Laura Carvalho e Eduardo Giannetti: Economistas participam de bate-papo na Fundação FHC (Vinicius Doti/Fundação FHC/Divulgação)

Laura Carvalho e Eduardo Giannetti: Economistas participam de bate-papo na Fundação FHC (Vinicius Doti/Fundação FHC/Divulgação)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 3 de julho de 2019 às 15h13.

Última atualização em 3 de julho de 2019 às 17h45.

São Paulo — Nada de Banco Central ou BNDES. O futuro do Brasil será definido em sala de aula, defende o economista e sociólogo Eduardo Giannetti, em bate-papo com Laura Carvalho, economista e professora da Faculdade de Engenharia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), nesta terça-feira, 02, na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

"Não vai ser BNDES ou Banco Central que vão definir nosso futuro. Ele vai ser definido individualmente com cada criança. Mas estamos nos afastando disso, infelizmente", lamenta. 

Do ponto de vista estratégico, segundo Giannetti, há duas áreas em que o Brasil precisa agir de forma séria e estruturada no tempo para melhorar seu futuro: ensino fundamental e meio ambiente. "Nós temos um patrimônio ambiental de relevância planetária e precisamos aprender a valorizá-lo, inclusive para tirar proveito econômico e inteligente de nossa biodiversidade e recursos naturais", diz. 

Depois de atenuado o problema da desigualdade econômica no Brasil e resolvida a falta de saneamento e educação básicos para a população - que leva o mínimo de dignidade à vida humana -, o grande desafio do país, na opinião do sociólogo, será se libertar da ideia de que somos uma cópia inferior de um modelo que hoje é dado pelos Estados Unidos.

"O que está na cabeça dos nossos líderes políticos é uma cópia mal feita, errada e canhestra de algo que o país nunca alcançou. A ideia de desenvolvimento no Brasil virou uma ideia de inferioridade crônica da vida brasileira em relação aos padrões de consumo, de vigor material do mundo chamado de desenvolvido", defende o economista.

Para ele, a sociedade americana a qual nos espelhamos fracassou. Uma das evidências disso é a expectativa de vida ao nascer, que está caindo há três anos nos Estados Unidos para brancos não hispânicos. Uma tendência sem precedentes desde que o sistema capitalista se consolidou como modelo econômico ideal na sociedade moderna.  

"Quando vemos a expectativa de vida ao nascer caindo nos EUA e o fenômeno de regressão que é o Trump, com sua proposta de 'fazer a América grande de novo' olhando para o passado, fica claro que o que eles tinham para oferecer como sonho para a humanidade não tem mais apelo", diz.

O cidadão médio dos Estados Unidos está entre os 5% mais ricos do mundo, explica o economista, mas ele se sente um fracassado na vida. "Ele sente que vive pior que as gerações passadas, tem dificuldade para pagar o plano de saúde, fica inseguro....tem alguma coisa errada nesse sistema e eu não acho que seja só na economia. É também nos valores. Essa métrica do sucesso coletivo pautado no econômico. E se o cidadão não for bem nesse sentido, é um nada. Essa métrica americana tem que ser revista". 

Nesse cenário, Giannetti defende que o Brasil tenha maturidade cultural para encontrar seus valores e vivê-los. "É o único caminho para o país. Provavelmente um modo de vida no qual o econômico não tem a centralidade que tem nesse modelo iluminista ocidental que a humanidade abraçou nos últimos séculos", diz.

"Posso ser utópico, mas prezo pelo que há de mais valioso no Brasil, nossas culturas pré-modernas, afroindígenas, que não são centradas no econômico, mas na celebração da vida, na alegria espontânea de viver, Isso tem na cultura brasileira. Será que somos capazes de reduzir a desigualdade sem, em nome disso, sacrificar o que temos de mais valioso?", questiona.

Laura Carvalho destaca que uma saída possível para o país é pensar o desafio social como uma "missão" que reúna diferentes setores em torno de uma meta comum.

Este conceito é sobre "empurrar as fronteiras do mercado, não trabalhar dentro delas", segundo a economista Mariana Mazzucato, uma de suas proponentes.

Essa é a lógica por trás do Green New Deal sendo proposto por alas do Partido Democrata nos Estados Unidos, inspirado no New Deal de Franklin D. Roosevelt entre 1933 e 1936`. Na época, o desafio era a Grande Depressão; desta vez, são as mudanças climáticas.

Ilusão do crescimento

Na análise de Laura, na última década, o Brasil viveu a ilusão de que era capaz de resolver sua situação econômica sem enfrentar o grande conflito da desigualdade de renda.

A economista explica que o país conseguiu, na esteira do crescimento econômico da China, surfar por alguns anos com a valorização das commodities que exportamos, e até desenvolver políticas que conseguiram fazer alguma mudança na desigualdade na base da pirâmide. Mas o modelo não era sustentável e isso ficou claro com a chegada da desaceleração econômica global.

"Quando a gente se deu conta, havíamos deixado de trabalhar num modelo sustentável capaz de gerar crescimento da produtividade no país. E aí a vida das pessoas, sobretudo da classe média, do meio da pirâmide, parou de melhorar e o conflito explodiu", explica Laura. Vale ressaltar que a qualidade de vida da classe média brasileira ainda é inferior, de uma forma geral, ao dessa população nos EUA.

"Os mais pobres ganharam, os mais ricos mantiveram sua parcela e essa classe média ficou mais espremida na pirâmide. É nesse momento que veio à tona o discurso simplista de combate à corrupção e à esquerda política, como se, sozinhos esses dois bodes expiatórios tivessem definido a realidade que vivemos hoje", diz Laura.

Todos os grandes economistas da história, inclusive Karl Marx, achavam que, em algum momento, a humanidade iria se libertar do econômico, explica Giannetti. Com o problema econômico resolvido, passaríamos a viver a vida, os valores da vida, mas isso não acontece assim. Ainda mais porque o poder do dinheiro aumenta quando há desigualdade: "Quem tem dinheiro, tem muito poder e quem não tem, fantasia sobre como é ter", diz o economista.

O cuidado com o meio ambiente, segundo ele, não deve ser uma discussão paralela nessa questão. "Nós não estaríamos na situação ambiental em que estamos se o sistema de preços sinalizasse corretamente o impacto ambiental cumulativo das nossas escolhas como produtores e consumidores", alerta. É urgente que essa cegueira do sistema de preços seja corrigida, na opinião do economista. "Não vai haver outra solução. Quanto mais tempo passar, mais risco de soluções autoritárias nós estamos propensos a ter. Vai ser um tal de 'não pode mais consumir tal coisa', 'não pode mais viajar' etc.." 

A crise ambiental que vivemos hoje é uma contrapartida da insatisfação com o sistema, segundo Giannetti. "O Papa Francisco tem uma frase que eu acho fantástica sobre isso: 'os desertos externos estão aumentando no mundo, porque os desertos internos se tornaram tão vastos'. São 72 mil mortes por ano por abuso de drogas nos EUA, 90 mil mortes por ano com álcool. isso é desespero coletivo, não é individual, é sistêmico."

Eduardo Giannetti foi conselheiro de Marina Silva, da Rede, nas últimas eleições presidenciais. Já Laura Carvalho auxiliou nas pautas econômicas do candidato Guilherme Boulos, do Psol. 

Veja o debate na íntegra:

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