Donald Trump, presidente dos Estados Unidos (Mike Segar/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 1 de fevereiro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 13 de fevereiro de 2017 às 19h13.
Artigo do britânico Paul Diggle, economista-sênior da empresa de gestão de ativos Aberdeen
O presidente Donald Trump argumenta que muitos trabalhadores americanos perderam seus empregos para seus equivalentes estrangeiros na medida em que as companhias externalizaram sua manufatura.
As empresas americanas precisariam trazer esses empregos de volta e ao fazer isso, restaurariam a grandeza industrial americana. Seu diagnóstico não é inteiramente errado: menos empresas fabricam carros nos Estados Unidos do que antes, por exemplo. Mas sua tese é muito simplista.
As empresas americanas estão apenas tentando alocar o seu capital de forma eficiente quando fabricam esses bens fora dos EUA.
No nível da companhia, faz sentido fabricar seus bens em um país onde os salários são competitivos, os padrões são altos e acordos comerciais estão em vigor. Os salários são mais baixos no México do que nos EUA e o país tem padrões de produção decentes, assim como acordos comerciais com os americanos.
O debate acaba muitas vezes reduzido a salários, mas as empresas escolhem aplicar seus recursos em países por uma gama variada de razões.
A BMW, por exemplo, adota o mote “a produção segue o mercado”. Ela evita taxas de importação ao desenvolver um mercado para seus carros os fabricando no próprio mercado. Como resultado, tem fábricas na África do Sul, Tailândia, Grã-Bretanha e EUA. Estabelecer uma fábrica na Carolina do Sul em 1994 os permitiu aumentar as suas vendas no país de 50 mil para 260 mil carros, fazendo dos EUA o seu maior mercado.
A razão pela qual a BMW constrói fábricas onde o faz é motivada pela alocação eficiente de capital. Se fosse forçada a mover toda a sua manufatura para a Alemanha, isso impactaria toda a estratégia da empresa, não só sua conta de salários.
Se o presidente Trump de fato pressionar as empresas para que coloquem mais produção nos EUA, então aqueles especializados em robótica e automação provavelmente serão os vencedores. As empresas não vão automaticamente empregar mais americanos. Elas vão repensar suas estratégias e algumas delas vão inevitavelmente olhar para a automação como uma forma de evitar os custos mais altos de empregar trabalhadores americanos.
Isso vai acelerar uma tendência global de mais automação que já está em curso. O Boston Consulting Group acredita que a parcela de tarefas realizadas por robôs vai subir de 10% para 25% até 2025.
A Amazon tem uma divisão inteira dedicada à robótica. Sua aquisição da companhia de robótica Kiva em 2012 significa que uma parte muito maior do que acontece nos seus vastos armazéns está sendo automatizada.
Há 3 anos, o Departamento de Estatísticas de Trabalho dos EUA criou projeções de quais empregos teriam os maiores crescimentos e declínios entre 2014 e 2024. A previsão é que a manufatura caia mais do que qualquer outro grande setor. Nem tudo é por causa da automação, mas ela terá um papel.
E as companhias que se transferirem de volta para os EUA não vão apenas repensar seus processos da manufatura, tampouco. Elas vão procurar reduzir seus custos em todo o negócio, o que pode muito bem significar automatizar outras áreas, como pagamento e distribuição, especialmente considerando o fato de que países como os EUA estão ativamente fomentando a tecnologia que torna isso possível.
As companhias americanas estão desenvolvendo carros sem motorista e as autoridades estão apoiando esse desenvolvimento através de orientações regulatórias e de segurança. Há muito menos garantias nos mercados em desenvolvimento sobre como tais tecnologias irão se desenvolver. Portanto, é mais fácil ver o apelo dos carros sem motorista para um fabricante em Milwaukee do que para um do México.
É aqui que realmente está a oportunidade para os EUA. Eles não podem realisticamente trazer de volta os empregos que foram embora. Fazer isso criaria uma nova categorias de companhias zumbis, que seguem em frente lentamente, porém com margens muito estreitas.
Ao invés disso, os EUA podem continuar dominando o mundo no desenvolvimento das tecnologias de robótica e automação que todas as companhias estão brigando para abraçar.
Quando a Amazon comprou a Kiva, imediatamente ganhou uma vantagem competitiva porque estava comprando a firma líder de mercado em robótica. Outras companhias que dependiam da tecnologia da Kiva foram abandonadas tendo que encontrar uma alternativa. Ao comprar a Kiva, a Amazon abriu uma grande vantagem competitiva sobre outras empresas.
A grande questão é se essa nova tecnologia pode criar, direta ou indiretamente, a mesma quantidade de empregos perdidos para esse mesmo avanço tecnológico. Ninguém realmente sabe a resposta.
Mas uma coisa é certa: se a América for continuar se beneficiando desse boom tecnológico, precisa focar na alocação eficiente de trabalhadores e de capital em empresas de alta tecnologia.
A atual abordagem do presidente Trump irá forçar as empresas a reagir, mas provavelmente não atingirá o que ele pretende.