Paul Krugman: "O obstáculo real à ação é a ideologia econômica reforçada pela hostilidade à ciência" (Getty Images/Getty Images)
Vanessa Barbosa
Publicado em 11 de junho de 2014 às 11h29.
São Paulo – No começo do mês, o governo americano anunciou, enfim, sua primeira grande estratégia nacional de combate às emissões de gases efeito estufa. A investida atraiu críticas vorazes de oposicionistas e negacionistas do clima. A indústria esbravejou, argumentando que as novas regras, que incidem sobre termelétricas a carvão, causariam perdas econômicas. Os ambientalistas julgaram-na tardia, apesar de bem-vinda.
E aí vem a pergunta: por que é tão difícil avançar no combate às mudanças climáticas? O Nobel da economia Paul Krugman pensou muito nisso e concluiu que os verdadeiros inimigos do clima vão muito além de interesses econômicos e influências privadas.
“O que torna a ação racional sobre o clima tão difícil é outra coisa — uma mistura tóxica de ideologia e anti-intelectualismo”, afirma Krugman em seu mais recente artigo publicado no jornal americano The New York Times.
Antes de chegar aí, no entanto, ele faz colocações importantes sobre o imenso temor à perda de empregos e prejuízos econômicos que podem advir das restrições às emissões.
“Na década de 1980 os conservadores alegaram que qualquer tentativa de limitar a chuva ácida podia ter consequências econômicas devastadoras; na realidade, o sistema de cap-and-trade para o dióxido de enxofre foi muito bem sucedido a um custo mínimo”, diz.
Ele acrescenta que os estados do Nordeste americano, que mantém um mercado de carbono bem ativo desde 2009, viram suas emissões caírem drasticamente, enquanto suas economias cresceram mais rapidamente do que o resto do país.
“O ambientalismo não é o inimigo do crescimento econômico”, defende.
Krugman pondera que proteger o meio ambiente impõe, sim, custos para alguns setores. Mas, esses custos seriam menores do que costuma-se pensar.
Segundo ele, hoje, se toda a indústria da mineração e carvão fosse varrida do mapa nos Estados Unidos, o país perderia um dezesseis avos de 1 por cento do seu total de empregos.
“A verdadeira guerra ao carvão, ou pelo menos aos trabalhadores de carvão, ocorreu uma geração atrás, travada não por ambientalistas, mas pela própria indústria do carvão. E os trabalhadores de carvão perderam”, afirma, referindo-se à queda brusca na quantidade de empregos no setor por conta de avanços nas técnicas de extração.
"Então, por que a oposição política ao clima é tão intensa?", questiona.
“Pense sobre o aquecimento global a partir do ponto de vista de alguém que cresceu levando Ayn Rand (uma das mais ferozes defensoras do liberalismo econômico) a sério, acreditando que a busca desenfreada do auto-interesse é sempre bom e que o governo é sempre o problema, nunca a solução", ele escreve.
E continua: “Ao largo disso, alguns cientistas vêm declarando que a busca irrestrita do interesse próprio irá destruir o mundo, e que a intervenção do governo é a única resposta. Não importa o quão amigável ao mercado é a intervenção proposta; este é um desafio direto à visão de mundo libertário”.
Tal desafio, de acordo com Krugman, inspira "negação e pura raiva" daqueles que acreditam que a mudança climática provocada pela ação humana é essencialmente uma conspiração ou um mito.
E o fato de que a ação climática depende de um consenso científico torna as coisas ainda piores, diz ele, porque pende para o “anti-intelectualismo que sempre foi uma força poderosa na vida norte-americana, principalmente no lado direito”.
Assim, conclui Krugman: “O obstáculo real, à medida que tentamos enfrentar o aquecimento global, é a ideologia econômica reforçada pela hostilidade à ciência”. Para o Nobel de economia, o mais difícil é superar o orgulho e a ignorância deliberada.