Sede do FMI, em Washington: instituição revisou drasticamente projeção de crescimento global em 2022, de 4,4% para 3,6% (Yuri Gripas/Reuters)
Da Redação
Publicado em 1 de maio de 2022 às 12h30.
Por Mohamed A. El-Erian
CAMBRIDGE – O relatório World Economic Outlook [WEO] (Perspectivas Econômicas Mundiais) revisado do Fundo Monetário Internacional é preocupante. É raro que a organização revise drasticamente suas projeções de crescimento econômico decorrido apenas um trimestre do calendário fiscal. No entanto, neste caso, o fez para 86% de seus 190 países membros, resultando em um declínio de quase um ponto percentual no crescimento global para 2022 – de 4,4% para 3,6%.
Além disso, essa previsão vem acompanhada por um significativo aumento da inflação projetada, e todas essas más notícias estão embaladas em um envoltório de incertezas mais profundas. Há um viés descendente no equilíbrio de riscos, e espera-se que a desigualdade piore tanto internamente como entre os países.
A revisão do WEO está atraindo muita atenção da mídia. Compreensivelmente, o foco está no tamanho relativamente grande das revisões para o ano atual, a maioria das quais está associada aos efeitos econômicos prejudiciais decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia. A guerra interrompeu o fornecimento de milho, gás, metais, petróleo e trigo, além de elevar o preço de insumos críticos, como fertilizantes (feitos de gás natural).
Esses acontecimentos provocaram alertas sobre uma iminente crise alimentar global e um acentuado aumento da fome no mundo. Dada a escala das disrupções, não me surpreenderia se o FMI fizesse uma nova revisão para baixo de suas projeções de crescimento – particularmente para a Europa – ainda este ano.
Mas, por mais importantes que esses efeitos sejam para 2022, especialmente quando se trata do impacto em segmentos vulneráveis da população e países frágeis, também precisamos prestar atenção às perspectivas do FMI para 2023. A projeção para o próximo ano aponta para um problema de médio prazo não menos importante: a perda de potência dos modelos de crescimento em todo o mundo.
O FMI não espera que sua significativa revisão para baixo no crescimento econômico global para 2022 seja compensada em 2023. Ao contrário, reduziu sua previsão para o próximo ano de 3,8% para 3,6%, com essas revisões se aplicando às economias avançadas e em desenvolvimento.
A implicação é que os motores econômicos do mundo estão falhando. Esse problema é especialmente preocupante em um ambiente operacional tão fluido, porque significa que os predominantes modelos de crescimento não estão à altura da tarefa de puxar as economias para imprevistos choques negativos. Para piorar a situação, os mesmos modelos também não conseguiram manter um nível decente de crescimento inclusivo durante períodos de menor estresse.
Três grandes eventos seculares são os culpados pela morna perspectiva: a natureza mutável da globalização; a dependência prolongada de impulsionadores artificiais de crescimento; e o fracasso de longo prazo em investir em fontes de crescimento sustentado.
A globalização econômica e financeira vem evoluindo de forma a tornar mais difícil para as economias nacionais alavancar o comércio internacional e o investimento estrangeiro direto para o crescimento doméstico. Embora a pandemia tenha levantado questões sobre a proliferação e as potenciais vulnerabilidades das cadeias de suprimentos internacionais “just-in-time”, vale lembrar que as restrições ao comércio e ao investimento estavam aumentando bem antes do surgimento do COVID-19. A guerra comercial EUA-China apresentou o retorno de altas tarifas e outras medidas protecionistas que geraram efeitos indiretos de longo alcance em toda a economia global.
Além disso, esses fatos ocorreram em um momento em que muitos países enfrentam restrições políticas mais rígidas. Um retorno ao estímulo de política monetária convencional e não convencional agora está sendo impedido pela alta e persistente inflação. Como observa o FMI, esse novo ambiente confronta os bancos centrais com compensações políticas muito delicadas e problemáticas e expõe a economia real aos possíveis caprichos da volatilidade do mercado financeiro.
Embora o escopo da ação fiscal seja menos limitado do que o das medidas monetárias, ele não está bem distribuído entre os países. Mesmo que os governos devam usar o poder de fogo que têm para proteger os segmentos mais vulneráveis de suas populações, alguns já enfrentam preocupantes níveis de dívida.
Esses eventos coincidem com um período de baixo crescimento da produtividade em muitos países, que é resultado de passadas e persistentes falhas em investir nos motores do crescimento verdadeiro, incluindo infraestrutura física e capital humano.
O relatório do FMI oferece um importante lembrete aos formuladores de políticas de que eles precisam concentrar muito mais atenção na geração de inovação, na melhoria da produtividade e no fortalecimento de outros motores de robusto e inclusivo crescimento econômico.
Se isso não for feito, o risco de estagnação do crescimento a médio prazo será desconfortavelmente alto. Em um mundo que já está sujeito a consideráveis desafios climáticos, econômicos, financeiros, institucionais, políticos e sociais, esse não é um cenário a que possamos nos permitir.
Mohamed A. El-Erian, presidente do Queens’ College, da Universidade de Cambridge, é professor na Wharton School da Universidade da Pensilvânia e autor do livro “The Only Game in Town: Central Banks, Instability, and Avoiding the Next Collapse” (O Único Jogo Disponível : Bancos Centrais, Instabilidade e Evitando O Próximo Colapso) da editora Random House, 2016.
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Tradução de Anna Maria Dalle Luche.