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Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2009 às 10h03.
No discurso em que defendeu a candidatura do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil era a única das dez maiores economias do mundo que nunca havia organizado os Jogos, que os países emergentes se fortaleceram na crise e que já era a hora de a América do Sul ter a chance de promover o maior evento esportivo mundial. O discurso convenceu a maioria dos países, mas a oportunidade que foi dada ao Rio traz consigo enormes desafios.
As cifras de uma Olimpíada são bilionárias tanto do ponto de vista dos investimentos quanto do retorno financeiro. Segundo o governo, os Jogos podem gerar 51,1 bilhões de dólares em negócios e criar 120.000 empregos durante a fase de preparativos. Já os recursos necessários para o planejamento e construção de instalações esportivas e obras gerais de infraestrutura são estimados em 14,4 bilhões de dólares. O montante é bem próximo ao que será gasto por Londres nas próximas Olimpíadas (15,8 bilhões de dólares), mas muito inferior ao Orçamento de Pequim 2008 (US$ 40 bilhões). O problema é que, a julgar pelos sucessivos estouros de orçamento do Pan 2007, não é possível saber qual é o verdadeiro tamanho da conta.
A favor do Brasil está o aproveitamento da infraestrutura que está sendo erguida para a Copa de 2014. É muito provável que o Rio seja a sede da final do mundial de futebol, o que obriga a cidade a realizar pesados investimentos em infraestrutura, transportes e segurança. Estão previstas a reforma do estádio do Maracanã, a revitalização da zona portuária, a criação do bilhete único para reduzir o tempo e o custo do transporte público, a construção de corredores rodoviários e linhas de trens e metrô e a expansão do aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim.
Obras de infraestrutura em andamento* |
Valor/R$ (milhões)
|
Corredores rodoviários |
3.200
|
Transporte ferroviário (trens e metrô) |
5.500
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Expansão e modernização do aeroporto Antônio Carlos Jobim |
964
|
Revitalização da zona portuária |
500
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Fonte: Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Lazer (SETE) | |
*As obras referem-se ao que será feito para atender a demanda da Copa de 2014 |
(Continua)
Além das sinergias com a Copa, quatro grandes obras do Pan 2007 também serão reaproveitadas em 2016: o estádio João Havelange (Engenhão), o Parque Aquático Maria Lenk, a Arena Olímpica Municipal e o Velódromo. Também já passaram por reformas o Riocentro e a Marina da Glória, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs).
Instalações esportivas concluídas para o Pan 2007 | |
Obras esportivas concluídas
|
Valor/R$ (milhões)
|
Estádio Olímpico Municipal João Havelange |
318,3
|
Arena Olímpica Municipal |
127,4
|
Parque Aquático Municipal Maria Lenk |
84,9
|
Velódromo Municipal |
14,1
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Fonte: Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro |
Dos 14,4 bilhões de dólares que ainda serão investidos, o Comitê Organizador dos Jogos terá de arcar com 2,8 bilhões de dólares. A maior parte desses recursos virá do setor privado ou do Comitê Olímpico Internacional (COI). O dinheiro deve pagar custos de organização do evento e montagem de instalações temporárias ou estruturas de apoio em todos os locais dos Jogos. O restante dos recursos (11,6 bilhões de dólares) sairá dos cofres públicos ou de PPPs. O dinheiro permitirá a construção de novas instalações esportivas, principalmente na Barra da Tijuca e em Deodoro, e projetos de infraestrutura para a cidade. Somente as instalações esportivas têm um custo estimado em 1,2 bilhão de reais.
Olimpíadas Rio 2016 * | ||
Instalações esportivas pendentes | Natureza da obra | Valor/ R$ (milhões) |
Centro Olímpico de Treinamento (COT)** | construção | 813,2 |
Arena Olímpica de Deodoro*** | construção | 144,4 |
Parque Radical - Ex-Park | construção | 100,7 |
Centro Olímpico de Tênis | construção | 92,2 |
Estádio Olímpico de Desportos Aquáticos
| construção | 75,7 |
Centro de Pentatlo Moderno
| construção | 3,8 |
Centro Olímpico de Hóquei | construção | 1,5 |
Vila Olímpica | construção | não divulgado |
Centro Nacional de Hipismo | reformas | 21,4 |
Centro Nacional de Tiro Esportivo | reformas | 5,2 |
Centro de Treinamento de Hóquei | reformas | 2 |
Total: |
| 1.200 |
* Investimentos programados pelo Governo Federal | ||
** Valores incluem instalações e também obras de infraestrutura e acesso ao local | ||
*** Valores incluem instalações e também obras de infraestrutura e acesso ao local |
Rede hoteleira
Outra questão que preocupa é a atual capacidade da rede hoteleira da capital carioca. Apesar de no dossiê da candidatura constar que serão ofertados 49.570 quartos (hotéis, transatlânticos e vilas olímpicas), hoje a cidade dispõe apenas de 28.000. O COI exige 46.000 quartos. "Se você examinar os investimentos em hotelaria no Brasil nos últimos 25 anos, vai ver que a proporção de investimentos feita no Rio é muito pequena quando comparada ao que foi feito em São Paulo e Nordeste. O Rio, infelizmente, perdeu inclusive a posição de principal porta de entrada do movimento turístico no Brasil e isso é uma deficiência que precisa ser recuperada", afirma o ex-secretário do Estado de Transportes do Rio e especialista em cidades, José Barat. (Continua)
Apesar de a rede hoteleira constituir um dos principais gargalos das Olimpíadas no Rio em 2016, esse é um dos segmentos que mais foi beneficiado pelo Pan 2007. A competição atraiu 171.000 turistas, sendo 68.000 estrangeiros. O saldo de recursos deixado na cidade foi de 897,8 milhões de reais. A rede Windsor, por exemplo, até hoje colhe os frutos de ter sido escolhida como o hotel oficial do Pan. "A visibilidade que ganhamos é algo difícil de mensurar. Nós praticamente nos tornamos sinônimo de acomodação para eventos esportivos. Recebemos delegações e executivos ligados a esses eventos, hospedamos a seleção brasileira e somos a rede oficial do Campeonato Brasileiro para os jogos que acontecem no Rio", afirma o gerente de marketing, Paulo Marcos Ribeiro.
Construtoras e companhias aéreas
A construtora Agenco, responsável pelas obras do Complexo da Vila Pan-Americana, também foi beneficiada pelo evento. A inspiração veio da Vila dos Atletas dos Jogos Olímpicos de Barcelona. O empreendimento, inicialmente ocupado pelas delegações esportivas, foi depois comercializado ao público. A empresa comercializou 93% das unidades do Complexo da Vila Pan-Americana em 24 horas.
Gol e TAM também preveem o aumento na demanda por voos com a Copa e a Olimpíada. Até 2013, a frota da TAM deverá passar de 132 para 152 aeronaves e a da Gol, das atuais 108 para 127. Uma das patrocinadoras da candidatura do Rio, a TAM aposta no crescimento do setor de turismo com expansão da demanda por passagens domésticas e internacionais. A empresa acredita que o mercado brasileiro de aviação comercial tem potencial para dobrar de tamanho até 2014, mas pondera que isso exige investimentos em infraestrutura aeroportuária.
Herança maldita?
Especialistas consultados pelo Portal EXAME dizem que a realização das Olimpíadas traz prós e contras para a cidade. Embora a realização do evento traga um retorno intangível para a imagem do Rio e do Brasil, há riscos de estouro no orçamento prévio. Outra preocupação envolve os altos investimentos que poderiam ser direcionados para áreas prioritárias como educação e saúde, mas são aplicados em instalações esportivas que depois podem ficar subutilizadas, a exemplo do que ocorreu com as obras do Pan.
"É claro que eventos esportivos desse porte trazem benefícios para as cidades, principalmente pelo fato de acelerar melhorias em infraestrutura, mas não podemos esquecer que o Pan custou dez vezes mais que o orçamento original e não deixou legado para a sociedade. Precisamos aprender essa lição para não repeti-la", alerta o consultor do Ministério do Esporte Jorge Wilheim.
Segundo o coordenador do Instituto Virtual do Esporte, ligado à Faperj, Edmundo Drummond Alves Junior, o Pan acabou por gerar mais ônus do que bônus para a cidade. "A exemplo de outras cidades que já sediaram os Jogos Olímpicos, como Atenas, muitas das obras feitas no Rio - como o Maria Lenk e o Velódromo - estão praticamente abandonadas, enquanto o transporte público, a educação e a segurança continuam com sérios problemas."
O vice-prefeito do Rio de Janeiro, Carlos Alberto Vieira Muniz, admite a subutilização das instalações do Pan, mas diz que isso não acontecerá na Olimpíada. "Erros antigos já estão sendo revistos para que as instalações esportivas construídas para o Pan sejam integrados à sociedade", afirma. Ao escolher o Rio como sede, o mundo deu ao Brasil a chance de fazer história. Os capítulos dessa epopeia serão escritos durante os próximos sete anos. Caberá ao país decidir entre uma competição vitoriosa ou uma maratona de corrupção e incompetência.