O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, participa do seminário, O padrão OCDE de preços de transferência e a abordagem brasileira: o caminho à frente. (José Cruz/Agência Brasil)
João Pedro Caleiro
Publicado em 12 de agosto de 2019 às 12h54.
Última atualização em 13 de agosto de 2019 às 10h08.
São Paulo - A proposta de emenda constitucional da reforma tributária, a ser apresentada pelo governo federal nas próximas semanas, deve ter três pilares.
São eles mudanças no imposto de renda de empresas e cidadãos, um imposto sobre valor agregado (IVA) em nível federal e um novo imposto sobre transações financeiras que substituiria a tributação sobre a folha de pagamentos.
Os detalhes foram dados pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em evento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) nesta segunda-feira (12).
O governo pretende estabelecer uma alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) no patamar de 20% a 25%, segundo Cintra. Hoje, a tributação sobre as empresas chega a 34%.
Em relação às mudanças na tabela do Imposto de Renda da pessoa física, o secretário disse que estão sendo feitas simulações e que a equipe econômica está atenta a possíveis perdas na arrecadação.
O cálculo não leva em conta o potencial de arrecadação ao limitar as deduções com educação e saúde, o que está em estudo pela equipe econômica e foi citado por Cintra como justo do ponto de vista social:
"Hoje existe um benefício excessivo a famílias de mais alta renda que usam medicina particular, ao passo que o grosso da sociedade usa o sistema SUS e não precisa de nenhuma dedução", disse ele.
O secretário afirmou que na proposta do governo, o modelo de imposto sobre valor agregado (IVA) valerá apenas para a tributação federal, unificando impostos como PIS, Cofins e IOF.
"Num primeiro momento, não vamos mexer com estados e municípios, porque não podemos correr o risco de passar outros 30 anos sem ter avanços significativos" na área, disse ele.
A ideia de focar apenas nos impostos federais vai de encontro com a PEC 45, desenhada pelo economista Bernard Appy e atualmente aguardando parecer do relator na comissão especial da Câmara dos Deputados.
O texto da PEC 45 cria um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) nos moldes do IVA, da mesma forma que a proposta de Cintra, mas abarcando também os impostos estaduais ICMS e ISS.
"Reforma tributária sem tratar dos Estados não parece uma reforma eficaz", disse Rodrigo Maia, presidente da Câmara, em discurso em evento do Santander em São Paulo também nesta segunda-feira (12).
Para Cintra, o IVA nacional que Appy propõe e Maia defende é "inatacável do ponto de vista conceitual", mas teria vida curta por causa das mudanças econômicas, exigindo uma nova reforma já em 10 a 15 anos.
Ele deu exemplo de países e regiões que estão tendo dificuldades para implantar um IVA também em seus Estados, como Índia e Alemanha.
O terceiro pilar da reforma proposta pelo governo federal seria desonerar a folha de pagamentos e criar no lugar um novo imposto sobre transações financeiras.
Cintra reconheceu que o imposto é da mesma "espécie" que a extinta CPMF e que esse tipo de tributo causa distorções e gera cobranças em cascata, mas defendeu que ainda assim ele é de menor impacto.
"Mesmo cumulativo, o nível de distorção é mais baixo do que com um IVA de alíquota mais alta", afirmou. Ele diz preferir um imposto sobre transações com alíquota de 2% do que um IVA com alíquota de "30%, 35%".
Cintra insistiu em dizer que o novo imposto seria diferente da CPMF por duas razões: a primeira é que o novo imposto substituiria outros, enquanto a CPMF foi só um imposto a mais, e a segunda é que o novo imposto de transações financiaria a Previdência.
Outra vantagem do imposto sobre pagamentos, segundo Cintra, é que ele atingiria também os 30% de recursos que hoje estão na informalidade e portanto fora do alcance da arrecadação.
"Esse novo imposto vai pegar essa parcela. Ele é justo, proporcional. Quem ganha mais, paga mais; quem ganha menos, paga menos, ele é uma proporção daquilo que ele movimenta", disse.
O chefe da Receita voltou a falar sobre o mecanismo chamado por ele de "gangorra", que permitiria ajuste na proporção na qual IVA e imposto sobre pagamentos bancariam a desoneração da folha.
O secretário esclareceu que a proposta a ser encaminhada ao Congresso não trará ainda a definição da alíquota sobre transações, o que terá ainda de ser discutido.
Segundo o secretário, o ministro da Economia, Paulo Guedes, começará a fazer um detalhamento mais explícito de todos os itens da reforma a partir da próxima semana.
Cintra admite que, mesmo com um ambiente politicamente propício a reformas, o debate "não será fácil" mas "não podemos perder o momento, ou seja, terminar o governo sem reforma tributária".
Ele prevê um protagonismo dos prefeitos no debate pelo fato deles controlarem os serviços, que são uma base tributária cada vez mais relevante na economia digital.
"A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) emitiu um documento mostrando que não estariam dispostos a abrir mão da competência tributária sobre os serviços, a não ser em condições muito específicas, o que abre um leque de dificuldades", disse Cintra.
No discurso desta segunda-feira, Maia frisou que "em hipótese alguma" o Congresso vai retomar a CPMF: “Eu trabalhei pelo fim da CPMF e não vai ser agora que vou retomar este tema”, disse.
Da mesma forma, o IVA pode sofrer resistências de setores que tendem a ter uma carga mais alta após a reforma, como o de serviços.
Segundo Maia, há setores que pagam “muito pouco imposto” de um lado enquanto que do outro há grandes empresas com estrutura tributária enorme para conseguir cumprir suas obrigações tributárias.
“Temos de construir alguma saída para que nenhum setor tenha alíquota muito acima das condições que tem de pagar”, defendeu Maia.
O presidente da Câmara defendeu que é preciso discutir como e quando outros temas entrarão na reforma tributária - especialmente a questão do imposto de renda.
Membros do governo falam em reduzir a carga tributária, mas economistas alertam que não há espaço fiscal para isso. Mais de 90% dos gastos são engessados por lei e a previsão oficial é de um déficit público de 139 bilhões em 2019.
(Com José de Castro, da Reuters, e Estadão Conteúdo)