Economia

Pandemia deve segurar crescimento do PIB em 2% este ano, diz economista

Mercado prevê expansão da economia de cerca de 3%; tendência de fechamento do comércio e redução da circulação de pessoas deve impactar estimativa, analisa Rodrigo Zeidan

Cemitério em Manaus: colapso na saúde pode se repetir em outras cidades, com impacto direto na economia (Michael Dantas/Getty Images)

Cemitério em Manaus: colapso na saúde pode se repetir em outras cidades, com impacto direto na economia (Michael Dantas/Getty Images)

CA

Carla Aranha

Publicado em 11 de janeiro de 2021 às 16h08.

A evolução da segunda onda da covid no Brasil, com as cidades novamente batendo recordes de mortes e internações, deve manter a economia na corda bamba este ano, na avaliação do economista Rodrigo Zeidan, professor da New York University Shanghai, na China, onde mora, e da Fundação Dom Cabral. Zeidan acompanhou de perto as medidas de restrição do governo chinês à propagação do vírus e também vem dedicando atenção especial ao cenário sanitário e econômico brasileiro. “As previsões para o PIB já deveriam ter sido revistas em função da nova onda da covid”, analisa Zeidan em entrevista à EXAME. “Não há como crescer 3% em uma situação tão desafiadora”. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.

A previsão do mercado é que a economia brasileira cresça cerca de 3% este ano. O senhor concorda com essa projeção?

O Brasil está em uma situação bastante difícil, para dizer o mínimo. Ainda não começou a vacinação, diferentemente da maioria dos países, e não há sequer uma data oficial para o início da imunização. Além disso, os governantes relutam em impor um lockdown, nem que seja por algumas semanas, para impedir a circulação do vírus. Em algumas capitais, a saúde já está colapsando, como em Manaus. O número de mortos diários passa da casa dos 1.000. O consumo não vai se recuperar como o esperado e as empresas vão segurar os investimentos. Muito provavelmente, o Brasil vai crescer menos que a projeção do mercado. Deve ficar em algo na casa dos 2%, mas ainda precisamos aprimorar os cálculos.

Por que o crescimento da economia deve ser mais tímido que o esperado?

Gente morta não consome. O Brasil caminha para uma situação de desastre na saúde pública com consequências diretas na economia. Provavelmente, o comércio vai fechar em várias cidades. O pior é que não há um planejamento nem transparência dos governantes, o que dificulta ainda mais a situação. Mas não vai ter recuperação em v, isso eu posso afirmar.

E por que não?

Com ou sem lockdown, em algum momento as pessoas vão perceber que é arriscado sair à rua e vão diminuir o consumo. E a renda não vai voltar tão já. Sei que havia uma conversa no Brasil de que os informais voltariam a ter trabalho e renda este ano, mas é difícil entender de onde partiu esse raciocínio. Infelizmente, a realidade é outra. Ao menos no primeiro semestre, há pouca probabilidade de uma maior circulação de pessoas e mercadorias que permita a volta da renda dos informais. Se acabarmos o ano com um desemprego de 15%, já está de bom tamanho. Que empresa vai querer aumentar seus investimentos e contratar funcionários no Brasil em um cenário como esse?

O decreto de calamidade pública deveria ter sido estendido?

Sim. O Brasil está agindo como se a pandemia tivesse acabado, quando a realidade mostra o contrário.

O governo já poderia ter elaborado novas medidas emergenciais no contexto de calamidade pública?

Certamente. Essa atitude de empurrar o problema com a barriga é irresponsável. O mundo todo já sabia há alguns meses que a segunda onda da covid ia ser pior do que a primeira, parece que só brasileiros não atentaram para isso. Sem dúvida existe a questão fiscal, mas não dá para ficar em uma redoma de vidro achando que o mundo lá fora e a realidade não importam.

A economia China deve crescer 7,1% este ano. Os chineses podem ser a boia de salvação do Brasil?

Fomos salvos pela China na crise financeira. Em 2010, a China cresceu 10% e nos salvou. Embora um crescimento de 7% seja considerável, precisamos lembrar que se trata em parte da recuperação de 2020 e, ao mesmo tempo, o mundo está em uma situação muito difícil. O comércio global não vai voltar ao normal tão cedo. Mesmo os Estados Unidos só deverão ter alguma recuperação em meados do ano, e isso se a vacinação acelerar.

Havia uma expectativa de atrair investimentos externos este ano principalmente para o setor de infraestrutura. Como fica essa previsão?

O mundo está observando o que acontece no Brasil. É difícil imaginar que vão ser feitos muitos investimentos no Brasil no momento em que a confiança no país continua a cair. Até os países pobres, com menos recursos que o Brasil, conseguiram fazer acordos com farmacêuticas para ter acesso às vacinas. No Brasil, ainda há discussões sobre seringas e o início da campanha de imunização. Isso tudo gera um clima de incerteza. Há uma grande liquidez mundial, mas isso não deve ser suficiente para a atração de investimentos para o Brasil.

O que deveria ter sido feito no Brasil?

O governo poderia ter aproveitado o seu viés autoritário para fazer valer as novas normas de convívio social e impor quarentenas, por exemplo. Agora, o ideal seria fechar o comércio antes que a situação piore ainda mais. Mas há toda uma questão política em jogo, o que só atrapalha.

No final, os governantes pagarão a conta da segunda onda da covid?

Sim, haverá um preço político alto. Quando a população perceber quão grave é a situação, a conta vai para os governantes. Deixar a covid fora de controle é algo que vai cobrar seu preço, tanto do ponto de vista sanitário, como econômico e político. Sinto pela vida dos brasileiros.

Na China, foi possível controlar o vírus graças a medidas autoritárias impostas pelo governo?

Houve também uma preocupação maior com o bem comum. Aqui, você não vê gente na rua sem máscara. Um conhecido meu ficou sem ver os netos meses a fio por precaução. As pessoas acham que viver é bom e não querem arriscar deixar de viver por causa do coronavírus. No Brasil, infelizmente parece que não há essa consciência.

 

 

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