Agente vigia cerca na fronteira entre Hungria e Sérvia (Laszlo Balogh/File Photo/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 10 de setembro de 2017 às 08h00.
Última atualização em 11 de setembro de 2017 às 00h16.
Artigo de Nick Srnicek, professor de Economia Política na City, University of London
Em um mundo ideal, todos poderíamos nos movimentar livremente para onde desejássemos. O direito básico das pessoas escaparem da guerra, perseguição e pobreza seria aceito como algo dado, e ninguém precisaria ter sua vida determinada pelo lugar de seu nascimento.
Mas não vivemos neste mundo, e as fronteiras nacionais continuam a bloquear a liberdade das pessoas se moverem. Ao redor do mundo, o protecionismo está em ascensão pois dizem para as pessoas que gente de fora é culpada de desafiar seu modo de vida e, mais importante, roubar seus empregos.
Há, no entanto, um argumento avassalador em favor de fronteiras abertas e que pode ser feito mesmo na tradicionalmente auto-interessada linguagem econômica. Na verdade, nossas melhores estimativas são de que abrir as fronteiras mundiais poderia aumentar o PIB global em US$ 100 trilhões.
Parece uma ideia maluca, particularmente com a mídia dominada por histórias sobre a necessidade de controlar a imigração e tabloides da direita alardeando “fatos alternativos” sobre como a imigração prejudica nossas economias.
Mas toda a evidência disponível mostra que acabar com as fronteiras seria o jeito único mais fácil de melhorar o padrão de vida de trabalhadores ao redor do mundo, incluindo daqueles em países ricos.
O argumento é simples o suficiente e já foi feito por mais de um economista. Trabalhadores em economias mais pobres ganham menos do que deveriam.
Se tivessem todos os benefícios de países ricos – educação avançada, as últimas tecnologias de ambiente de trabalho e toda a infraestrutura necessária – estes trabalhadores produziriam e ganhariam tanto quanto seus equivalentes de países ricos. O que os mantém na pobreza são os seus arredores.
Se eles pudessem fazer as malas e se mudar para área mais produtivas, veriam sua renda se multiplicar várias vezes. Isso significa que abrir as fronteiras seria de muito longe a forma mais fácil e efetiva de atacar a pobreza global.
Pesquisas mostram que abordagens alternativas – como, por exemplo, microcrédito, melhores padrões de educação e ativismo contra sweatshops – produzem ao longo de uma vida ganhos econômicos que seriam alcançados em semanas por fronteiras abertas.
Mesmo pequenas reduções nas barreiras colocadas pelas fronteiras trariam benefícios massivos para os trabalhadores.
É claro, o medo imediato de abrir as fronteiras é que ela aumentaria a competição por empregos e reduziria os salários daqueles vivendo em países ricos.
Isso não considera o fato de que a globalização significa uma competição que já existe entre os trabalhadores ao redor do mundo, sob condições que prejudicam seu pagamento e segurança.
Os trabalhadores britânicos de manufatura e tecnologia da informação, por exemplo, já estão competindo com os trabalhadores de baixos salários da Índia e do Vietnã.
Os trabalhadores em países ricos já estão perdendo, na medida que as empresas eliminam bons empregos e levam suas fábricas e escritórios para outro lugar.
Diante destas circunstâncias, a função das fronteiras é manter trabalhadores presos em áreas de baixos salários que as empresas podem explorar.
Cada trabalhador, seja ele de um país rico ou pobre, sofre como resultado. Acabar com as fronteiras significaria acabar com esse tipo de competição entre trabalhadores e deixaria todos em melhor situação.
A União Europeia nos deu um experimento natural sobre o que acontece quando as fronteiras entre países ricos e pobres são abertas.
E a evidência aqui não é ambígua: os efeitos de longo prazo das fronteiras abertas melhoraram as condições e salários de todos os trabalhadores. No entanto, no curto prazo alguns grupos (particularmente trabalhadores pouco qualificados) podem ser afetados negativamente.
Os reparos para isso, no entanto, são consideravelmente fáceis. Uma redução da semana de trabalho reduziria a oferta de trabalho, o distribuindo de forma mais igualitária entre todos e dando mais poder aos trabalhadores – sem mencionar mais tempo livre para todos.
E o fortalecimento e fiscalização de leis trabalhistas tornaria impossível para as empresas explorar demais os trabalhadores imigrantes. O impacto geral de mais trabalhadores é consideravelmente pequeno no curto prazo e consideravelmente positivo no longo prazo.
Da forma que estão hoje, as fronteiras deixam os trabalhadores presos e competindo contra si mesmos. A forma com que a economia global está estabelecida é baseada inteiramente na competição. Isso nos faz pensar que aliados em potencial são inimigos irreconciliáveis.
Os culpados reais, no entanto, são os negócios que fazem suas malas num piscar de olhos, demitem trabalhadores de longa data em favor de novatos mais baratos, e ferem claramente leis trabalhistas para impulsionar seus lucros.
As fronteiras nos tornam estranhos ao invés de aliados. Mas não precisa ser assim, e como princípio orientador da ação política, a abolição das fronteiras figuraria entre as maiores conquistas da humanidade.
Traduzido por João Pedro Caleiro com permissão do autor