Masueto: um dos maiores desafios a ser enfrentado pelo Brasil e o mundo após a pandemia vai ser combater a desigualdade (Cris Faga/Getty Images)
Bloomberg
Publicado em 4 de junho de 2021 às 17h42.
Última atualização em 4 de junho de 2021 às 18h52.
O crescimento do PIB acima do esperado no primeiro trimestre mostra que a economia recuperou as perdas da pandemia muito antes do previsto e o país pode entrar em um ciclo de desenvolvimento sustentado se aproveitar a janela de oportunidade para aprovar as reformas estruturais, diz Mansueto Almeida, economista-chefe do banco BTG Pactual, em entrevista.
O Brasil poderá crescer 5,3% neste ano, após o produto interno bruto cair 4,1% em 2020 sob impacto da primeira onda da pandemia, diz Mansueto, que foi secretário do Tesouro entre 2018 e 2020. Ele aumentou sua projeção, que era de 5%, após o PIB superar as expectativas e crescer 1,2% nos três primeiros meses do ano, mostrando resiliência da economia diante dos números recordes da covid-19 em março.
“Praticamente todos os indicadores estão melhorando. Estamos em um cenário muito melhor do que se imaginava alguns meses atrás”, diz Mansueto.
Uma das consequências do maior crescimento é a melhora da perspectiva fiscal, que reduz o prêmio de risco do país e pode levar o dólar a 5 reais ou menos, segundo o economista. O dólar caiu 4,8% nos últimos sete dias e o real lidera os ganhos entre as moedas emergentes no mesmo período, com o otimismo econômico se somando às elevações dos juros domésticos e à alta das commodities.
Além da expansão maior da economia, o aumento do deflator do PIB também ajuda a melhorar as contas fiscais, diz Mansueto. O deflator — que é uma medida de inflação — ronda os 10%, o que significa que, pelo critério nominal, o crescimento pode chegar entre 13% e 14%, o que ajudará a reduzir a relação entre a dívida bruta e o PIB para menos de 83%, ante 87% em abril e projeções que chegaram perto de 100% no ano passado, segundo o economista.
A melhora fiscal resulta ainda do crescimento da arrecadação, à medida que a economia sente impacto muito menor da pandemia na atual onda do que na anterior. A atividade é favorecida pelo crescimento de exportações, impulsionadas pela alta das commodities e por um câmbio que chegou a superar R$ 5,80 em março.
A melhora da perspectiva do mercado sobre as contas públicas teve impulso com o anúncio em 21 de maio, pelo governo, do aumento da projeção de arrecadação deste ano em mais de 100 bilhões de reais e da redução da estimativa oficial de gastos em 10 bilhões de reais.
“O Brasil vai surpreender pelo terceiro ano seguido”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, em 1º de junho, após o resultado acima do previsto do PIB. Segundo ele, a economia como um todo está começando a se recuperar.
As contas externas também alimentam o otimismo do mercado. O país pode fechar o ano com superávit comercial de 75 bilhões de dólares e investimentos estrangeiros diretos em 50 bilhões de dólares, um número que ganha relevo diante do fato de o país caminhar para terminar 2021 com saldo positivo na conta corrente, diz o economista do BTG.
A retomada mais rápida do que o previsto da economia não significa que o governo possa reduzir o esforço para aprovar reformas como a administrativa e privatizações como a da Eletrobras, que estão sendo discutidas no Congresso, diz ele.
“O Brasil ganhou uma janela de oportunidade, mas não podemos achar que essa melhora é um cheque em branco para gastar”, diz Mansueto. “O que estamos vendo agora é uma recuperação cíclica, mas, para ela se transformar em crescimento sustentável, é preciso ter reformas”.
Embora a maioria dos indicadores esteja com perspectiva positiva, o economista do BTG acredita que o Banco Central terá de elevar a Selic para até 6% neste ano para ancorar as expectativas da inflação, que deve fechar este ano também perto de 6%, muito acima do centro da meta de 3,75%, diante da alta das commodities e dos efeito da seca sobre os preços de energia.
“O BC vai ter de ser um pouco mais agressivo nos juros”, diz o ex-secretário do Tesouro.
Um dos fatores que agravam o quadro inflacionário é o risco hídrico, à medida que a falta de água nos reservatórios leva o governo a ligar as usinas térmicas, encarecendo a energia. Para Mansueto, a ameaça da crise energética para a atividade é baixa, mas a inflação pode sentir efeitos no resto deste ano e também em 2022.
Outro risco para a economia é o da pandemia, que Mansueto espera estar controlada nos próximos meses com o avanço da vacinação. Um risco que não depende do Brasil é o de o Federal Reserve ter de aumentar os juros antes do previsto para conter a inflação, que também está pressionada nos Estados Unidos. Se a mudança na política monetária americana for feita de maneira controlada, o Brasil poderá resistir sem grandes custos, segundo ele.
Um dos maiores desafios a ser enfrentado pelo Brasil e o mundo após a pandemia vai ser combater a desigualdade, que já era alta e ficou maior com a disseminação do coronavírus, diz Mansueto. Segundo ele, o trabalho remoto protegeu o emprego e a renda das classes média e alta, mas isso não ocorreu com a classe baixa, sobretudo as pessoas que trabalhavam na economia informal.
Os governos terão de promover ações para reintegrar milhões de trabalhadores ao mercado de trabalho, o que deve passar pelo treinamento de mão de obra para uma economia cujas transformações se aceleraram com a crise da covid. No caso do Brasil, uma das alternativas poderá ser fortalecer o Bolsa Família, que é um “programa barato”, segundo Mansueto.
“Estamos saindo dessa crise tão terrível com uma economia mais desigual. Se a agenda de reduzir a desigualdade já era importante antes, ficou ainda mais agora”, diz o economista do BTG.