Economia

O que (não) funciona no thriller que conta a criação do Real

No filme, o protagonista Gustavo Franco diz que despreza “desenvolvimentistas ordinários” e define Brasília como “deserto projetado por um comunista”

"Real - O plano por trás da história" foca em economistas convocados por FHC para derrotar inflação (ArtPresse/Divulgação)

"Real - O plano por trás da história" foca em economistas convocados por FHC para derrotar inflação (ArtPresse/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 18 de maio de 2017 às 06h00.

Última atualização em 18 de maio de 2017 às 06h00.

São Paulo – “Real – O plano por trás da história”, que estreia na próxima quinta-feira (25), tem um objetivo ingrato: transformar a criação de um plano econômico em um thriller eletrizante.

Em coletiva realizada ontem em São Paulo, o produtor Ricardo Rihan disse que o projeto surgiu da vontade de fazer algo na linha de "Wall Street – Poder e Cobiça", filme de Oliver Stone de 1987.

Foi só depois que Ricardo topou com “3.000 dias no bunker”, de Guilherme Fiúza (autor de “Meu Nome não é Johnny”), o livro que dá base ao filme.

A trama foca no time de economistas convocado em 1993 pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, para solucionar a hiperinflação, o que acabaria sendo feito com a introdução inovadora de uma moeda paralela de transição (a URV).

O protagonista é Gustavo Franco (Emílio Orciollo Netto), que se tornaria presidente do Banco Central, mas também aparecem Pérsio Arida (Guilherme Weber), Edmar Bacha (Giulio Lopes), André Lara Resende (Wladimir Candini), Pedro Malan (Tato Gabus Mendes) e Clóvis Carvalho (Carlos Meceni).

O time é descrito como “um bando de gente de nariz para cima” pelo ex-presidente Itamar Franco (Bemvindo Siqueira).

O desafio, segundo o produtor, foi “transformar um tema árido como política econômica em uma narrativa cinematográfica interessante para o público jovem”.

A tarefa foi parcialmente bem-sucedida: o filme é ágil, mas às vezes carrega nas tintas e escorrega para a caricatura.

Já o roteiro alterna momentos expositivos demais com outros didáticos de menos (não explica o que, afinal, foram as crises no México e na Ásia que ameaçaram a estabilidade do Real).

As limitações de tempo sacrificaram personagens como Ciro Gomes (ministro da Fazenda no final de 1994) e Murilo Portugal (secretário do Tesouro durante a implantação do Plano).

Franco aparece como uma personalidade abrasiva que despreza “grupinhos de desenvolvimentistas ordinários” e define Brasília como “um deserto projetado por um comunista”.

Em uma cena, faz uma referência ao Plano Cruzado que caberia bem para a Nova Matriz Econômica do governo Dilma: “Quando o plano vai bem, todo mundo é pai, quando começa a dar errado, vira filho bastardo”.

Na coletiva, a equipe destacou a decisão de financiar o filme sem empresas públicas ou empreiteiras, contando com empresas privadas, entre elas o Banco Safra e o Itaú.

O produtor disse que ainda em 2013 havia interessados no projeto que pularam fora com medo de desagradar o governo Dilma logo antes de uma eleição onde ela era favorita.

Mais do que em um debate político-econômico e partidário, o filme acaba focando na construção de Franco como um anti-herói ("Eu não vou desvalorizar minha moeda!", ele esbraveja, e recebe como resposta: "O Real é a moeda do povo!").

Seu contraponto vem principalmente de personagens ficcionais como sua mulher (Paolla Oliveira), uma jornalista (Cássia Kis) e um deputado fictício do PT (Juliano Cazarré). Mariana Lima é um dos destaques como seu braço direito no BC.

Há referência até ao juiz Sérgio Moro, mas o filme não vai fundo em pontos polêmicos como os interesses na decisão de deixar a desvalorização do Real para depois das eleições de 1998.

O que acaba marcando o filme são alguns detalhes, como a exatidão de Arthur Kohl como José Serra (um crítico do Real e que segundo relatos, não gostou de como foi retratado).

O roteirista Mikael de Albuquerque destaca que é um “filme de ficção na visão de um autor jornalista” e o diretor Rodrigo Bittencourt diz que se preocupou em mostrar os dois lados das questões.

Isso não impediu que o filme fosse classificado como "de direita" e que tenha sido um dos motivos para a saída de 7 cineastas selecionados junto com ele para um festival de Pernambuco.

Cazarré diz achar "quase incompreensível que uma pessoa com formação de cineasta não consiga conviver com uma visão diferente da sua" e o produtor reage: “Espero que se odiarem o filme, que pelo menos seja depois de terem assistido”.

Veja uma cena liberada para EXAME.com:

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E o trailer:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=JXC2rnvFLVc%5D

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