Economia

Para Guedes, pobreza é maior inimiga do meio ambiente — não é bem assim

O custo de atear fogo em uma área de mil hectares chega perto de R$ 1 milhão, segundo cálculos do Ministério Público Federal

Paulo Guedes: ministro participa nesta semana do Fórum Econômico Mundial (Sergio Moraes/Reuters)

Paulo Guedes: ministro participa nesta semana do Fórum Econômico Mundial (Sergio Moraes/Reuters)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 21 de janeiro de 2020 às 18h23.

Última atualização em 22 de janeiro de 2020 às 15h42.

São Paulo — Paulo Guedes, ministro da Economia, disse nesta terça-feira (21) em painel do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, que a pobreza é o maior inimigo do meio ambiente.

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, falou algo semelhante em dezembro: “Temos que encontrar a origem (do aumento do desmatamento), que está entre outras razões, na falta de desenvolvimento econômico sustentável para os mais de 20 milhões de brasileiros que vivem lá [na Amazônia]."

Para especialistas, no entanto, a relação não faz sentido, pois o desmatamento para fins de subsistência representa uma porcentagem pequena perto da devastação em curso na Amazônia.

"O desmatamento que ocorre hoje em maior intensidade está na fronteira agropecuária do Brasil, lideradas por produtores rurais. Para desmatar a Amazônia, é preciso dinheiro, queimar em larga escala mesmo é difícil, devido à umidade da região", diz o economista Daniel Duque.

O custo de atear fogo em uma área de mil hectares chega perto de R$ 1 milhão, segundo cálculos do Ministério Público Federal.

Ao mesmo tempo, associar o modo de vida dos povos florestais com a miséria é um erro, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), organização não governamental que trabalha pelo desenvolvimento da região.

“É claro que todos se beneficiam com uma melhora nas condições de saúde e educação, mas miséria mesmo encontramos nas grandes cidades”, afirma Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam. Segundo ela, sem a floresta, a miséria seria ainda maior para os povos da Amazônia.

A fala do ministro Paulo Guedes, de que a pobreza é a maior inimiga do meio ambiente, deve ser melhor contextualizada, segundo a diretora.

“Isso pode valer para alguns países, mas não vale para a Amazônia”, diz ela. “A floresta é uma grande fonte de recursos para seus habitantes. É ela que garante a subsistência. Quem desmata o faz para lucrar com a produção de alimentos ou com a especulação imobiliária.”

Dados do Ipan indicam que, entre janeiro e agosto do ano passado, as propriedades privadas concentraram 33% dos focos de fogo e 28% do desmatamento registrados pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas na Amazônia.

Essas propriedades representam 18% da área total ocupada no bioma. As áreas indígenas, por outro lado, que representam 25% do total, foram responsáveis por cerca de 6% dos focos de queimadas e 4% do desmatamento.

A liderança no desmatamento (31%) é de áreas públicas não destinadas, federais ou estaduais, que pertencem ao governo.

“É uma prova que desmatamento não gera riqueza. Essas áreas estão sendo perdidas sem gerar um real de imposto ou valor para a sociedade, apenas lucro para quem destrói”, diz Ane.

Procurando uma relação entre desmatamento e regiões de baixo desenvolvimento econômico, um estudo de economistas austríacos chegou à conclusão de que, apesar de a renda per capita ser o determinante mais robusto das diferenças na cobertura florestal, essa relação não é tão simples assim.

Na verdade, segundo eles, espera-se que a relação entre renda per capita e cobertura florestal seja em forma de U, uma vez que em estágios iniciais de desenvolvimento a demanda por lenha provavelmente aumentará junto com a renda, enquanto esse uso de energia tem menor importância em níveis mais altos de desenvolvimento.

Na análise, o grupo usou dados de satélite na cobertura florestal ao longo das fronteiras nacionais para estudar os determinantes das diferenças de desmatamento entre os países.

"Observamos que os países com um PIB per capita mais alto tendem a ter uma cobertura florestal significativamente menor no grupo de economias de baixa renda", conclui o estudo.

Essa premissa, no entanto, pode mudar de acordo com uma série de variáveis. Uma delas é o modelo de atuação do agronegócio - o que, no Brasil, já é suficiente para alterar a conclusão.

O meio ambiente é uma das áreas mais problemáticas do governo Bolsonaro, que desde a campanha tem uma retórica anti-ambiental, questionou dados oficiais da área, e avança ideias criticadas por ambientalistas, como a permissão para mineração em terras indígenas.

A área com avisos de desmatamento na Amazônia Legal saltou 85% em 2019 na comparação com 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), gerando ampla repercussão negativa internacional.

"O investidor estrangeiro não compra que o problema ambiental é da pobreza. A fala só mostra como o Brasil está surdo à ideia de que o que vai mover o investimento são as questões ambientais", diz Monica de Bolle, diretora de estudos-latino americanos e mercados emergentes da universidade americana Johns Hopkins.

O aumento na devastação afeta o destino de fundos que usam como critério de investimento o cuidado com o meio ambiente, pode levar a boicotes e ameaça a aprovação de um dos mais importantes acordos comerciais da história brasileira, entre o Mercosul e a União Europeia.

"As economias vão se estruturar ao redor dessa ideia. Mas o Brasil faz o caminho contrário, apesar de ser uma potência ambiental. É do meio-ambiente que virão as regulações financeiras e tributárias, as políticas de investimento. No Brasil, o debate entre investimento e meio-ambiente ainda é apartado, mas no mundo não é mais", diz Monica.

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