Economia

Os segredos dos melhores chefes

Superbosses: How Exceptional Leaders Master the Flow of Talent Autor: Sydney Finkelstein. Editora: Portfolio. 268 páginas. ————————- Existe uma receita sobre como fazer livros de receita de sucesso. Ela foi inaugurada por Tom Peters e Robert Waterman, no primeiro grande best-seller de negócios, Em Busca da Excelência, de 1982: pega-se uma lista de empresas boas, outra […]

MILES DAVIS: pela quantidade de grandes músicos que formou, ele é uma inspiração para aspirantes a grandes chefes / Peter Buitelaar/ Wiki Commons (Peter Buitelaar/Wikimedia Commons)

MILES DAVIS: pela quantidade de grandes músicos que formou, ele é uma inspiração para aspirantes a grandes chefes / Peter Buitelaar/ Wiki Commons (Peter Buitelaar/Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 2 de julho de 2016 às 07h07.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h11.

Superbosses: How Exceptional Leaders Master the Flow of Talent
Autor: Sydney Finkelstein. Editora: Portfolio. 268 páginas.

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Existe uma receita sobre como fazer livros de receita de sucesso. Ela foi inaugurada por Tom Peters e Robert Waterman, no primeiro grande best-seller de negócios, Em Busca da Excelência, de 1982: pega-se uma lista de empresas boas, outra lista de empresas ruins e estuda-se quais características as da primeira lista têm que as demais não exibem. O método foi aprimorado e aplicado com ainda mais fervor pelo consultor Jim Collins, nos livros Feitas para Durar (1994) e Empresas Feitas para Vencer – Good to Great (2001). Neste último, Collins comparou empresas boas com empresas excepcionais.

O mesmo método foi aplicado por Sydney Finkelstein, professor de gestão e diretor do centro de liderança da Escola de Negócios Tuck, no livro Superbosses: How Exceptional Leaders Master the Flow of Talent (“Superchefes: Como os Líderes Excepcionais Dominam o Fluxo de Talento”, numa tradução livre), lançado este ano. É um método trabalhoso, com certeza. Finkelstein afirma ter levado dez anos para conduzir mais de 200 entrevistas e ler centenas de documentos. Assim como Collins, ele não foi atrás apenas de bons exemplos. Quis os melhores: os chefes acima de todos os chefes, para entender o que eles tinham de diferente.

Aí surge um primeiro problema: como definir os melhores chefes? No livro Leadership BS (“As Baboseiras da Liderança”, numa tradução livre), lançado em setembro passado, o professor Jeffrey Pfeffer, da Universidade Stanford, diz que um executivo lhe perguntou como ser um líder melhor. Sua resposta: “Diga-me por qual critério você quer ser um líder melhor. Desempenho? Caso sim, em qual período e com quais métricas? Manter o seu cargo? Obter o maior salário possível para si mesmo? Mudar para uma posição mais prestigiada em outra empresa o mais rápido possível? Melhorar o nível de satisfação dos empregados e diminuir a rotatividade?”.

Deveria ser óbvio – mas a negação dessa obviedade sustenta uma indústria bilionária de formação de lideranças – que um líder não existe no vácuo. A resposta para a vontade de ser um líder melhor inclui não apenas entender quais os seus objetivos pessoais, mas também conhecer o ambiente em que você atua; suas normas, seus códigos, as pessoas que o compõem, os critérios explícitos e implícitos de avaliação de sucesso. O melhor profissional em um ambiente pode ser um fracassado em outro. O melhor chefe em um momento pode ser um vilão no seguinte.

Para dar conta das diferenças, Finkelstein usa um atalho inaugurado por Platão, dois milênios e meio atrás. Num dos seus diálogos, como sempre usando Sócrates como personagem principal (Alcibíades 1), Platão desdenha de Péricles, um dos codificadores da democracia ateniense, afirmando que uma prova de sua falta de sabedoria é que ele fracassou em educar os próprios filhos. Mais do que isso: “Fale-me sobre qualquer outro ateniense ou estrangeiro, escravo ou homem livre, que tenha se tornado mais sábio por meio de conversas com Péricles”, diz Sócrates, no relato platônico. Quer dizer: o julgamento sobre a capacidade de formar

sucessores é tão ou mais importante do que os resultados de sua liderança – se a cidade prosperou, se as pessoas estão mais felizes, se a glória de Atenas aumentou ou diminuiu.

É esta a régua que Finkelstein usa para definir um superchefe. Sim, importam os resultados. Mas a nota de corte é a formação de pessoas. Em setores tão diversos quanto futebol, propaganda, alimentação, imóveis, fundos de investimento, comédia, moda, diz Finkelstein, “se você observar os 50 maiores talentos de cada área, vai notar que talvez 15 ou 20 trabalharam ou foram aconselhados por um ou alguns poucos criadores de talentos”. Bill Walsh, um famoso técnico de futebol americano, é um exemplo. No ano em que ele morreu, em 2008, treinadores que já haviam trabalhado com ele dirigiam 26 dos 32 times da primeira liga.

Alice Waters, renomada chef do restaurante Chez Panisse, em Berkeley, na Califórnia, é outro caso. “Ela é responsável por cultivar os maiores talentos culinários do país”, afirma Finkelstein. Roger Corman, um cineasta conhecido como o “rei dos filmes B”, catapultou talentos como Robert De Niro, Francis Ford Coppola, Jack Nicholson, James Cameron e Jonathan Demme.

Lorne Michaels, criador do programa humorístico Saturday Night Live, formou dezenas de talentos, incluindo Jon Stewart, que por sua vez deu impulso a Steve Carell (do seriado The Office), Stephen Colbert e John Oliver (ambos com programas que misturam jornalismo e entretenimento). Executivos que trabalharam com Michael Miles na fabricante de alimentos Kraft Foods saíram para se tornar presidentes de empresas como a Nabisco, Sopas Campbell, Mattel, Young & Rubicam e Gillette.

Junte gente desse quilate, acrescente um músico Miles Davis (responsável por lançar Herbie Hancock, Wayne Shorter, Dave Holland, Chick Corea e, como se não bastasse, John Coltrane) e é praticamente impossível não fazer um livro repleto de histórias interessantes, com diversos insights sobre como gerenciar pessoas.

A categoria dos incategorizáveis 

Infelizmente, isso não quer dizer que a receita vá transformar qualquer gestor em um superchefe. Talvez nem mesmo num chefe só um pouquinho melhor. Embora ele diga que, ao estudar os superchefes, esbarrou “em um verdadeiro cálice sagrado para profissionais e gestores” e que “a sabedoria dos superchefes não é apenas útil para o resto de nós, ela é uma questão de vida ou morte”, a parte mais fraca do livro são aqueles pedaços em que Finkelstein tenta extrair lições dos seus modelos de líder.

O resultado são conselhos bem-intencionados, mas raramente úteis, como a recomendação de se apaixonar de verdade (“não apenas invoque possibilidades para seus comandados porque você acha que isso pode resultar em um ponto a mais de participação de mercado; faça isso porque você realmente sente paixão pela sua equipe e sua missão”) ou a hoje em dia ubíqua defesa da inovação (“não tema o que é novo”).

A dificuldade é que Finkelstein montou seu livro sobre uma contradição: exalta líderes que se rebelam contra regras estabelecidas e tenta estabelecer regras sobre como eles se comportam. Defende que seus exemplos são excepcionais, e quer descobrir a norma. Para fazer isso, recorre ao truque de encarar as contradições como paradoxos. (A primeira

vantagem é que o nome impõe mais respeito. A segunda é que o termo paradoxo passa a impressão de que o caso pode ser resolvido, num outro nível de pensamento.)

Assim, os superchefes costumam meter a mão em tudo, mas são ótimos em delegar; promovem ao mesmo tempo a competição e a cooperação; são rígidos, porém flexíveis. Explica-se: delegam, mas estão sempre por perto, interessados; cercam-se de gente competitiva como eles, que no entanto entendem que precisam uns dos outros; são rígidos em relação a sua visão, mas aceitam uma multiplicidade de caminhos para chegar lá.

O lado bom de abraçar as contradições (desculpe, os paradoxos) é que a realidade nunca vai desmentir suas teses: tanto o argumento A como o argumento não-A comprovam o que você disse. O lado não tão bom é que os conselhos não são de verdade extraídos dos “superchefes”. São os conselhos de Finkelstein, ilustrados por histórias de gente admirável.

O problema da liderança 

A questão não é apenas a dificuldade de extrair lições deste conjunto de líderes. É o descrédito da própria indústria das lições. Só nos Estados Unidos, as grandes empresas gastam por volta de 14 bilhões de dólares por ano em treinamento de lideranças, segundo uma pesquisa da consultoria McKinsey, e as editoras despejam uma média de quatro livros sobre liderança por dia. Apesar disso, os níveis de engajamento no trabalho são pífios.

Claramente, algo não está funcionando direito com a indústria da liderança, como ressaltou a professora de Harvard Barbara Kellerman, uma expoente desse ramo que se rebelou e lançou, em 2012, o livro O Fim da Liderança. Sua mensagem principal parece a de Moisés Naím, em O Fim do Poder (2013): o mundo passa por diversas rupturas e a liderança tradicional, centralizada, deve dar lugar a um modelo que privilegia o multilateralismo e a autonomia.

Talvez o grande segredo dos superchefes não esteja tanto neles quanto em seus seguidores. Gente de espírito forte acaba atraindo pessoas também de espírito forte – e uma parte delas vai sugar conhecimento, aproveitar o networking, apreender as artimanhas, mimetizar comportamentos (incluindo a disposição de ser criativo). Uma característica do método de Finkelstein é que ele julga a qualidade dos chefes pelo sucesso de alguns de seus seguidores. E os outros?

Alguns anos atrás, compareci a uma reunião de ex-colegas de uma empresa em que trabalhei. Eu fazia, naquela época, parte de um grupo de protegidos do chefe e acreditava que o ambiente de trabalho era dinâmico, desafiador, compensador. Qual não foi minha surpresa quando duas moças se referiram àquele tempo como “o pior momento de suas carreiras”.

Esta é uma falha desse tipo de receita de sucesso. A comparação pura e simples de casos bons com casos ruins não permite dizer quais práticas dão certo – porque não se analisou todo o universo de pessoas ou empresas que adotaram aquelas práticas e ficaram pelo caminho. Quando olhamos apenas os casos de campeões, em vez de uma receita de sucesso podemos chegar a uma receita de volatilidade. Como aponta Phil Rosenzweig, professor da escola de negócios suíça IMD, no livro Derrubando Mitos, esta é uma confusão comum: a busca de causas a partir dos efeitos.

Segundo Marcus Buckingham e Curt Coffman, dois consultores do instituto de pesquisas Gallup e autores de Primeiro Quebre Todas as Regras, um livro baseado em mais 80.000 entrevistas com gerentes de mais de 400 empresas, não há muitos traços em comum entre os melhores chefes. Eles têm estilos diferentes, motivações diferentes, formas de se comunicar diferentes, além de idades, etnias, credos e culturas diferentes.

E esta é, contraditoriamente, a maior força do livro de Finkelstein. Por mais que ele tente unir seu grupo de superchefes em uma fórmula comum, aqui e ali escapam sua diversidade, sua riqueza. Os personagens – retratados em boa parte por entrevistas com seus protegidos – garantem a obra.

Os exemplos dos superchefes 

O fato de que a receita do livro é menos dos superchefes que do próprio autor também não significa que se deva descartá-la inteiramente. Finkelstein é um consultor experiente, exposto a inúmeras situações em seus trabalhos com algumas das maiores companhias do mundo, e autor de outros 18 livros. É natural que tenha desenvolvido algumas teses ao longo do caminho.

Segundo ele, há três tipos de chefes que conseguem desenvolver talentos. O primeiro é o que ele chama de iconoclastas – que só se importam com seu trabalho, sua paixão. “São tão fixados com sua visão que são capazes de ensinar de modo intuitivo, orgânico, algo que extravasa de sua paixão e está a serviço dela, em vez de fazer algo consciente ou metódico”, escreve.

Miles Davis é um exemplo desse tipo. O modo como se apresentava – de costas para o público, com a atenção firmemente voltada para os músicos – indicava sua preocupação com a música em si, não com como ela seria recebida pela audiência ou pela crítica. Um sujeito assim escolhia e colaborava com jovens talentos, não por vontade de ensinar-lhes algo, e sim porque queria aprender com eles. Esperava que trouxessem contribuições que o ajudassem a melhorar sua música. “Para ser um grande músico você tem de estar sempre aberto para o novo, para o que está acontecendo no momento”, dizia.

Por esta razão, quando John Coltrane começou a ser quase tão reverenciado quanto ele, Davis não se sentiu enciumado. Sentiu-se energizado (segundo sua autobiografia). Lorne Michaels, criador do programa Saturday Night Live, tem uma regra: “Se você é a pessoa mais esperta da sala, está na sala errada. Se você olha para os colegas e pensa ‘caramba, esse pessoal é extraordinário’, provavelmente está na sala certa”.

O segundo tipo de superchefes são os “bastardos gloriosos”. Eles também não têm interesse especial em ajudar ninguém. O que querem é vencer. Podem ser cruéis, demandantes, até abusivos. O que os diferencia de um chefe truculento usual é que eles têm plena consciência de que precisam dos outros para atingir seus objetivos. Sabem que o sucesso de seus acólitos é seu caminho para a glória.

Um exemplo desse segundo tipo é Larry Ellison, fundador da Oracle, um chefe que inventou o sistema de gestão MBR: management by ridicule (gestão pelo ridículo). Ellison não titubeou quando Mark Hurd saiu da HP, atingido por acusações de assédio sexual; contratou-o e arranjou-lhe espaço como copresidente da Oracle, ao lado de Safra Catz (ambos viraram co-CEOs quando Ellison deixou o cargo, em 2014). É notório que trabalhar com Ellison é difícil. Mas de seus quadros saíram um presidente da Salesforce, um vice-presidente da EMC, o fundador e presidente da Siebel Systems, entre outros.

A combinação de um ego poderoso com a certeza de que precisa de uma equipe forte torna o superchefe um bom candidato a formador de talentos. “Eles têm extrema autoconfiança, até temeridade, na promoção de suas ideias”, diz Finkelstein. “Por isso não se sentem ameaçados.” Isso os faz buscar gente realmente excepcional.

Finalmente, o terceiro tipo de chefe que consegue desenvolver talentos são os cuidadores – estes, sim, orgulhosos de sua capacidade de fazer as pessoas progredirem. Roger Corman costumava preencher posições em suas produções com pessoas que ele tinha contratado para funções completamente diferentes. Jack Nicholson, por exemplo, trabalhou para ele como escritor e diretor. Esse tipo de rotatividade faz os talentos adquirirem novas habilidades, estarem sempre em “modo de aprendizado”.

Como estão sempre testando pessoas, dando-lhes desafios, é normal que a taxa de fracassos também aumente. Isso leva a uma rotatividade acima da média – o que não é um problema para eles. Corman, por exemplo, achava que isso era sua obrigação. Se o seu pessoal não estivesse constantemente sendo seduzido pela concorrência, com salários melhores em estúdios maiores, significava que ele não estava fazendo seu trabalho direito.

A característica mais marcante dos superchefes, segundo Finkelstein, é o pouco apego a regras. Eles não têm muita paciência para processos esquemáticos de contratação (preferem conversas pessoais, sobre motivação e visão), também não respeitam os caminhos estabelecidos de ascensão (em vez de “escadas para subir na carreira”, ou treinamentos de competências para o próximo desafio, privilegiam métodos mais “confusos e caóticos”. Segundo Finkelstein, têm um método desenvolvido para cada protegido.

São, em suma, profissionais especiais. Por isso mesmo, não há regra para tornar-se um deles. Seguir uma receita como a de Finkelstein é provavelmente um sinal de que você não é um deles. No entanto, a tese do livro é que você pode se aproximar do Olimpo.

(David Cohen)

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