Redação Exame
Publicado em 23 de abril de 2025 às 07h00.
Por Alexandre Silveira*
Nas últimas semanas, com a tempestade provocada pelo presidente Donald Trump nas relações internacionais, ressurgiram teorias conspiratórias sobre uma alegada estratégia da China para submeter o Brasil ao seu controle. Na versão mais simplória e fantasiosa, os chineses querem nada menos do que comprar a Amazônia.
Afinal, quem tem medo da China? O governo brasileiro não tem. Pelo contrário, desde 2009, graças aos esforços do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já em seu primeiro mandato, esse gigante asiático é o nosso principal parceiro comercial. Com o estreitamento cada vez maior dos laços bilaterais, crescem as oportunidades tanto para atração de novos investimentos para o Brasil quanto para a exportação de mercadorias aqui produzidas.
Esses dois movimentos, a um só tempo, favorecem a atuação de nossos empresários, mediante abertura de novos mercados aqui e além-mar, e contribuem para a geração de emprego e renda, com mais qualidade de vida para a população. Trazem modernização, avanços tecnológicos, ganhos de produtividade e sustentabilidade para as empresas, tornando-as mais competitivas e capacitadas a disputar a acirrada concorrência além das fronteiras territoriais. Contribuem com a inteligência, a pesquisa e a inovação resultantes dos investimentos feitos por essa potência asiática durante décadas.
Nessa perspectiva, como ministro de Minas e Energia do Brasil, estive nos últimos dias na pujante cidade chinesa de Shenzhen, um dos maiores centros de tecnologia, inovação e manufatura do planeta.
No domingo de Páscoa, participei de reunião de trabalho com executivos da BYD, potência global na fabricação de carros elétricos e baterias. Garantimos o crescimento da sua atuação no Brasil, em especial na exploração de minerais estratégicos voltados para a transição energética, ampliação do parque industrial e revenda de veículos. Um destaque é o lítio, matéria-prima usada em baterias, do qual detemos a sexta posição no ranking global de reservas conhecidas. Nesse segundo semestre, o governo federal vai realizar o seu primeiro leilão de baterias para armazenamento de energia.
No mesmo dia, para tratar de tema semelhante, reuni-me com diretores da Huawei, que nos apresentaram carregadores ultrarrápidos para veículos elétricos e sistemas fotovoltaicos inteligentes, entre outras soluções tecnológicas que poderão contribuir para a modernização da matriz elétrica nacional.
Uma vez que o governo brasileiro trabalha para favorecer o engajamento empresarial na transição energética, vou dar três exemplos específicos de como nossa economia pode se beneficiar das relações com a China.
O primeiro deles consiste no programa Combustível do Futuro, que lançamos no ano passado. Líder global em biocombustíveis, o Brasil está apto a contribuir com a descarbonização da matriz de transportes da China, detentora atualmente de uma frota de 240 milhões de automóveis, volume previsto para dobrar nos próximos 25 anos. É uma perspectiva extraordinária para os produtores brasileiros de etanol, biodiesel, diesel verde e biometano, destinados a mover carros, caminhões, tratores e máquinas agrícolas naquele país. Estima-se que nosso país deva receber mais de R$ 25 bilhões em investimentos até 2030 somente de montadoras chinesas.
Um segundo domínio é o do hidrogênio verde, segmento no qual o Brasil tem vocação para se tornar um exportador global muito relevante. A China lidera a cadeia produtiva de eletrólise, processo que separa o hidrogênio da água usando eletricidade renovável sem emissão de carbono, e pode ser parceira estratégica para investimentos aqui, transferência tecnológica e acordos de venda antecipada. Começa a estudar acordos de compra antecipada de hidrogênio para descarbonizar sua matriz autointensiva de energia, como a siderurgia.
Em terceiro lugar, vale mencionar a emergente tecnologia de Captura, Uso e Armazenamento de Carbono (CCUS), que também apresenta enorme potencial. Projetos estão previstos em acordos de cooperação entre a Petrobras e a China, que possui escala industrial nessa solução aplicável ao setor de óleo e gás brasileiro.
Há muito a fazer. O ano de 2023 esteve orientado para a reconstrução da política externa brasileira. Nesse sentido, em abril, os presidentes Lula e Xi Jinping se encontraram no Palácio do Povo em Pequim. Assinaram 15 acordos em diversas áreas, incluindo a transição energética e as mudanças climáticas.
Numa declaração conjunta naquela ocasião, os dois líderes afirmaram "que a mudança do clima representa um dos maiores desafios de nosso tempo e que o enfrentamento dessa crise contribui para construir um futuro compartilhado de prosperidade com equidade para toda a humanidade".
Daí, o comprometimento mútuo no documento para ampliar e diversificar a cooperação em áreas como transição para uma economia global de baixo carbono, com fortalecimento de indústrias verdes, mobilidade elétrica e financiamento adequado, entre outras iniciativas convergentes.
Em novembro de 2024, à margem do G20 no Rio de Janeiro, foi a vez de Xi Jinping nos visitar, ocasião em que foram assinados 37 atos e acordos bilaterais. E, agora, o presidente Lula se prepara para nova missão na China.
Passando longe das disputas meramente ideológicas, o Brasil deve seguir seu caminho histórico de diálogo permanente com todos os países do mundo, sem exclusão, preservando o direito de nossa gente de manter o domínio sobre nossas terras, riquezas naturais e estratégicas. A interrupção do diálogo pelo governo anterior nos direcionou para o abismo do isolamento, como párias da comunidade internacional – condição revertida a tempo, felizmente, pela atual administração federal.
Do ponto de vista geopolítico, é fundamental fortalecer os órgãos e mecanismos de governança global, o multilateralismo e o Sul Global, amplificando a cooperação entre países e blocos de nações, sem abrir mão da soberania nacional um segundo sequer.
*Alexandre Silveira é ministro de Minas e Energia