Economia

Os altos e baixos do dólar

Alvaro Bodas Hoje ele custa em torno de R$ 3,40, mas o dólar já chegou a R$ 4,00 em outubro de 2002, durante as eleições que levaram Luiz Inácio Lula da Silva pela primeira vez à presidência, e caiu para R$ 1,56 em julho de 2008, no início da crise financeira nos EUA, batendo essa […]

notas-de-dolar (Alex Wong/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 6 de dezembro de 2016 às 19h10.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h04.

Alvaro Bodas

Hoje ele custa em torno de R$ 3,40, mas o dólar já chegou a R$ 4,00 em outubro de 2002, durante as eleições que levaram Luiz Inácio Lula da Silva pela primeira vez à presidência, e caiu para R$ 1,56 em julho de 2008, no início da crise financeira nos EUA, batendo essa mesma cotação em julho de 2011. Em janeiro deste ano voltou aos R$ 4,10 e, desde então, vem cedendo e se estabilizou perto dos R$ 3,40. Afinal, o que faz o preço da moeda americana variar tanto, muitas vezes em um curto período? Simplificando bastante, o motivo é a boa e velha lei da oferta e da procura: quando um artigo é abundante e a procura por ele é pequena, a tendência é seu preço cair. Por outro lado, se a oferta á limitada e a demanda cresce, o preço aumenta. Mas, antes de explicar porque isso acontece com o dólar, é preciso entender como a moeda se transformou na maior referência cambial do mundo.

Do ouro para o dólar

Até 1914, o mundo utilizava o padrão-ouro: cada país adotava um valor fixo para a sua moeda em relação ao metal, e o comércio entre as nações respeitava essa espécie de “tabela de referência”. Isso impedia que alguns países usassem a taxa de câmbio para aumentar suas exportações, compensando eventuais déficits comerciais desvalorizando a própria moeda, como acontece hoje — era preciso vender ou comprar ouro, para manter o lastro de acordo com a tabela de referência adotada inicialmente. Dessa maneira, os desequilíbrios nas economias tinham que ser resolvidos com alterações nas taxas de juros ou aumento de impostos. Até essa época, grande parte das reservas financeiras das nações era em ouro.

Veio a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e um grande desequilíbrio nas economias de todo o mundo, um período de instabilidade que durou até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Foi então que, ainda durante o conflito, em julho de 1944, 730 delegados de 44 países aliados se reuniram em Bretton Woods, nos Estados Unidos, para discutir uma nova ordem econômica e restabelecer o capitalismo mundial. O acordo manteve o câmbio vinculado ao ouro, mas estabelecia o dólar como a única moeda com valor diretamente fixado ao metal, e os outros países teriam um valor fixo para a sua moeda em relação ao dólar. Isso só reforçou a importância e a influência da forte economia dos EUA no pós-guerra.

Esse sistema durou até o início da década de 1970, quando países como Canadá, Inglaterra e Japão começaram a boicotá-lo. A economia mundial começava a se recuperar e os países passaram a ter superávits crescentes por meio de exportações para os EUA, inundando o mundo de dólares e fazendo com que a moeda americana perdesse poder de compra e confiabilidade como referência internacional.

Em 1971, o presidente norte-americano Richard Nixon rompeu o acordo de Bretton Woods, porque os EUA estavam com um déficit comercial tão grande que tiveram que corrigi-lo desvalorizando sua moeda. Ora, desvalorizar o dólar significava o fim do regime de câmbio fixo e do acordo estabelecido em 1944, que foi deixado oficialmente de lado e deu início ao regime de câmbio flutuante que conhecemos hoje. Desde então, os governos podem intervir e desvalorizar a cotação de suas moedas frente ao dólar como forma de incentivar as exportações e corrigir déficits e desequilíbrios comerciais.

Hoje, a moeda americana é usada em 90% das transações no planeta, e dois terços das reservas internacionais dos países são em dólares. O Brasil é o sétimo país que mais tem dólares guardados em seu Banco Central, com um total de US$ 372,8 bilhões (posição em 29/11/2016).

Buscando o equilíbrio

Voltando à lei da oferta e da demanda: quando há dólares em excesso em um país, a tendência é que sua cotação baixe. E, quando há poucos dólares em circulação, o preço sobe. A moeda entra no Brasil por meio de investimentos estrangeiros, bolsa e renda fixa, exportação de produtos para outros países ou mesmo quando brasileiros que residem no exterior enviam dinheiro para cá. Por outro lado, dólares saem do país por meio da importação de produtos, turismo no exterior, remessas de multinacionais e pagamentos de empréstimos, entre outros.

Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco, lembra que vários fatores interferem nesse fluxo de entrada e saída. “Quanto maior o preço dos itens exportados em relação ao preço dos itens importados, mais divisas recebemos do exterior em relação ao que sai. Se os preços das commodities sobem, aumenta a oferta de dólares no Brasil”, explica. “A nossa alta taxa de juros atrai compradores de títulos brasileiros e também aumenta a oferta da moeda, ao passo que a aversão ao risco global tende a diminuir o fluxo de dólares para países emergentes como o Brasil”.

Além disso, se a economia vai mal, se o ambiente de negócios não é propício para investimentos ou se o ambiente político traz incertezas, é provável que investidores pensem duas vezes antes de trazer seus dólares para o país, diminuindo a quantidade da moeda internamente. Por isso, o processo de deterioração econômica que o Brasil vem sofrendo há sete trimestres, somado à desorganização política, afeta o fluxo de investimentos e negócios no país. E, com a fuga de dólares, a tendência é de valorização da moeda americana e, por consequência, desvalorização do real.

“Com a queda da atividade econômica, passamos a importar menos, o que diminui a saída de dólares”, diz Rogério Mori, professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Ele lembra também de outra variável dessa dinâmica do dólar: as taxas de juros em outros países, especialmente a taxa dos Estados Unidos. “Depois da crise americana de 2008, os juros nos EUA estavam perto de zero, o Brasil atraiu capitais por conta da nossa alta taxa de juros e a cotação do dólar chegou a R$ 1,60. Agora, com a nossa economia mais deteriorada e o provável aumento dos juros nos EUA, os dólares podem ser atraídos para lá, o que pressiona o aumento da sua cotação no Brasil”.

Equação de muitas variáveis

Neste ano, até novembro a queda na cotação do dólar foi de 14,38%. Apenas em novembro, no entanto, houve alta de 6,2% e a moeda terminou o mês cotada a R$ 3,387. Mesmo considerando que nos dois últimos meses do ano há remessas de lucros e dividendos para o exterior, a variação reflete as incertezas em relação à política americana, com a inesperada eleição de Donald Trump, e também com a crise política brasileira — com a queda de dois ministros do governo Temer — incertezas sobre o ajuste fiscal, embate entre o Legislativo e o Judiciário, manifestações e expectativas em relação à delação da Odebrecht. Ou seja, tudo que pode influenciar na política e na economia, também pode afetar o câmbio.

Muitos especialistas afirmam que não existe uma cotação ideal. O dólar valorizado é bom para os exportadores brasileiros, já que compradores estrangeiros desembolsam menos dinheiro para comprar mercadorias do Brasil, tornando nossos produtos mais competitivos. A cotação mais alta favorece também a produção nacional, porque os importados ficam mais caros. O turismo interno também ganha, pois os brasileiros tendem a escolher destinos nacionais.

Já o dólar baixo favorece as viagens e gastos no exterior, assim como a compra de artigos importados, inclusive equipamentos industriais e matérias primas. A concorrência de artigos importados também faz com que as empresas nacionais reduzam seus preços, tirando o fôlego da inflação. A incerteza e o sobe e desce, no entanto, são prejudiciais à economia, pois não permitem que as empresas e as pessoas façam planos e investimentos de longo prazo. “Creio que hoje o ideal seria uma cotação próxima de R$ 3,80. O real depreciado desestimula as importações e estimula a compra de produtos fabricados internamente, reaquecendo a economia”, opina Rogério Mori.

Julia afirma que o Itaú Unibanco projeta uma taxa de câmbio de R$ 3,40 ao fim deste ano e R$ 3,60 ao fim de 2017. “O resultado das eleições americanas deve pressionar moedas de mercados emergentes, entre elas o real. O fluxo de capitais para países emergentes (entre eles o Brasil) tende a diminuir e as moedas tendem a perder força ante o dólar. Acreditamos que o cenário doméstico, com aprovação de reformas fiscais e o cenário internacional, com alta ainda gradual de juros nos EUA, causem uma ligeira depreciação do real no ano que vem”, afirma ela.

Controle, se necessário

Em 1994, com o Plano Real, o Brasil adotou o câmbio fixo, que estabeleceu a paridade entre 1 real e 1 dólar. Entre 1995 e 1999, o Banco Central passou para o regime de Banda Cambial, na qual se estabelece uma “banda” que limitava a subida e a queda do câmbio. Desde 1999 vivemos o chamado Câmbio flutuante “sujo”, em que a moeda oscila livremente de acordo com a oferta e a demanda, mas com algumas intervenções pontuais do BC, quando necessário. O BC pode vender dólares para provocar a queda no preço ou promover a compra para, por meio de alta na demanda, forçar uma elevação da cotação. Para isso, a instituição dispõe de mais de US$ 370 bilhões em reservas internacionais, dinheiro que garante poder de fogo ao governo para levar a cotação do dólar para cima ou para baixo, de acordo com a necessidade. “É importante ressaltar que o BC não atua para defender um determinado nível de câmbio, apenas para atenuar eventuais disfunções”, explica Julia.

O atual regime de câmbio flutuante permite que os bancos comprem e vendam dólares entre si sem a intervenção do BC, e o valor do dólar em relação ao real oscila de acordo com a oferta e a demanda do mercado. Há uma flexibilidade maior e adaptação dos preços da economia às condições de mercado, com intervenções esporádicas e pontuais do BC. “O câmbio flutuante permite que consigamos absorver parte de choques e desequilíbrios por meio das flutuações no câmbio, sem ter que mexer na taxa de juros”, explica Rogério Mori. “A vantagem é poder atenuar o efeito de crises externas sem usar os juros. Ou seja, quando o fluxo de capitais para o país diminui, a nossa moeda deprecia e o Banco Central não precisa necessariamente subir os juros para conter a depreciação cambial”, completa Julia.

E eu com isso?

Para o consumidor, praticamente tudo é impactado pela variação cambial. Como o dólar é a moeda de referência internacional, sua cotação afeta a tomada de decisões locais, como custo dos investimentos, preço dos bens de capital, como máquinas, equipamentos e ferramentas e toda a estrutura de produção do país. É uma variável que afeta diretamente a produção de bens e seu custo final para o consumidor, no caso da indústria nacional, e também dos produtos importados, que têm seu preço atrelado ao dólar. Além disso, a moeda tem influência sobre a taxa de juros e em outras engrenagens importantes da economia, afetando direta ou indiretamente os investimentos e todos os elos da cadeia produtiva em nosso país.

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