Economia

"She-cession": pela primeira vez, uma recessão atingiu mais mulheres do que homens

A lacuna entre homens e mulheres no mercado de trabalho vinha diminuindo. A pandemia pode ter desperdiçado anos de avanços

Mulheres no mercado de trabalho: desemprego incidiu de forma mais brusca sobre a população feminina (José Paulo Lacerda/CNI/Reprodução)

Mulheres no mercado de trabalho: desemprego incidiu de forma mais brusca sobre a população feminina (José Paulo Lacerda/CNI/Reprodução)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 8 de março de 2021 às 12h54.

Última atualização em 8 de março de 2021 às 22h35.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que a pandemia tenha deixado 13 milhões de mulheres sem emprego só na América Latina. Incluindo as mulheres que já não conseguiam emprego antes da pandemia, a desocupação chega a 25 milhões. A taxa de participação da mão-de-obra feminina também chegou a seu menor patamar em 15 anos.

No mundo, o cenário se repete. A perda de emprego das mulheres na pandemia foi de 5%, ante 3,9% de homens, segundo dados divulgados pela organização no Dia Internacional da Mulher nesta segunda-feira, 8 de março. Ao todo, 64 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho.

Economistas já caracterizam a crise da covid-19 como a "primeira recessão feminina" da humanidade. Não que as crises anteriores não tenham afetado as mulheres. Mas, dessa vez, a característica da crise gerada pela pandemia afetou as trabalhadoras de forma desproporcional.

Em inglês, os estudiosos cunharam o termo she-cession (um jogo de palavras com o termo recession, ou recessão, e she, ela).

Guy Ryder, diretor da Organização Internacional do Trabalho, disse nesta segunda-feira que é preciso "vontade política" e que os governos devem "investir nas mulheres" como parte da recuperação econômica.

Na recessão de 2008 e 2009, por exemplo, os homens representaram três quartos das perdas de postos de trabalho nos Estados Unidos. Já em meio às guerras mundiais do último século, as mulheres inclusive aumentaram sua participação no mercado com os homens envolvidos no conflito armado e a carência de mão-de-obra.

Desta vez, a participação das mulheres americanas no mercado de trabalho caiu a níveis similares a 1987, segundo o Departamento do Censo dos Estados Unidos, similar ao IBGE brasileiro. Globalmente, estudo da consultoria McKinsey mostrou que as mulheres tinham menor participação na força de trabalho, mas responderam por mais da metade dos empregos perdidos com a crise.

A dinâmica da pandemia desfavoreceu as trabalhadoras mulheres. No geral, mulheres desempenham funções de menor remuneração, menor qualificação e mais baixas na hierarquia. Foram cargos e setores que sofreram de forma sem precedentes na pandemia. Um dos principais exemplos é o setor de serviços, que inclui alimentação, turismo e beleza. Segundo a OIT, a desocupação feminina foi especialmente alta em hotelaria (quase 18%) e comércio (12%).

São setores com ampla presença de mulheres, mas que também, por suas peculiaridades - muitos não podendo funcionar de forma retoma, por exemplo -, foram mais afetados pelo coronavírus.

O baque aconteceu mesmo as mulheres desempenhando a maioria das funções tidas como essenciais na pandemia. É o chamado setor do "cuidado", como os trabalhadores da saúde ou de cuidados com idosos.

No Brasil, o setor de serviços, que responde por dois terços dos empregos no Brasil, teve queda de 7,8% na atividade em 2020, de acordo com o IBGE, mesmo com alguma recuperação no segundo semestre. Em contrapartida, a indústria caiu menos, 4,5%, e o varejo, puxado pelo auxílio emergencial, teve alta de 1,2% no ano.

Nesse cenário, das pessoas que deixaram a força de trabalho no Brasil entre julho e setembro do ano passado, 62% eram mulheres, segundo os dados do terceiro trimestre do IBGE, os últimos disponíveis. Das 11,2 milhões de pessoas desse grupo, 7 milhões eram mulheres, uma fatia muito maior que a de homens.

O trabalho "invisível"

Segundo os primeiros estudos, o impacto na perda de trabalho atingiu sobretudo as mulheres que são mães. A OIT aponta ainda que muitas mulheres não conseguiriam conciliar as demandas do trabalho e dos cuidados com a casa, que ainda incidem desproporcionalmente na população feminina.

Muito do trabalho realizado pelas mulheres não é remunerado, o que já ocorria antes do coronavírus. A pesquisa do IBGE sobre "Outras Formas de Trabalho" em 2019, divulgada em julho do ano passado, apontou que a mulher realiza uma grande fatia dos trabalhos não remunerados no Brasil, enquanto a produção para consumo próprio é atividade mais masculina.

É o que o estudo chama de "trabalho invisível". As mulheres se dedicavam, antes da pandemia, a cerca de 20 horas semanais a esse tipo de atividade, como cuidar da casa e dos filhos.

Em 2019, 92% das mulheres realizaram serviços domésticos, ante quase 79% dos homens, segundo o IBGE. A maior diferença na realização de afazeres domésticos entre homens e mulheres foi nas regiões Nordeste e Norte. A região Sul apresentou o maior percentual de homens no serviço doméstico (84%). A realização de afazeres domésticos é maior por parte de homens mais jovens e com ensino superior completo.

Isso acontece mesmo com as mulheres tendo mais anos de estudo do que os homens no Brasil, em média. Devido às posições menores na hierarquia, à ocupação em setores menos valorizados e à maior participação no trabalho não remunerado, além de outros tipos de discriminação, as mulheres ainda ganham no Brasil cerca de 20% a menos do que os homens, segundo números do IBGE anteriores à pandemia.

A lacuna, ainda que grande, vinha diminuindo. A preocupação é que a pandemia possa ter jogado no lixo décadas de avanço.

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