mão-de-robô (muratsenel/Thinkstock)
João Pedro Caleiro
Publicado em 2 de dezembro de 2017 às 08h00.
Última atualização em 4 de dezembro de 2017 às 11h32.
Artigo de Thomas Kochan, professor na MIT Sloan School of Management, e Lee Dyer, professor emérito da Universidade de Cornell
As tecnologias na base da inteligência artificial estão sendo expandidas de forma exponencial, levando muitos futuristas e especialistas em tecnologia a prever que as máquinas estarão em breve realizando muitos dos trabalhos hoje feitos por humanos, com alguns até prevendo que os humanos podem vir a perder o controle sobre seu futuro.
Apesar de concordarmos sobre as mudanças sísmicas em curso, não acreditamos que esta seja a forma correta de pensar sobre o tema. Abordar o desafio desta forma supõe que a sociedade precisa ser passiva em relação a como as tecnologias do amanhã são desenhadas e implementadas.
A verdade é que não há nenhuma lei absoluta determinando o formato e as consequências da inovação. Todos nós podemos ter influência sobre para onde ela nos leva.
Então a pergunta que a sociedade deveria estar fazendo é: “Como podemos direcionar o desenvolvimento das tecnologias futuras de uma forma que os robôs nos complementem ao invés de nos substituir?”.
Os japoneses têm uma frase adequada para isso: “dar sabedoria às máquinas”. E a sabedoria vem dos trabalhadores e de uma abordagem integrada do design da tecnologia, como mostra a nossa pesquisa.
Não há nenhuma dúvida de que tecnologias vindouras, como a inteligência artificial, eliminarão alguns empregos, como fizeram as do passado.
Mais da metade da força de trabalho americana estava envolvida na agricultura na década a partir de 1890, quando este ainda era um setor intenso em trabalho e fisicamente demandante.
Atualmente, graças à mecanização e ao uso de análises de dados sofisticadas para manejar a operação de grãos e gado, menos de 2% está na agricultura, mas sua produção é significativamente mais alta.
Mas as novas tecnologias também irão criar novos empregos. Depois que os motores a vapor substituíram os motores hidráulicos como fonte de energia da manufatura na década a partir de 1800, o setor se expandiu sete vezes, de 1,2 milhão de empregos em 1830 para 8,3 milhões em 1910.
De forma similar, muitos temiam que o surgimento dos caixas eletrônicos nos anos 70 substituiriam os caixas de banco. Mas apesar das máquinas serem hoje onipresentes, a realidade é que hoje há mais caixas de banco realizando uma variedade muito mais ampla de tarefas de atendimento ao consumidor.
Então tentar prever se uma nova onda de tecnologias vai criar mais empregos do que destruir não vale o esforço, e mesmo os especialistas estão divididos igualmente.
É particularmente sem sentido considerando que talvez menos de 5% das atuais ocupações provavelmente desaparecerão inteiramente na próxima década, de acordo com um estudo detalhado pela McKinsey. Ao invés disso, vamos focar nas mudanças que elas farão em como as pessoas trabalham.
Para entender porque, ajuda pensar em um emprego como algo composto de uma série de tarefas que podem ser levadas a cabo de formas diferentes quando apoiadas por novas tecnologias.
Do outro lado, as tarefas realizadas por trabalhadores diferentes – colegas, gerentes e muitos outros – também podem ser rearranjadas de formas que fazem o melhor uso de tecnologias para concluir o trabalho. Especialistas em design do trabalho chamam isso de “sistemas de trabalho”.
Uma das principais conclusões do estudo da McKinsey é que cerca de um terço das tarefas realizadas em 60% dos empregos atuais possivelmente serão eliminadas ou alteradas significativamente pelas tecnologias que vêm por aí.
Em outras palavras: a vasta maioria de nossos empregos ainda estará aqui, mas o que fazemos diariamente mudará drasticamente.
Até agora, a robótica e outras tecnologias digitais tiveram seus maiores efeitos em tarefas majoritariamente rotineiras, como verificação de ortografia, ou aquelas perigosas, sujas ou difíceis, como levantar pneus pesados para colocar na roda de uma linha de produção.
Avanços na inteligência artificial e no aprendizado de máquinas vão expandir significativamente a gama de tarefas e ocupações afetadas.
Estivemos explorando este tipo de questão por anos como parte das nossas discussões sobre remodular o trabalho para o século XXI.
Em nosso livro recentemente publicado, “Shaping the Future of Work: A Handbook for Change and a New Social Contract” (em tradução livre: "Moldando o Futuro do Trabalho: um Manual para Mudança e um Novo Contrato Social"), descrevemos porque a sociedade precisa de uma estratégia integrada para tomar o controle de como as tecnologias futuras afetarão o trabalho.
E esta estratégia começa ajudando a definir quais os problemas que os humanos querem que as novas tecnologias resolvam. Não devemos deixar isso apenas para os seus inventores.
Felizmente, alguns engenheiros e especialistas em inteligência artificial estão reconhecendo que os usuários finais de uma nova tecnologia precisam ter papel central em guiar seu desenho para especificar quais problemas eles estão tentando resolver.
O segundo passo é garantir que estas tecnologias sejam desenhadas juntamente com os sistemas de trabalho com os quais serão combinadas.
O processo do chamado “design simultâneo” produz melhores resultados tanto para as empresas quanto para os trabalhadores comparado com a estratégia sequencial – típica hoje – que envolve desenhar a tecnologia e só depois considerar seu efeito sobre a força de trabalho.
Uma excelente ilustração de design simultâneo foi como a Toyota lidou com a introdução de robôs em suas linhas de produção nos anos 80.
Ao contrário de rivais como a General Motors, que seguiram uma estratégia sequencial, a fabricante japonesa redesenhou seus sistemas de trabalho ao mesmo tempo, o que a permitiu desfrutar o máximo possível das novas tecnologias e de seus empregados. E ainda mais importante, a Toyota solicitou diretamente de seus empregados ideias para melhorar suas operações.
Fazendo isso, a Toyota atingiu produtividade e qualidade mais altas em suas plantas antes de competidores como a GM, que investiram pesadamente na automação isolada antes que ela começasse a alterar os sistemas de trabalho.
Da mesma forma, negócios que ajustaram seus sistemas de trabalho em conjunto com a tecnologia da informação nos anos 90 tiveram performance melhor do que aqueles que não o fizeram.
E companhias de saúde como a Kaiser Permanente e outras aprenderam a mesma lição ao introduzirem registros médicos eletrônicos na década passada.
Cada um destes exemplos demonstra como a introdução de uma nova tecnologia vai além de apenas eliminar empregos. Se bem gerenciada, ela pode mudar como um trabalho é feito de formas que aumentam a produtividade e o nível de serviço ao ampliar as tarefas que os humanos fazem.
Mas o processo não acaba aí. As empresas precisam investir em treinamento contínuo para que seus trabalhadores estejam prontos para ajudar a influenciar, usar e se adaptar às mudanças tecnológicas. Este é o terceiro passo para desfrutar ao máximo das novas tecnologias.
E precisa começar antes que elas sejam introduzidas. A parte importante disso é que os trabalhadores precisam aprender o que alguns estão chamando de “habilidades híbridas”: uma combinação de conhecimento técnico da nova tecnologia com a aptidão pela comunicação e resolução de problemas.
Empresas cujos trabalhadores tem estas habilidades terão melhor chance de obter melhor retorno sobre seus investimentos tecnológicos. Não surpreende que estas habilidades híbridas agora estejam com demanda alta e crescente, rendendo bons salários.
Nada disso é para negar que alguns empregos serão eliminados e alguns trabalhadores serão deslocados. Então o elemento final de uma estratégia integrada precisa ser ajudar aqueles trabalhadores deslocados a encontrar novos empregos e compensar aqueles que não conseguem pelas perdas suportadas.
A Ford e a United Auto Workers, por exemplo, ofereceram benefícios generosos de aposentadoria precoce e pagamentos de rescisão em dinheiro além de assistência para treinamento quando a empresa foi reduzida, entre 2007 e 2010.
Exemplos como esse precisam se tornar a norma nos próximos anos. Falhar em tratar os trabalhadores deslocados de modo equitativo vai apenas ampliar as lacunas entre ganhadores e perdedores na economia futura e que já estão bastante aparentes.
Em resumo: empresas que engajam sua força de trabalho quando desenham e implementam novas tecnologias estão melhor posicionadas para gerenciar a revolução de inteligência artificial que está chegando.
Ao respeitar o fato de que os trabalhadores atuais, assim como os anteriores, entendem seus empregos melhor do que qualquer um e as diversas tarefas que o compõe, eles estarão melhor posicionados para “dar sabedoria às máquinas".
Publicado originalmente no site The Conversation e traduzido por João Pedro Caleiro com permissão dos autores