Brasília - Em meio a um misto de expectativa e de desconfiança, a economia brasileira experimentava uma revolução há exatamente 20 anos.
Em 1º de julho de 1994, entrava em vigor o Real, moeda que pôs fim à hiperinflação que assolou a população brasileira nos 15 anos anteriores.
Apenas no primeiro semestre daquele ano, a inflação totalizou 757%, média de 43% ao mês de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Nos seis meses seguintes, o índice desabou para 18,6%, média de 2,9% ao mês.
Em vez de cortes de zeros na troca de moedas, o caminho para domar a inflação passou pela Unidade Real de Valor (URV).
Cada real equivalia a uma URV, que, por sua vez, valia 2.750 cruzeiros reais, moeda em vigor até o dia anterior.
Definida como uma quase-moeda, a URV funcionava como uma unidade de troca, que alinhava os preços seguidos de vários zeros em cruzeiros reais a uma média de índices de inflação da época.
Em vigor por quatro meses, de março a junho de 1994, a URV, na prática, promoveu a dolarização da economia sem, de fato, abrir mão da moeda nacional.
Como cada URV valia um dólar, o real iniciou sua trajetória também cotado a um dólar.
O mecanismo uniformizou todos os reajustes de preços, de câmbio e dos salários de maneira desvinculada da moeda vigente, o cruzeiro real, sem a necessidade de congelamentos e de tabelamentos, como nos planos econômicos anteriores.
Um dos economistas que desenvolveu o Plano Real, o ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) Edmar Bacha acredita que a transparência foi o grande diferencial que levou o plano a ter sucesso depois de tentativas fracassadas de conter a inflação.
“Todos os outros planos foram feitos em segredo e surpreendendo a população. Esse foi feito às vistas da população, em etapas, e com total aprovação prévia do Congresso Nacional”, diz Bacha, atualmente diretor da Casa das Garças, instituto dedicado a estudos e debates de economia.
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1. Inflação
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1/8 (Arquivo)
São Paulo – Com o recente aumento na
expectativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2012, uma potencial volta da inflação voltou a
preocupar. “Inflação é um grande mal pra economia, principalmente para as classes mais baixas, porque come mais o salário do trabalhador que dos empresários. Além de ser ruim pro país ela estimula a desigualdade”, afirmou Samy Dana, professor da FGV-EESP. A taxa de inflação é estimada em 5,1% nesse ano, segundo estudo do Ipea. O número está acima da meta projetada pelo governo, de 4,5%, mas dentro da margem de variação de dois pontos percentuais. Mesmo que a inflação volte a preocupar, provavelmente, ainda estaríamos muito distante dos dias de superinflação, vividos no começo dos anos 90. Longe de ser um problema exclusivo brasileiro, a superinflação já fez vítimas entre os vizinhos sul-americanos e também em outros continentes. Alemanha e Hungria estão entre as
presas famosas, com índices que chegaram a 20,9% e 195% ao dia, respectivamente. Clique nas fotos para relembrar alguns países que já viveram a superinflação.
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2. Brasil: 82% em março de 1990
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2/8 (Stock Exchange)
"O índice de 7% ao ano é considerado uma calamidade, no passado era o que se tinha a cada semana”. A
opinião do articulista da revista EXAME J.R.Guzzo resume o que o Brasil já viveu em termos de inflação. No país, a taxa subiu muito no final dos anos 80 e início dos 90. Em 1989, a inflação estourou após o Plano Cruzado que, com o congelamento de preços, controlou artificialmente a inflação e gerou desabastecimento. Naquele ano, a taxa chegou a 1.636% ao ano. Em 1990, a inflação anual foi parecida, com uma explosão em março, mês em que ela chegou a 82%. Nesse ano, os preços dobravam a cada um mês e cinco dias. A desvalorização do dinheiro chegou a tal ponto que o salário perdia 25% do seu valor em 15 dias. Diariamente os comerciantes remarcavam os preços, o que gerava uma corrida ao comércio. “As pessoas saíam comprando qualquer porcaria”, afirmou Samy Dana, professor da FGV-EESP. Em 1993, a inflação chegou ao pico de 2.491%. O plano real, em 1994, interrompeu esse ciclo de inflação. Mesmo com esses índices, a inflação brasileira nem chegou perto das mais altas do mundo - na Hungria em 1946 e no Zimbábue em 2008.
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3. Hungria: 195% ao dia
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3/8 (Wikimedia Commons)
Após a Segunda Guerra, em julho de 1946, os preços dobravam a cada 15 horas na Hungria. Os aumentos chegavam a 195% ao dia, segundo estudo do economista Steve Hank, que aponta esse período como o de maior inflação da história. O que explica essa situação foi o empenho do país na guerra. Com o governo dedicado a financiar o conflito, a produção para o consumo ficou lenta e o país imprimiu dinheiro sem grande controle. Além disso, após a guerra, a população começou a gastar muito – afinal, havia poupado durante o conflito. O resultado disso foi o pior caso de hiperinflação da história.
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4. Alemanha: 20,9% ao dia em 1923
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4/8 (Lennart Preiss/AFP)
Um dos casos de superinflação mais famosos é o da Alemanha no período entre guerras. Em 1923, o país acabara de sair da primeira guerra mundial, na posição de derrotado - ou seja, além de sua economia ter sido prejudicada pelos anos de conflito, a nação ainda tinha dívidas com os vencedores. A impressão de moedas para pagar as dívidas auxiliou a inflação. As mercadorias dobravam de valor a cada três dias, aproximadamente. Em outubro, a taxa chegou a 20,9% ao dia. Em dezembro de 1923, um dólar valia um bilhão de marcos – no ano anterior, a mesma moeda valia 9.000 marcos. No auge da inflação, para comprar um quilo de manteiga, o alemão precisaria desembolsar 5,6 trilhões de marcos.
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5. Argentina: 5.000% em 1989
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5/8 (Divulgação/Viagem e Turismo)
A Argentina também experimentou índices elevados de inflação no final dos anos 80. Em 1989, a hiperinflação do país chegou a 5.000%. No ano seguinte, os preços dobravam a cada dois meses e três dias. Por lá, a hiperinflação foi solucionada com o que viria a ser a origem de outro problema. A paridade artificial entre peso e dólar. Instituída pela lei de conversibilidade, decretada em 1991, a paridade derrubou a inflação caiu para a casa dos três dígitos no mesmo ano. Mas, no longo prazo, o resultado da paridade foi o calote e a renegociação da dívida argentina.
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6. Zimbábue – 98% ao dia
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6/8 (Getty Images)
A taxa de aumento de preços no Zimbábue chegou a 79,6 bilhões por cento em novembro de 2008. A inflação diária era de 98%. A origem do problema estava em uma redistribuição de terras feita pelo governo e nas impressões descontroladas de dinheiro. A política de redistribuição de terra dos anos 1990 comprometeu a produção de alimentos, diminuindo a oferta e, consequentemente, aumentando os preços. Somada a essa situação, a impressão de dinheiro para pagar dívidas do FMI e salários de funcionários públicos agravou ainda mais o cenário.
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7. Nicarágua: 126,6% em dezembro de 1988
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7/8 (Elmer Martinez/AFP)
Entre 1987 e 1990 a Nicarágua enfrentou a superinflação. A taxa chegou a 33.000% ao ano no país. Em 1989, o país registrava uma das maiores inflações do mundo. Em um mês e 13 dias, os preços dobravam. E, naquele ano, as taxas já estavam mais baixas, após medidas de austeridade instauradas pelo governo em janeiro. Em janeiro de 1989, a inflação era de 91,8%, sendo que, em dezembro de 1988, a taxa havia atingido 126.6%.
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8. Chile : 1.000% década de 70
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8/8 (Richard Espinoza/Wikimedia Commons)
Assim como alguns de seus vizinhos, o Chile também já viveu dias de inflação elevada. No início dos anos 70, a inflação era de 500% - mas ela chegou a atingir 1000% no período. Em 1973, os preços dobravam a cada três meses e sete dias. A superinflação foi um dos fatores que limou o apoio popular ao governo de Salvador Allende, deposto após um golpe que entregou o poder a Augusto Pinochet.
O Plano Real, na verdade, começou a ser pavimentado um ano antes.
Em agosto de 1993, o então ministro da Fazenda do governo do presidente Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, comunicou o corte de três zeros no cruzeiro e o lançamento do cruzeiro real.
Naquela ocasião, já estava acertada a criação do real, embora os detalhes do plano só tenham sido anunciados em março do ano seguinte, quando passou a vigorar a URV.
O plano foi implementado em duas fases para permitir, sem congelamento de preços, a transição entre o cruzeiro real e o real.
A URV uniformizou todos os reajustes de preços, de câmbio e dos salários de maneira desvinculada da moeda vigente, o Cruzeiro Real (CR$).
A cada dia, o Banco Central fixava uma taxa de conversão da URV em CR$, com base na média de três índices diários de inflação – os bens e serviços continuavam a ser pagos em CR$, mas passaram a ter referência numa unidade de valor estável.
O lançamento do real, em 1º de julho de 1994, deu início à segunda fase do plano.
À frente do Ministério da Fazenda à época estava Rubens Ricupero.
A conversão e os cálculos baseados na URV saíram de cena para a entrada do real.
A partir de então, os juros altos e o dólar barato, com câmbio praticamente fixo, passaram a ser os principais instrumentos do governo para controlar a inflação.
Em 1999, após a crise da Rússia, o governo adotou modelo em três pilares em vigor até hoje: superávit primário (esforço fiscal), câmbio livre e metas de inflação.
A Agência Brasil procurou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e os ex-presidentes do Banco Central Gustavo Franco e Pérsio Arida – membros da equipe que desenvolveu o Plano Real – mas não conseguiu retorno.
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1. Inflação volta a preocupar economias em todo o mundo
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1/7 (Getty Images)
São Paulo - Em 2011, boa parte das preocupações de países emergentes com relação a suas economias tem pelo menos um ponto em comum. A inflação, que havia saído da lista dos maiores incômodos, voltou a ameaçar principalmente as economias emergentes, em forte ritmo de crescimento. Além do Brasil, que desde o fim de 2010 tenta amansar o dragão, países como a China se veem obrigados a aumentar taxas de juros e fazer o que for necessário para conter o aumento dos preços. Estas economias têm contra si adversários fortes. Um deles é o clima. Condições adversas em várias partes do planeta têm dificultado a produção de alimentos, fazendo com que os preços subam. Além disso, mercados consumidores gigantes como o chinês desafiam a capacidade produtiva no mundo, pressionando os preços das chamadas commodities. Há também muita especulação gerada pelo excesso de liquidez global. Apesar de acender a luz de emergência em muitas economias, a inflação atual em nada faz lembrar episódios catastróficos que marcaram a história de países ao longo do século XX. Um estudo desenvolvido pelo economista Steve Hank, professor da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, listou os seis piores casos de hiperinflação já registrados na história. Na Hungria, por exemplo, em 1946 foi registrada inflação de 195% ao dia. Os preços de mercadorias básicas para o consumo da população dobravam a cada 15 horas. Também entra na lista do professor a inflação do Zimbábue, cuja taxa chegou a ter 11 dígitos em 2008. O Brasil, embora não tenha entrado na lista, teve seus momentos. Entre 1986 e 1994, época em que o país carregava enormes dívidas internas e externas, a inflação anual chegou a ser de 1000%. Acompanhe nas fotos ao lado os seis piores casos de hiperinflação da história.
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2. Hungria - julho de 1946
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2/7 (Wikimedia Commons)
São Paulo - Em 1946 a Hungria enfrentou aquele que é considerado o pior caso de hiperinflação da história, segundo o estudo do professor Steve Hank. Em julho daquele ano os preços aumentavam a uma taxa de 195% ao dia. Para escrever o número que representa a inflação mensal daquela época são necessários 16 zeros. De acordo com o estudo, durante esta fase, os preços no país dobravam a cada 15 horas. Três motivos principais fizeram o poder de compra dos húngaros virar pó naquele ano. Em primeiro lugar, a produção para o consumo estava em um ritmo muito lento, pois o governo havia dedicado todos os seus esforços para financiar a guerra. Este financiamento, diga-se de passagem, só foi possível porque o país recorreu ao maior pecado quando se fala em política monetária: a impressão de dinheiro sem um controle rigoroso. Em 1944, o volume de moeda circulando na economia húngara era 14 vezes maior do que em 1939, quando a guerra começou. E a desconfiança dos cidadãos do país foi o ingrediente final para a mistura que resultou na pior inflação da história. Com medo da guerra, os húngaros controlaram seus gastos e pouparam a maior parte do que ganhavam. Quando o conflito terminou, uma enxurrada de dinheiro inundou o mercado, que ainda não oferecia produtos em quantidade suficiente.
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3. Zimbábue - Novembro de 2008
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3/7 (Getty Images)
São Paulo - A segunda pior hiperinflação da história, segundo aponta o estudo de Steve Hank, é um caso recente. Em novembro de 2008 a taxa de aumento de preços chegou a ter 11 dígitos (79,6 bilhões por cento). A inflação diária era de 98%, e os preços dobravam a cada 24 horas. Boa parte deste cenário se deve à ingerência do governo. Nos anos 1990, uma política controversa de redistribuição de terras, adotada pelo presidente Robert Mugabe, impactou diretamente a produção de alimentos. Muitas famílias com tradição na agricultura perderam parte de suas terras, cedidas a grupos que não tinham experiência no cultivo. A mudança repentina na distribuição de terras fez a produção agrícola cair e diminuiu a oferta de alimentos, fazendo os preços dispararem. Alem disso, diversas impressões de dinheiro colaboraram para agravar o caso de inflação. Dentre elas, destacam-se a de 21 trilhões de dólares zimbabuanos para quitar uma dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a de 60 trilhões para pagar salários de policiais, soldados e outros funcionários públicos.
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4. Iugoslávia - janeiro de 1994
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4/7 (Wikimedia Commons)
São Paulo - Entre 1993 e 1994 a antiga Iugoslávia viveu sua pior crise inflacionária, a terceira mais grave já registrada. O aumento de preços chegou a uma taxa de 313 milhões por cento ao mês, ou 64,6% ao dia. A cada dia e meio os produtos dobravam de valor. As grandes tensões políticas na região durante a década de 1990 ajudam a explicar a hiperinflação. Até a extinção da Iugoslávia, o antigo reino era palco de conflitos internos protagonizados pelos diversos grupos étnicos que habitam a região. A guerra constante e a administração ineficiente do governo, nesta época ocupado pelo ditador Slobodan Milosevic, mergulharam o país em uma profunda crise econômica que teve a inflação como uma das consequências. À semelhança do que aconteceu na Hungria e no Zimbábue, as constantes guerras levaram à impressão indiscriminada de dinheiro, ajudando a aprofundar a crise.
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5. Alemanha - outubro de 1923
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5/7 (Wikimedia Commons/Deutsch Bundesarchiv)
São Paulo - Segundo o estudo do professor Steve Hanke, o quarto pior caso de hiperinflação da história foi registrado na Alemanha, em 1923. O país havia acabado de sair da Primeira Guerra Mundial, e na ingrata posição de derrotado. Fragilizado economicamente devido ao conflito, o país estava também altamente endividado com as nações vencedoras. Assim, para se financiar, o governo recorreu à impressão de moeda em várias ocasiões, contribuindo para o aumento da inflação. Em outubro de 1923 o aumento de preços chegou ao ápice, atingindo a taxa de 29,5 mil por cento ao mês, ou 20,9% ao dia. A inflação fazia com que as mercadorias dobrassem de valor a cada 3,7 dias.
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6. Grécia - novembro de 1944
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6/7 (Wikimedia Commons)
São Paulo - Durante a Segunda Guerra Mundial, a Grécia foi ocupada pelos exércitos alemães. Neste processo o país perdeu boa parte da frota de sua marinha mercante. A máquina alemã arrasou cidades inteiras e destruiu campos e florestas. Com sua capacidade produtiva bastante prejudicada, a Grécia começou a apresentar problemas de inflação. O cenário se tornou ainda mais grave quando os efeitos da exploração econômica empreendida pelos alemães começaram a aparecer. Como resultado, em novembro de 1944 o país chegou a ter 11,3 mil por cento de inflação ao mês, aproximadamente 17% ao dia. Durante este período, os gregos sofreram com rápidos reajustes de preços. Em média, o valor das mercadorias dobrava a cada 4,5 dias.
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7. China - Maio de 1949
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7/7 (Getty Images)
São Paulo - Os problemas econômicos que a China enfrentou na década de 1940 decorrem de seu envolvimento na Segunda Guerra Mundial. No fim da década anterior, o país foi invadido pelos Japoneses. A partir daí, os investimentos do país foram concentrados nos esforços de guerra. O resultado desta situação complexa foi uma inflação de 4,2 mil por cento ao mês, o equivalente a 13,4% ao dia. Durante os piores meses da crise, os preços dobravam a cada 5,6 dias, segundo o estudo do professor Steve Hanke.