Economia

O ridículo mundo das startups

“Passei a última década escrevendo sátiras sobre a indústria de tecnologia — primeiro num blog, depois num romance e mais recentemente numa série de TV. Mas nada que eu tenha imaginado nesses relatos ficcionais poderia se comparar com o ridículo que encontrei quando aceitei um emprego numa empresa de tecnologia de verdade, uma produtora de […]

CENA DE SILICON VALLEY: Dan Lyons se especializou em satirizar as startups de tecnologia / Divulgação

CENA DE SILICON VALLEY: Dan Lyons se especializou em satirizar as startups de tecnologia / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2016 às 21h14.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

“Passei a última década escrevendo sátiras sobre a indústria de tecnologia — primeiro num blog, depois num romance e mais recentemente numa série de TV. Mas nada que eu tenha imaginado nesses relatos ficcionais poderia se comparar com o ridículo que encontrei quando aceitei um emprego numa empresa de tecnologia de verdade, uma produtora de software chamada Hubspot.” Esse é o início de Disrupted: My Misadventures in the Start-Up Bubble (“Vítima da ruptura: minhas desventuras na bolha das startups”, numa tradução livre), um livro hilário que virou leitura obrigatória no mundo da tecnologia.

O autor, Dan Lyons, ficou famoso antes de ser conhecido. Entre 2006 e 2011, publicou anonimamente o blog Fake Steve Jobs, no qual se passava pelo criador da Apple. Lyons era, na época, jornalista especializado em tecnologia na revista Forbes e durante meses a autoria do blog foi alvo de especulações até finalmente ser revelada. O Jobs real pouco falava com jornalistas, mas suas idiossincrasias eram saborosas demais e foram traduzidas com humor e perfeição por Lyons.

Com Disrupted, Lyons voltou a chamar a atenção do mundo da tecnologia. É fácil fazer piada com o estereótipo das empresas de tecnologia americanas e suas mesas de pingue-pongue, culturas infantilizadas e excessos de informalidade. Mas Lyons não aceitou o emprego para fazer humor. Ele havia sido demitido da revista Newsweek e estava num momento ruim da carreira. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar no marketing interno de uma empresa de software, ele a levou muito a sério. E aí começa a parte engraçada (pelo menos para os leitores).

O primeiro choque é de gerações. Lyons tem 55 anos, mais que o dobro da média de seus colegas. No primeiro dia de trabalho, as pessoas que o contrataram não vão recebê-lo. Quem lhe dá o primeiro tour no escritório é um rapaz de 20 e poucos anos que, ele descobre, é seu chefe. A função que ele esperava desempenhar — remodelar o blog da empresa — é um pouco menos glamourosa: Lyons, um jornalista com 25 anos de experiência, na realidade vai “gerar conteúdo” para o blog. A ideia é atrair donos de pequenos negócios a usar o software da Hubspot, essencialmente um sistema para envio de marketing direto via e-mail. Os clientes da Hubspot, fundada em 2006 em Cambridge, no Massachusetts, enviam mais de 1 bilhão de e-mails por mês. “Agora sou parte disso. Trabalho para as pessoas que enchem sua caixa-postal de lixo, o equivalente àqueles operadores de telemarketing chatos que ligam na hora do seu jantar. Tento me convencer dizendo para mim mesmo que, embora o trabalho seja ignóbil, não é necessariamente do mal. Não somos Hitler. Só estamos incomodando as pessoas.”

Para poder incomodar com mais eficiência, Lyons tem de falar no jargão da empresa: KPI, DRI, SLA, TOFU, MOFU, SFTC e SMB. “Parece que desembarquei numa ilha remota onde um bando de gente vive há anos em isolamento, criando as próprias regras, e rituais, e religião, e linguagem”. Toda empresa tem a própria cultura. Mas no setor de tecnologia, escreve Lyons, talvez a palavra mais correta seja culto. Os valores e a missão da Hubspot estão contidos numa apresentação de PowerPoint de 128 slides, criado por Dharmesh Shah, um dos cofundadores da companhia. “Dharmesh acredita ser uma espécie de guru da administração new age, uma pessoa que pode ensinar as outras como administrar uma empresa — o que é estranho, porque, como descubro meses depois, ele não administra o departamento de engenharia e, até onde pude notar, ele não parece ter nenhuma função no dia a dia da Hubspot.”

Um dos itens da cultura da empresa é a linguagem, que Lyons chama de HubSpeak. Quando uma pessoa pede demissão ou é demitida, o evento é chamado de “formatura”. “Isso realmente acontece. Recebíamos e-mails dizendo: ‘Equipe, só para informar que Derek se formou na Hubspot e estamos empolgados para ver como ele vai usar seus superpoderes na próxima grande aventura!” Os superpoderes, claro, são uma referência ao conhecimento que os rock stars ou superstars — também chamados de funcionários — adquiriram na Hubspot.

Esses são apenas alguns dos muitos exemplos de Disrupted que beiram o inacreditável. Boa parte do livro é engraçadíssima (de novo, para quem está lendo, pois Lyons deixa bem claro que tem vontade de chorar ao perceber onde amarrou o burro). Mas o subtexto é sombrio. Lyons descreve o que é essencialmente uma operação industrial, não tecnológica. “A empresa começou como um negócio de vendas em busca de um produto. A tecnologia pode não impressionar, mas olhe o crescimento das receitas!” (A Hubspot tem capital aberto desde outubro de 2014 e um valor de mercado de 1,54 bilhão de dólares.) É por isso que a empresa atraiu tantos investidores de risco. E é com a fachada da “diversão” de trabalhar numa startup, do vocabulário bem-humorado, que essas empresas conseguem contratar jovens dispostos a ganhar um salário de 35.000 dólares anuais para trabalhar sob pressão psicológica tremenda e constante em salas cavernosas e abarrotadas. “Você pode dizer a elas que não está fazendo isso para economizar dinheiro em espaço de escritório, mas porque é assim que a geração delas gosta de trabalhar”, escreve Lyons.

Em julho do ano passado, Cranium, diretor da Hubspot e um dos personagens principais de Disrupted, foi demitido. Cranium foi desligado (ou melhor, “formou-se”) por tentar obter por vias ilícitas a cópia do manuscrito de um livro — Disrupted. Depois de uma investigação, o caso foi arquivado sem conclusões definitivas. No epílogo, Lyons diz que não sabe se seu computador foi hackeado ou se a editora ou sua casa foram invadidas (ele até mesmo suspeita que seu lixo possa ter sido revirado). Talvez o maior elogio ao livro de Lyons tenha partido da própria empresa.

Em tempo: além de Disrupted e do blog Fake Steve Jobs (os arquivos estão disponíveis na internet), Lyons é um dos roteiristas da excelente série Silicon Valley, cuja terceira temporada acaba de começar a ser exibida no canal por assinatura HBO.

(Sérgio Teixeira Jr., de Nova York) 

 

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