Economia

Os tesouros do Alibaba

Alibaba: The House That Jack Ma Built Autor: Duncan Clark. Editora: Ecco Press. 304 páginas ——————– Esta não é uma história inédita. As peripécias do ex-professor de inglês Jack Ma, que derrotou o gigantesco eBay e montou o maior site de comércio da China, o Alibaba, já foram contadas em documentários, livros e reportagens em […]

JACK MA, FUNDADOR DO ALIBABA: o maior ecommerce da China quer mostrar que é muito mais do que isso / Stringer/Reuters

JACK MA, FUNDADOR DO ALIBABA: o maior ecommerce da China quer mostrar que é muito mais do que isso / Stringer/Reuters

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Da Redação

Publicado em 9 de julho de 2016 às 07h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.

Alibaba: The House That Jack Ma Built
Autor: Duncan Clark. Editora: Ecco Press. 304 páginas

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Esta não é uma história inédita. As peripécias do ex-professor de inglês Jack Ma, que derrotou o gigantesco eBay e montou o maior site de comércio da China, o Alibaba, já foram contadas em documentários, livros e reportagens em revistas e jornais. Mas existe algo diferente no recém-lançado livro Alibaba: The House That Jack Ma Built (“Alibaba: a casa que Jack Ma construiu”, numa tradução livre), do consultor financeiro americano Duncan Clark. Ele traz uma perspectiva de que o sucesso de Jack Ma não é composto apenas pela habilidade do protagonista, mas sim por uma série de fatores diversos – a conjuntura social da China, os erros ocasionais dos concorrentes e os encontros fortuitos do fundador. Em suma, Clark fala como a sorte foi um fator preponderante para Jack Ma atingisse a fortuna.

Isso não diminui em nada as qualidades de empreendedor de Ma Yun, conhecido no Ocidente como Jack Ma – e às vezes como Crazy Jack (“Jack Louco”). Ao contrário, reconhecer a importância da sorte dá às suas qualidades uma dimensão mais humana. Suas escolhas são mais autênticas justamente porque existe o risco de darem errado.

Apenas dois anos atrás, Jack Ma entrou para o time dos bilionários empreendedores da internet quando o Alibaba fez sua oferta pública de ações na bolsa de Nova York, arrecadando 25 bilhões de dólares por uma parcela de 12% da companhia. Nos dias seguintes, o preço das ações ainda subiu mais, elevando o valor de mercado do Alibaba a quase 300 bilhões de dólares (hoje a empresa vale perto de 195 bilhões).

Ma nasceu em Hangzhou, a principal cidade da província de Zhejiang, no leste da China. Ainda criança, apaixonou-se pela língua e literatura inglesas, especialmente ao ler As Aventuras de Tom Swayer, de Mark Twain. Em 1978, quando tinha 14 anos, o então líder do Partido Comunista Chinês, Deng Xiaoping, iniciou um processo de abertura que multiplicou o número de estrangeiros no país. Ma passou a acordar antes do amanhecer e andar de bicicleta durante 40 minutos até o Hotel Hangzhou, onde se oferecia como guia para os turistas de graça, apenas para treinar seu inglês. “Pratiquei a língua por nove anos, toda manhã, não importava se chovia ou nevava”, diz ele.

Ma era dedicado, mas estava longe de ser um aluno brilhante. No primeiro vestibular que prestou, numa prova nacional chamada gaokao, tirou um ponto em matemática, de 120 possíveis. Tentou de novo e conseguiu 19. Na terceira vez, 89. Era ainda um resultado medíocre. Mas para sua sorte sobraram vagas no Hangzhou Teachers College, e Ma se tornou um professor de inglês. Suas aulas faziam sucesso, porque se centrava menos na sintaxe e na gramática e mais naquilo de que realmente gostava: conversar.

Seu espírito inquieto o levou a empreender. Alguns anos antes este seria um desejo perigoso na China comunista – vários comerciantes haviam parado na cadeia por ganância. Ma tinha uma ideia. Achava que, com sua habilidade em falar inglês, podia ajudar as pequenas empresas a encontrar clientes estrangeiros. Sem deixar o emprego público de professor, lançou com colegas a Hangzhou Haibo Translation Agency, mas a experiência foi um fracasso.

Fez bem em não ter largado o emprego. Por causa dele, Ma foi aos Estados Unidos como intérprete numa disputa comercial. Um parente de um colega lhe mostrou um computador e a internet, então incipiente. Para testá-la, Ma digitou a palavra beer (“cerveja”). Vieram resultados dos Estados Unidos e do Japão. Nenhum da China. Ele digitou China. Nada. Então perguntou se podia fazer uma página sobre sua empresa, a Haibo. Fez isso às 9h40. Ao meio-dia e meia, recebeu um telefonema do amigo dizendo que ele tinha cinco e-mails, com pedidos de traduções. Ele sequer sabia o que era um e-mail.

Essa experiência o convenceu a montar outra empresa, a China Pages, uma espécie de páginas amarelas na internet. Desta vez, Ma largou o emprego. Como pouquíssima gente tinha computador ou internet na China, Ma vendia um serviço que seus clientes não enxergavam. “Fui tratado como trapaceiro durante três anos”, disse.

O cenário começou a melhorar quando uma empresa estatal quis se associar a ele. Ma passou a ser sócio minoritário. Em pouco tempo, foi escanteado. De acordo com Clark, foi ali que Ma decidiu jamais sufocar os sócios minoritários. “Eu nunca tive participação majoritária no Alibaba. Me orgulho disso. Eu sou presidente porque lidero com minha sabedoria, coragem e capacidade, não com capital.” Frustrado com a experiência da China Pages, Ma voltou a ser empregado, desta vez no Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Econômica, em Pequim. Neste emprego, teve um encontro que seria crucial no futuro: serviu de guia para Jerry Yang, um taiwanês que foi cofundador do Yahoo e se tornou bilionário antes dos 30 anos.

Perto da virada do milênio, a internet finalmente começava a despontar na China. Era a época da bolha digital. Ma decidiu que era hora de empreender de novo. Juntou 17 pessoas num apartamento, entre ex-colegas, amigos e sua mulher, Cathy, e lhes vendeu a ideia de fundar o Alibaba – um nome que, para ele, evocava a fortuna. A estratégia era focar os serviços para pequenos negociantes.

A inspiração de Ma vinha de um lugar improvável: seu filme preferido, Forrest Gump. No filme, o rapaz abobado interpretado por Tom Hanks faz fortuna com camarões. Ma diz ter pensado: “Os portais de e-commerce americanos são baleias. Mas 85% dos peixes do oceano são do tamanho de camarões”, disse, se referendo aos pequenos comerciantes. No caso da China, dezenas de milhares de empreendedores não tinham mercado no exterior. Não tinham força para negociar com as empresas estatais, sofriam com a barreira da língua e não tinham sequer um sistema de pagamentos unificado. O valor que o Alibaba podia criar era enorme. Seu sucesso não apenas fez Jack Ma e alguns investidores ganharem muito, muito dinheiro – ele ajudou a criar dezenas de milhões de empregos, abrindo mercado para centenas de milhares de pequenas e médias empresas.

O tubarão e o crocodilo 

O tema central de quase todas as histórias sobre Jack Ma é sua disputa com o gigantesco eBay. Numa entrevista à revista Forbes, em 2005, quando o eBay penetrava o promissor mercado chinês, Ma disse: “o eBay pode ser um tubarão no oceano, mas eu sou um crocodilo no rio Yangtze. Se nós brigarmos no oceano, vamos perder. Mas, se brigarmos no rio, vamos ganhar”.

Antes desse confronto, porém, o Alibaba já tinha passado por um teste de fogo – o estouro da bolha da internet, no ano 2000. Pouco antes, Ma havia encontrado – e encantado – Mayasoshi Son, um investidor japonês que, com apenas cinco minutos de conversa, decidiu investir 40 milhões de dólares no Alibaba. Acabou investindo apenas 20 milhões, porque Ma não quis ceder-lhe o controle, e ficou com 30% das ações. Quando a bolha da internet estourou, Ma tinha dinheiro, novos funcionários e mais de 150.000 membros cadastrados no site, de 188 países. A crise foi até boa para ele – porque sua ideia de negócio era ótima. O recuo dos investidores sufocou a concorrência.

Esse mesmo tipo de sorte – ajudada pelo trabalho e pelo carisma de Ma – o Alibaba teve no início da briga com o eBay. De um lado, Jerry Yang, que Ma havia conhecido anos antes, abriu caminho para uma parceria com o Yahoo. De outro lado, o eBay cometeu uma série de erros cruciais. Para entrar num mercado como a China, extremamente regulado e ainda em construção, o eBay precisava de um parceiro local. Achou um que parecia ideal, o EachNet, criado por um chinês que estudou nos Estados Unidos, mas cometeu a bobagem de comprar o controle da companhia. A segunda bobagem foi mudar o layout do site – em questão de minutos, sua liderança começou a cair, porque o novo site obrigava ao recadastramento e os clientes perdiam seu histórico de transações.

Havia razões para a mudança. Para o eBay, fazia sentido comandar apenas um sistema global. Só que a cultura chinesa favorecia elementos diferentes: um site mais repleto de informações, com pop-ups, cores, títulos berrantes, em vez do ar mais “limpo” do eBay americano. Pior: o eBay fazia manutenções do site à meia-noite das quintas-feiras. Na China, isso significava interromper o funcionamento do site às 15 horas da sexta-feira, por causa do fuso – justamente um horário de grande movimento.

Em meio à crise no eBay, o Alibaba lançou seu golpe de misericórdia: deixou de cobrar taxas dos comerciantes. O eBay ganhava muito dinheiro das taxas, e não tinha como fazer um modelo diferente na China. Insistiu nas taxas até ser ultrapassado de longe pelo Alibaba em participação de mercado. E quando finalmente o eBay adotou o modelo gratuito, era tarde demais.

A vantagem de não ter foco 

No início de sua história, Ma confessava aos investidores que não tinha clareza sobre seu modelo de negócio. De fato, o Alibaba é um misto entre Google, Amazon e eBay, algo só possível na China. Com o sucesso, sua expansão o torna ainda mais parecido com uma combinação dos três. Com o tempo, Jack Ma seguiu os passos de outras companhias de internet e de empresários americanos famosos. Criou um Alipay, nos moldes do PayPal, que virou uma empresa independente. Assim como Jeff Bezos, fundador da Amazon, Ma comprou um jornal, o South China Morning Post, a principal publicação de língua inglesa de Hong Kong. Abriu um fundo de private equity, o Yunfeng. E, como a Amazon, comprou um estúdio de filmagem e o rebatizou como TBO, para criar um serviço de streaming nos moldes da Netflix. Junto com seu braço direito, o sócio Joe Tsai, lançou um fundo filantrópico, para investir em meio ambiente e saúde.

Ma até investiu em futebol. Num acordo negociado quando estava bêbado, Ma investiu 200 milhões de dólares no Guangzhou Evergrande, um time que já teve Robinho no elenco, além de outros cinco brasileiros, e hoje é treinado por Felipão (que já ganhou três títulos). “Acho que não entender de futebol não tem importância. Eu também não entendia de comércio, e-commerce ou internet, e isso não me impediu de entrar nessas áreas.” Num país tão complexo, com tanta coisa por fazer, e ao mesmo tempo tão protegido pelas regras da ditadura comunista, o outro apelido de Ma também parece bem apropriado. Ele cada vez mais incorpora a expressão inglesa: Jack of all trades (“Jack de todos os negócios”).

(David Cohen)

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