Redação Exame
Publicado em 21 de dezembro de 2024 às 09h15.
Última atualização em 21 de dezembro de 2024 às 09h20.
Por Mário N. Westrup, Robinson Silva e Leonardo Palhuca*
A criação das Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs) representou um avanço histórico na gestão dos clubes de futebol no Brasil, trazendo novos incentivos econômicos, práticas de governança, profissionalização e acesso ao mercado de capitais.
Por décadas, a grande maioria dos clubes operou sob o modelo associativo, caracterizado por gestão sem profissionalização e especialização, falta de transparência e recorrentes crises financeiras.
As SAFs surgiram, então, como um mecanismo para alinhar interesses econômicos e mitigar esses problemas, introduzindo princípios de governança corporativa inspirados nas melhores práticas de mercado.
Sob esse novo modelo, os clubes passam a ter estrutura de administração semelhante à de empresas de capital aberto (que necessariamente são sociedades anônimas).
Isso exige uma gestão mais transparente, relatórios financeiros auditados (ou auditáveis) e a adoção de órgãos de governança, como conselho de administração e fiscal. Esta nova configuração é atrativa para investidores, pois reduz os riscos advindos do modelo associativo.
Consequentemente, as SAFs passaram a ter maior capacidade de captar recursos junto a investidores nacionais e estrangeiros, via instrumentos de dívida ou de capital.
No entanto, a profissionalização e a maior transparência não vieram sem desafios. Um dos principais efeitos colaterais da transição para SAFs é a mudança no tratamento tributário.
Enquanto os clubes associativos gozam de imunidade tributária em relação a determinados impostos, as SAFs, ao serem constituídas como sociedades anônimas, estão submetidas ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF).
Neste regime, as SAFs recolhem tributos como Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS e COFINS. Essa nova realidade exige um planejamento tributário eficiente para evitar que a carga fiscal inviabilize os ganhos econômicos proporcionados pelo novo modelo.
Agora, além dessa nova realidade fiscal, surge um segundo desafio: a iminente Reforma Tributária.
Impulsionada pela Emenda Constitucional 132/2023 e pelo texto de regulamentação (PLP 68/2024) aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, a Reforma propõe a substituição de tributos indiretos, como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS, por dois novos tributos sobre o consumo: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
De acordo com o atual texto aprovado na Câmara dos Deputados, no TEF as SAFs ficarão sujeitas a um recolhimento mensal unificado dos seguintes tributos: IRPJ, CSLL, contribuições previdenciárias, CBS e IBS.
Esse recolhimento será apurado com base na receita mensal, que inclui prêmios, programas de sócio torcedor, cessão de direitos desportivos e transferências de atletas. As alíquotas previstas, a serem aplicadas integralmente a partir de 2033 com período de transição iniciado em 2027, serão:
Essa estrutura traz maior previsibilidade, mas também impõe desafios, como a impossibilidade de apropriação de créditos de IBS e CBS, exceto em aquisições de direitos desportivos de atletas.
Outro ponto de atenção é a tributação sobre transferências de atletas. Com o atual texto, que aguarda sanção presidencial, os ganhos de capital provenientes dessas transações serão tributados, o que pode afetar a estratégia de formação e negociação de talentos dos clubes.
Assim, à medida que a SAF se apresenta como um modelo que alinha interesses econômicos na gestão dos clubes do futebol brasileiro, é fundamental que os gestores estejam atentos aos impactos tributários dessa estrutura e seus desdobramentos com a Reforma Tributária para que os benefícios da profissionalização não sejam diluídos por ineficiências fiscais.
Apenas com uma gestão equilibrada entre governança e eficiência fiscal os clubes poderão transformar o futebol brasileiro em um ambiente sustentável, competitivo e, acima de tudo, transparente.
(*) Mário N. Westrup é consultor da Tendências Consultoria. Doutor e Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico pela UNESC, possui MBAs em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV e em Finanças e Mercado de Capitais pelo Instituto de Finanças de Nova Iorque (NYIF). Bacharel em Ciências Contábeis pela UNESC e em Relações Internacionais pela UNISUL.
(**) Robinson Silva é consultor da Tendências Consultoria. Mestre em Ciências Econômicas pela FGV e Bacharel em Ciências Econômicas pela FEA/USP.
(***) Leonardo Palhuca é consultor da Tendências Consultoria. Mestre em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg, na Alemanha, e Bacharel em Administração Pública pela FGV.