Fábrica da BMW, em Leipzig, na Alemanha (Jens Schlueter/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 16 de julho de 2018 às 08h00.
Última atualização em 23 de julho de 2018 às 11h30.
Artigo de Jostein Hauge, pesquisador associado da Universidade de Cambridge
De acordo com novas pesquisas do Fundo Monetário Internacional, os países não precisam mais contar com a manufatura para o crescimento da produtividade.
O FMI não é o primeiro a dar um golpe no chamado “fetichismo” da manufatura. Economistas famosos como Jagdish Bhagwati e Christina Romer também o fizeram em anos recentes.
Na verdade, você pode traçar o ceticismo em relação às teorias pró-manufatura até 1976, quando o sociólogo Daniel Bell publicou “O Advento da Sociedade Pós-Industrial”. Bell argumentou que a riqueza das sociedades futuras dependeria menos da produção de bens e mais da provisão de serviços.
De algumas maneiras, é correto que países devem olhar para os serviços para liderar o desenvolvimento econômico. Alguns serviços são mais facilmente intercambiáveis e tem maior potencial para crescimento de produtividade do que antes.
Isso é especialmente verdadeiro para serviços altamente digitalizados, como Netflix, Spotify e outros serviços relacionados a negócios.
Mas a conversa sobre uma sociedade pós-industrial é principalmente hype sem evidência. Aqui vão cinco razões para ser cético em relação aqueles que dizem que fábricas são dinossauros:
Ao longo da história do capitalismo, praticamente todos os países que transformaram suas economias da baixa para a alta renda o fizeram através de um processo de industrialização.
O estabelecimento gradual do Ocidente como o líder econômico mundial – começando com a revolução industrial no Reino Unido no final do século XVIII – foi também um processo de se estabelecer como o líder mundial em manufatura.
Em 1750, Europa, América do Norte e Japão constituíam apenas 27% da produção manufatureira do planeta. Mas em 1900, essas regiões respondiam por 90% da produção manufatureira mundial.
Alguns poderiam dizer que essa estatística não importa porque o caminho tradicional do crescimento econômico via industrialização mudou. Mas isso não é verdade.
Desde a Segunda Guerra Mundial, só alguns poucos países pequenos excepcionalmente ricos em petróleo (como Brunei, Kuwait e Catar) ou paraísos fiscais muito pequenos (como Mônaco e Liechtenstein) alcançaram um padrão de vida sustentável sem desenvolver seu setor manufatureiro.
É por isso que os termos “país industrializado” e “país desenvolvido” ainda são utilizados de forma intercambiável.
A razão para o forte relacionamento entre industrialização e desenvolvimento econômico é que o setor manufatureiro é o condutor do crescimento de produtividade. Isso, por sua vez, é a alma do desenvolvimento tecnológico.
Economias de escala (custo reduzido por unidade que resulta de uma produção mais alta) são mais facilmente obtidas no setor manufatureiro do que no setor de serviços. Isso porque as atividades de manufatura se prestam mais facilmente para a mecanização e o processo químico.
E não vamos esquecer que o crescimento da produtividade em outros setores da economia também é resultado de inovações no setor de manufatura.
As fazendas mais produtivas do mundo são usuárias pesados de produtos químicos, fertilizantes, pesticidas e máquinas agrícolas. E as firmas de serviço mais produtivas do mundo dependem de tecnologias digitais de ponta, equipamento de transporte e, em algumas instâncias, armazéns mecanizados.
A importância do setor de manufatura para a infraestrutura geral de inovação de um país não pode ser enfatizada o suficiente.
Mesmo em países avançados, onde a produção de manufatura está presumidamente em declínio, o grosso da inovação ocorre no setor manufatureiro.
Nos EUA, firmas associadas principalmente com a produção industrial ainda empregam 64% de todos os cientistas e engenheiros.
Qualquer atividade econômica estimula outra atividade econômica. Da mesma forma que a manufatura estimula a provisão de serviços, os serviços estimulam a produção de manufatura. Mas as evidências mostram que a manufatura tem um “efeito multiplicador” mais forte do que os serviços.
Na França, por exemplo, 29% da força de trabalho da manufatura contribui indiretamente para os resultados de produção em setores não-manufatureiros. Apenas 13% da força de trabalho do setor de serviços contribui indiretamente para os resultados da produção de setores que não são de serviços.
Em Singapura, cada 100 empregos novos na manufatura estão associados com 27 empregos novos em serviços. Em contraste, cada 100 empregos novos em serviços estão associados com apenas três outros empregos na manufatura.
Não apenas muitos serviços dependem de um núcleo de manufatura, alguns deles também estão, pela sua própria natureza, ligados à manufatura.
Mais importantes são aqueles que incluem pesquisa e desenvolvimento industrial, inovação, design de produto e outros serviços relacionados à engenharia.
Alguém poderia defender com firmeza que este tipo de serviço contasse como manufatura nas contas nacionais, o que não é o caso atualmente. Um estudo publicado pelo Instituto Brookings, um think tank, mostra a importância de colocar sob escrutínio a forma como contabilizamos as atividades produtivas.
Os autores do estudo calcularam o tamanho de toda a cadeia de valor da manufatura norte-americana e descobriram que em 2010, a manufatura, definida de forma restrita, empregava 11,5 milhões de trabalhadores. Definida de forma ampla, empregava 32,9 milhões de trabalhadores.
Com o advento da Quarta Revolução Industrial – avanços tecnológicos associados com coisas como a inteligência artificial, robótica, internet das coisas, veículos autônomos e impressão 3D – há um medo crescente de que a manufatura se tornará menos dependente do trabalho humano. Mas o medo não é confirmado pela evidência.
A parcela de empregos atualmente na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que estão sob risco de automação é de apenas 6% a 12%. Em países em desenvolvimento, o número é ainda menor, entre 2% e 8%.
E mantenha em mente que esses estudos falam apenas do risco de automação. Por enquanto, a impressão 3D e a robótica tiveram um impacto negligenciável no mercado de trabalho da maior parte dos países.
Mesmo supondo o cenário apocalíptico em que impressoras 3D e robôs roubam a maior parte dos nossos empregos, não sabemos se o setor de manufatura vai experimentar perdas maiores de empregos do que o agrícola ou de serviços.
Por exemplo, um relatório recente da McKinsey aponta que serviços de transporte e armazenamento estão entre as atividades mais automatizáveis, e que a separação de produtos agrícolas é 100% passível de automação neste ponto.
Então apesar de ser verdade que alguns serviços estão cada vez mais contribuindo para o crescimento da produtividade na economia como um todo, estes serviços não podem prosperar sem um setor manufatureiro vibrante.
Os governos em países de renda alta não deveriam permitir que suas fábricas apodreçam, e governos em países em desenvolvimento estão errados em pensar que podem pular a fase de industrialização.
A manufatura ainda importa – e muito.
Publicado originalmente no site The Conversation e traduzido por João Pedro Caleiro com permissão do autor